É o entendimento do antropólogo social e escritor Roberto DaMatta:
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“Sem competição não há democracia representativa. Um sistema de governo que se impõe limites de poder e que tem como base a rotatividade dos atores que encarnam posicionamentos oferecidos à discussão pública e, em consequência, a sua consagração ou rejeição nas urnas. Todos esses requisitos demandam uma séria igualdade de todos perante as leis. Ademais, elas não funcionam sem a sinceridade cívica de aceitá-las como limites, aceitando derrota ou vitória.
Afirmar isso é tranquilo, mas o ideal de concorrer com outros e, sobretudo, com quem detém o poder e é visto como seu dono, não é algo simples em sistemas fundados por mandonismos familísticos e por um elitismo cuja base era a escravização negra africana que carregava nas costas o peso do trabalho. Trabalho que até hoje não cabe aos dirigentes, pois ainda é classificado como castigo e punição. Governantes governam, nós trabalhamos!
O salto da aristocracia, cuja sucessão é uma questão de família, para uma competição eleitoral livre é um processo possível, mas carregado de reações negativas. Tal passagem exige uma igualdade que, como eu tenho insistido na minha obra, promove má-fé e rebates hierárquicos. Daí a nossa intimidade com esses golpes que nada mais são do que um “vocês sabem com quem estão falando?”, essa advertência brutal dos ditadores. Dos anticompetitivos que consagram pessoas e rejeitam as regras impessoais na disputa político-eleitoral.
O esporte consagra a liberdade e o direito de competir, mas tal serenidade não faz parte das disputas eleitorais. Nelas, polarizações que têm o objetivo de desqualificar adversários são legião. É mais fácil polarizar e eliminar adversários do que vê-los como iguais. Em sistemas hierárquicos a igualdade é tabu. Pretender disputar o poder é visto como acinte, ousadia ou crime.
Não é banal ver o outro como um alternativo num sistema no qual todos jogam com as cartas marcadas das amizades, do compadrio e dos ideologismos das balas de prata que resolvem todos os problemas.
Sociologicamente, competir implica igualitarismo e legitimidade dos adversários. Mas se um deles é politicamente desqualificado, é legítimo suspeitar do processo porque os eleitores estariam sendo iludidos. É assim que as ditaduras se tornam “governos desagradáveis”, como disse Lula III ao defender seu companheiro Maduro.
Um outro ponto crítico nas disputas eleitorais diz respeito à confiança nas regras eleitorais. Algo difícil em países cujo sistema legal está mais preocupado com a reificação da legalidade num formalismo interesseiro do que com a submissão de todos – especialmente dos magistrados – perante a lei.
Não há como viver democraticamente num sistema cuja estrutura jurídica é fundamentalmente anti-igualitária e os juízes são aristocratas togados.”
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