Contextualizando

Especialista revela: “As catástrofes ambientais não deveriam ser surpresa para ninguém”

Em 20 de Setembro de 2024 às 17:34

As ocorrências climáticas leva a uma reflexão sobre os desastres ambientais que o mundo vive hoje.

Os efeitos das mudanças climáticas não deveria nos surpreender, pois já recebemos sinais há muito tempo e, mesmo assim, pouco fazemos para evitar mais danos ao meio ambiente.

É o entendimento do geólogo Marco Moraes:

“Nas últimas semanas, houve manifestações de vários cientistas dizendo que ficaram surpresos com o aumento da temperatura global e dos eventos extremos, incluindo chuvas e inundações, ondas de calor, secas e incêndios florestais. Alguns se declararam, inclusive, apavorados. Sério mesmo?

A ocorrência dos eventos extremos que estamos presenciando no Brasil e no mundo não deveria ser surpresa para ninguém. Há décadas, evidências indicam que os processos de degradação ambiental do planeta estão acelerando.

Talvez o fato de o planeta ter registrado já quase um ano de temperatura média acima de 1,5 °C possa ser considerado surpreendente. Mas esse limiar pode não ter sido ultrapassado em definitivo, pois 2023 e 2024 foram anos com forte atuação do El Niño. Em 2025 e talvez em 2026, com o retorno do La Niña, as temperaturas podem baixar um pouco. De qualquer forma, devemos atingir uma temperatura média permanente de 1,5 °C daqui a poucos anos, e atingiremos 2 °C ainda na década de 2030.

Para este artigo, selecionei alguns dos processos mais preocupantes. São alguns de muitos. Mas já darão uma boa visão de como a situação está se deteriorando, como já vem sendo alertado há anos pelos especialistas.

Embora tempestades e chuvas intensas se tornem cada vez mais frequentes com o aquecimento da atmosfera, elas ocorrerão por períodos mais curtos. Assim como as frentes frias. Ou seja, a previsão é de que teremos eventos de chuva e frio que podem ser catastróficos, mas ocorrerão intercalados com longos períodos de estiagem, quando ondas de calor, secas e queimadas serão os eventos dominantes. Basta olharmos em volta e veremos esse padrão se manifestando.

O Brasil está secando. O país perdeu cerca de 30% de sua superfície de águas naturais desde 1985 – 6,83 milhões de hectares. O Pantanal foi o bioma que mais secou, perdendo 60% de sua superfície de água desde 1985, sendo um terço disso desde 2018. Um sinal claro de aceleração. O Cerrado já perdeu mais de 50% de sua superfície de águas naturais. Na Amazônia, a perda da superfície de água e a redução de umidade estão fazendo com que o fogo, que não conseguia se espalhar na mata virgem, agora se dissemine com facilidade, fazendo com que seja usado não apenas para limpar as regiões já desmatadas, mas também como a primeira etapa do desmate.

Isso está acontecendo em todo o mundo. Rios estão secando, lagos desaparecendo. Situação que faz prever o advento de uma crise hídrica sem precedentes, que pode afetar bilhões de pessoas em todo o mundo, causando colapso do abastecimento de água e dos sistemas alimentares.

O derretimento das geleiras de montanhas, do Ártico e da Antártida está mais acelerado que o previsto. No caso das geleiras de montanhas, que abastecem importantes rios e aquíferos em diferentes partes do mundo, o degelo é reflexo apenas do aquecimento da atmosfera. Mas, no caso das geleiras polares, há uma ação combinada do aquecimento do ar mais a penetração das águas mais quentes na base das geleiras.

No Ártico, o derretimento da calota de gelo no Oceano Ártico é menos preocupante, pois se trata de uma camada fina de gelo que flutua sobre as águas. Mas, na Groenlândia, há uma espessa camada de gelo sobre o continente, cujo derretimento causaria uma elevação de cerca de 3 a 5 metros no nível do mar. E há evidências de que esse processo já atingiu seu ponto de não retorno.

Na Antártida, há uma capa de gelo que pode atingir milhares de metros de espessura. E há ali duas geleiras que preocupam sobremaneira os cientistas: a geleira Ilha Pine e a geleira Thwaites (essa conhecida como “a geleira do fim do mundo” – por conta do impacto que seu derretimento pode ter em escala global), ambas em rápido processo de degelo.

Juntas, a perda da capa de gelo da Groenlândia e das geleiras da Antártida pode causar uma elevação de 8 a 12 metros no nível do mar. Trata-se de um processo complexo, cuja evolução é difícil de prever, pois é função da atuação integrada de vários mecanismos de distribuição do calor e de circulação oceânica. Talvez leve décadas ou mesmo séculos. Mas o fato de não podermos prever isso com exatidão não tornaria exatamente uma surpresa se um dia acordássemos com o mar batendo em nossas janelas.

Uma das razões pelas quais o aquecimento global e suas consequências estão acelerando são os chamados processos de retroalimentação (em inglês: feedback mechanisms). Saber do que se tratam é muito relevante para compreender como a degradação ambiental evolui.

Processos ou mecanismos de retroalimentação são aqueles em que o resultado de uma ação influencia a ação original. Um bom exemplo é a relação entre o gelo e a irradiação solar. O gelo, por ser branco, reflete quase toda a radiação solar que recebe, reduzindo assim seu potencial de aquecimento. Quando o gelo derrete, ficam expostas rochas ou solos mais escuros, que absorvem mais radiação e, portanto, aquecem, emitindo mais raios infravermelhos, que vão aumentar a temperatura da atmosfera, causando mais degelo.

Outro exemplo, que está mais perto de nós, é o do desmatamento e queimadas. Esses processos, em si, emitem grande quantidade de CO2 que, ao causar o aquecimento da atmosfera, tornam mais frequente e intensa a disseminação do fogo. Além disso, a destruição de árvores faz com que a floresta seja menos capaz de reter umidade, afetando o regime de chuvas, fatores que se combinam para prolongar as estiagens, tornando as florestas mais suscetíveis à degradação.

Tudo isso está muito claro. Continuamos emitindo quantidades crescentes de gases de efeito estufa que causam diretamente o aquecimento da atmosfera e acionam vários mecanismos de retroalimentação. Vimos alguns exemplos. Mas há muitos outros processos atuando na intensificação dos eventos extremos.

Devemos ficar muito preocupados, sim. Mas não surpresos e muito menos apavorados. O pânico e o desespero não nos levarão a nada. São tão perigosos quanto o negacionismo. O momento é de buscarmos conhecimento e informação de qualidade e trabalhar duro. Há muito o que fazer para nos prepararmos para as transformações que serão inevitáveis. E precisamos agir para que as coisas não fiquem ainda piores. Todos temos um papel a cumprir. Só não podemos dizer que não fomos alertados.”

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