A confiança da população americana na economia quase nunca foi tão baixa pelo menos desde 1961, quando há dados disponíveis. Para ser específico, o índice anual de confiança do consumidor da Universidade de Michigan em 2024, considerada a situação atual do entrevistado, apenas é inferior ao de 2022, ano ainda de rescaldo dos efeitos da pandemia de Covid-19.
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O indicador de Michigan, um dos mais cotados do tipo nos Estados Unidos, em geral está baixo ou em baixa notável apenas em períodos de recessão econômica. Mas os EUA estão longe de uma recessão, a taxa de desemprego é das menores em cerca de 50 anos, a taxa de população ocupada é recorde, a inflação cai, a produtividade cresce.
A economia vai bem e o povo vai mal? Ou o choque inflacionário de 2022 e a dita polarização política ajudam a explicar essa grande, histórica, insatisfação? Homem pega itens de supermercado em Rosemead, na Califórnia Frederic J. Brown 14.ago.24/AFP A imagem mostra uma seção de supermercado dedicada ao café da manhã, com prateleiras repletas de diversos produtos alimentícios.
A renda per capita, no caso o valor do PIB dividido pela população, é 12% superior ao do início de 2019, ano imediatamente anterior ao da pandemia, desempenho muito superior ao de outros países ricos (considerando as estimativas do FMI para o crescimento desde 2024). No Japão, o crescimento no período foi de 3,3%. Na Alemanha, de nada. No Reino Unido, de 2,2%. Na França, de 3,7%. O Canadá regrediu.
Mas, para 52% dos americanos, a sua situação é pior do que há quatro anos; para 39% apenas, está melhor; 9% dizem estar na mesma, segundo pesquisa de setembro do Gallup. O índice do instituto mostra que a confiança econômica apenas esteve mais baixa nos meses de 2008 e 2009, da Grande Recessão, e de 2021 e 2022, ainda sob efeitos da Covid.
Faltam dados mais precisos e recentes que ajudem a explicar a grande insatisfação americana, como os de distribuição de rendimentos e benefícios sociais por classe ou região. Mas há indícios e algumas hipóteses comuns entre observadores dos EUA. A primeira pista vem do próprio Gallup. Entre eleitores do Partido Democrata, 72% consideram que sua vida está melhor do que em 2020. Entre os independentes, 35%. Entre os adeptos do Partido Republicano, 7%. A pesquisa é de meados de setembro.
Outra hipótese citada com frequência por economistas para o baixo ânimo econômico é o efeito persistente do choque inflacionário. A inflação anual chegou ao pico de 9,1% em junho de 2022 --a última vez em que a média de preços ao consumidor aumentara tanto assim havia sido em 1982. A inflação anual baixaria para 2,4% ao ano, em setembro passado. Mas o choque deixou marca forte e recente no poder de compra dos salários.
O valor real do salário médio do pessoal empregado na produção, em funções que não sejam gerenciais, aumentou 4,4% em termos reais em relação a 2019, ano imediatamente anterior ao da epidemia (dados calculados nos 12 meses até setembro com base nos números do Departamento de Estatísticas do Trabalho dos EUA, descontada a inflação do Índice de Preços ao Consumidor). Nos sete anos anteriores, de 2012 a 2019, aumentara 7,8%, ritmo anual quase 25% maior. Para todos os empregados, os números são respectivamente 1,7% e 7,7%.
Além disso, o salário apenas começou a superar a inflação, a ter ganhos reais, em meados de 2023. O choque visível dos preços no poder de compra apenas passou a ficar notável, um aumento então de quase nada, faz pouco mais de um ano. Enfim, a distribuição dos ganhos deixou de ser favorável aos mais pobres.
Segundo cálculos de Abigail Wozniak e colegas, do Fed (Banco Central americano) de Minneapolis, passou o fenômeno do aumento de renda relativamente mais rápido dos 50% mais pobres, na saída da pandemia. O ritmo dos ganhos salariais para mais ricos ou mais pobres ficaram parecidos, "em contraste com períodos como o final dos anos 1990 e 2010, quando pessoas de salários mais baixos tiveram ganhos relativos", escreveram os analistas.
O choque inflacionário deve ser apenas parte da explicação do desânimo. Segundo pesquisa do Pew Center, instituto reputado de opinião pública, eleitores declarados do republicano Donald Trump e da democrata Kamala Harris têm também visões muito diferentes do que é importante para o país. Essas opiniões reforçam a impressão muito divergente dos dois grupos a respeito do estado da economia.
Para os eleitores de Trump, os cinco assuntos mais importantes são economia (93% citam o assunto), imigração (82%), crime violento (76%), política externa (70%), indicações para Suprema Corte (54%).
Para os eleitores de Kamala, os temas são saúde (76%), Suprema Corte (73%), economia (68%), aborto (67%) e mudança climática (62%). A pesquisa do Pew foi realizada entre os dias 26 de agosto e 2 de setembro deste ano. A disparidade no juízo sobre quais são os assuntos mais relevantes é similar na pesquisa Gallup.
Dadas as prioridades de democratas e republicanos, parecem dois países diferentes ou populações que vivem situações muito diferentes --não há dados precisos para ter uma pista menos incerta. Os temas relevantes estão refletidos nas ênfases dos discursos de campanha ou em programas dos dois candidatos. Na pesquisa Gallup de setembro, no total de eleitores 52% consideram que economia é um assunto muito importante, nível inferior apenas ao da eleição de 2008, vencida por Barack Obama, no meio da grande crise financeira e no início da Grande Recessão. No total da pesquisa Pew, economia é "muito importante" para 81% dos eleitores.
No mesmo instituto, além de economia, são importantes a democracia nos EUA (49%), terrorismo e segurança nacional (45%), escolha de juízes da Suprema Corte (45%) e imigração (41%). Trump é visto pela maioria como mais capaz de lidar com economia (54%), relações exteriores (52%) e imigração (52%). Kamala teria mais capacidade de lidar com mudança climática (61%), aborto (56%) e saúde (54%).
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