O Supremo Tribunal Federal deve julgar, nesta quinta, 16, uma ação em que a Procuradoria Geral da República pede que seja reconhecida como inconstitucional a prática - no caso de julgamento de crimes contra a dignidade sexual -, de expor a público, como estratégia da defesa, "a vida sexual pregressa e o modo de viver da vítima".
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A PGR pretende que a Corte enfrente duas situações de forma objetiva:
1) Omissão inconstitucional, verificada em um deixar de fazer ou fazer de modo ineficaz e insuficiente do poder público, considerado o seu dever de proteção da mulher contra toda forma de violência, quando permite que mulheres vítimas de estupro sejam questionadas e tenham expostas sua vivência sexual pregressa no julgamento do crime;
2) Prática (comissiva) inconstitucional, quando, nesse caso, o aparato jurisdicional admite como válido ou reproduz, mesmo veladamente, discurso de culpabilização da vítima de crime de estupro.
Trata-se de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), na qual figuram como "amigos da Corte" o Defensor Público-Geral Federal, a Defensoria Pública da União e o Instituto Maria da Penha.
Foram intimados para tomar conhecimento da ação a Presidência da República e o Congresso.
A ADPF 1107 foi apresentada ao STF em janeiro. A ministra Cármen Lúcia é a relatora.
Segundo a Procuradoria, "é vedado às partes e a seus advogados fazerem menção à vida sexual pregressa ou o modo de vida da vítima em audiência de instrução e julgamento de crimes contra a dignidade sexual".
A PGR sustenta, com base no artigo 59 do Código Penal, que o magistrado não pode considerar a vida pregressa da vítima para valorar a pena.
O advogado Philip Antonioli, criminalista, afirma que o "processo penal busca a verdade de um fato determinado".
"Trazer para o julgamento desse caso em concreto elementos estranhos à situação analisada não contribui para o deslinde da causa", pontua Antonioli.
Para ele, "a vida pregressa da vítima em nada interessa à coisa julgada". "A análise do magistrado deve se deter ao comportamento da vítima no momento dos fatos sob análise."
Sérgio Rosenthal, também criminalista, considera que "vedação legal à manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos crimes contra a dignidade sexual representa uma importante evolução civilizatória e visa impedir a culpabilização da vítima, especialmente em casos de estupro".
Segundo o advogado penalista Fernando Hideo Lacerda, os pedidos que integram a ADPF 1107 devem ser julgados procedentes, para "assegurar tratamento digno às mulheres vítimas de violência sexual".
"Na apuração de crimes dessa natureza, importa perquirir se houve ou não consentimento da mulher para o ato sexual, não sendo pertinentes indagações sobre aspectos da vida íntima da vítima que não estejam relacionados ao crime", pondera Hideo Lacerda.
Segundo ele, "questões sobre a vida sexual pregressa e o modo de viver da vítima não são matéria de defesa do réu e caracterizam, antes, uma forma de revitimização que não deve ser tolerada pelo sistema de justiça".
"A integridade física e psicológica da vítima deve ser assegurada pelo magistrado que preside a audiência, cabendo-lhe o dever legal de impedir questionamentos e insinuações que desqualifiquem a mulher vítima de crimes sexuais. O direito de defesa do réu não pode ser exercido com desprezo à dignidade da vítima", afirma Hideo Lacerda.