Brasil

Entenda se avião turboélice, como o da Voepass, é mais perigoso do que jato

Igor Gielow / Folhapress | 14/08/24 - 16h46
A aeronave modelo ATR-72, modelo turboélice | Wesley Santos / Folhapress

A tragédia com o ATR 72-500 da Voepass inundou as redes sociais com questionamentos acerca da segurança de voo de modelos turboélice como o envolvido no acidente. Afinal, eles são menos seguros do que os jatos empregados na aviação comercial?

No papel, as estatísticas mundiais de risco de morrer em um acidente com turboélice em uma linha área regular foi em média maior na última década. Mas isso não implica relação direta com o tipo de aparelho, e sim com qualidade de manutenção, condições de mercado de trabalho e de operação no país.

Turboélices são semelhantes aos jatos. Ambos os motores usam turbinas que giram a partir da compressão do ar aspirado do ambiente, que é misturado a combustível para gerar uma reação. No caso dos turboélices há uma hélice acoplada ao sistema, que gera o empuxo. No motor a jato, a potência é maior, e o gás que deixa o motor é o responsável por empurrar o avião.

Os turboélices são mais vantajosos, na relação de custo por passageiro transportado, em rotas mais curtas. Como voam mais devagar e em altitudes mais baixas, no ATR um máximo de 511 km/h e de 7,6 km, respectivamente, gastam menos ao subir e descer.

Além disso, o consumo de combustível, que segundo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) responde por 36% do custo de operação de um avião comercial no Brasil, pode ser até a metade daquele de um jato, a depender de vários parâmetros.

O uso do jato fica mais vantajoso à medida que a rota a ser percorrida é mais densa em termos de passageiros transportados e/ou mais longa em distância. Isso se explica porque o jato pode usualmente carregar mais pessoas e carga, dada sua potência maior.

Além disso, como voa a altitudes maiores, em geral de 9,14 km a 12,8 km, o ar é mais rarefeito e oferece menos resistência ao avião, que é mais rápido (acima de 800 km/h) gastando menos combustível do que quando está mais baixo, compensando o maior consumo e tempo despendidos no pouso e na decolagem.

Isso levou, no mercado brasileiro marcado por voos entre capitais distantes, ao predomínio das famílias de bimotores a jato como os Boeing-737 e o Airbus-A320, que somavam em dezembro quase 90% da frota de 423 aeronaves nas rotas domésticas.

Restaram aos turboélices rotas regionais de curta distância. Há outros fatores aviões do tipo precisam de menos pista para decolar e pousar, não precisam de escada em solo por tê-la acoplada à porta, e podem operar em aeródromos mais rústicos, já que os motores são menos suscetíveis à sujeira ambiente.

Por outro lado, voar mais baixo pode ser mais desconfortável, dado que há mais nuvens e turbulência associada do que em em altas altitudes.

Já quando o assunto é tecnologia, é possível dizer que os turboélices são mais simples de operar, mas não na modernidade embarcada. Os franco-italianos ATR, para ficar no caso atual, têm sistemas de navegação e alertas semelhantes aos de Boeing, Airbus ou Embraer.

Mas nada disso diz respeito a segurança do avião em si, que é multifatorial: depende de uma aeronave em bom estado, com manutenção eficiente, apoio em sol, tripulação descansada e bem treinada, controle de tráfego aéreo idem.

No caso da Voepass, o foco investigativo está na formação de gelo nas asas, o que pode dizer respeito tanto a questões técnicas, como sistemas anticongelantes defeituosos, como a erros de procedimento ou mesmo desatenção da tripulação devido a cansaço. Só a apuração poderá tentar explicar o que ocorreu.

Por isso a praxe de dizer que raramente uma coisa só derruba um avião. Segundo o anuário da IATA (Associação Internacional de Transporte Aéreo, na sigla inglesa), os 42 acidentes com aviões comerciais no mundo em 2023 tiveram como fatores contribuintes desorientação situacional (33%), erros de operação (23%), contato errado no pouso (27%), defeito técnico (23%) e o tempo (20%), entre outros.

A mesma IATA traz a estatística ruim para os turboélices na série histórica, embora haja uma melhora de 61% na década nos índices de fatalidade, que medem o risco de morte por milhão de voos.

Em 2014, houve 76 acidentes com aviões comerciais no mundo, 40 deles com jatos e 36, com turboélices. Ali, o índice de fatalidade era dez vezes maior entre o segundo grupo de aeronaves: 1,09. No ano passado, houve 42 ocorrências, 33 com jatos. Um único acidente teve mortos, com um ATR 72 no Nepal, levando o índice do segmento a 0,28%, bem menor que os 1,09% de dez anos antes.

A IATA não havia registrado nenhuma morte em voo comercial no primeiro semestre de 2024, mas sua atualização de fim de ano agora já terá o caso da Voepass e os 18 mortos em um acidente em julho também no Nepal, no episódio com um avião regional a jato CRJ-200.

Aqui entram as considerações já citadas. Turboélices são mais baratos de comprar e operar, logo correm o risco de serem usados por empresas menos capazes de uma manutenção eficaz, particularmente em países em que a regulação do setor é deficiente.

No Brasil, o problema maior diz respeito não à aviação comercial, mas sim à executiva e à chamada não-regular. De 2014 para cá, houve 14 acidentes com aviões de linhas regulares, 9 deles com jatos, e apenas o da Voepass com mortos, em um universo de 1.667 ocorrências, 389 delas fatais, segundo dados da Força Aérea.

Só em táxis aéreos, foram 77 mortes como a da cantora Marília Mendonça em 2021, a maioria (51) em aviões a pistão, essa sim uma tecnologia mais antiga do que a dos turboélices, mas perfeitamente segura se forem obedecidas as premissas de manutenção e condições de operação.

Voar segue sendo muito seguro. Segundo estudo feito no MIT (Massachusetts Institute of Technology, EUA) e publicado em neste mês, de 2018 a 2022, a chance de um passageiro de qualquer tipo de avião morrer em acidente no mundo foi de 1 em 1,37 milhões. No Brasil, o índice é ainda melhor: 1 a cada 80 milhões.

Estatisticamente, o que não serve de consolo para quem está dentro de um avião acidentado, é mais fácil ser atingido por um raio: 1 chance em 1 milhão, segundo o Instituto Nac