A tragédia com o ATR 72-500 da Voepass inundou as redes sociais com questionamentos acerca da segurança de voo de modelos turboélice como o envolvido no acidente. Afinal, eles são menos seguros do que os jatos empregados na aviação comercial?
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No papel, as estatísticas mundiais de risco de morrer em um acidente com turboélice em uma linha área regular foi em média maior na última década. Mas isso não implica relação direta com o tipo de aparelho, e sim com qualidade de manutenção, condições de mercado de trabalho e de operação no país.
Turboélices são semelhantes aos jatos. Ambos os motores usam turbinas que giram a partir da compressão do ar aspirado do ambiente, que é misturado a combustível para gerar uma reação. No caso dos turboélices há uma hélice acoplada ao sistema, que gera o empuxo. No motor a jato, a potência é maior, e o gás que deixa o motor é o responsável por empurrar o avião.
Os turboélices são mais vantajosos, na relação de custo por passageiro transportado, em rotas mais curtas. Como voam mais devagar e em altitudes mais baixas, no ATR um máximo de 511 km/h e de 7,6 km, respectivamente, gastam menos ao subir e descer.
Além disso, o consumo de combustível, que segundo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) responde por 36% do custo de operação de um avião comercial no Brasil, pode ser até a metade daquele de um jato, a depender de vários parâmetros.
O uso do jato fica mais vantajoso à medida que a rota a ser percorrida é mais densa em termos de passageiros transportados e/ou mais longa em distância. Isso se explica porque o jato pode usualmente carregar mais pessoas e carga, dada sua potência maior.
Além disso, como voa a altitudes maiores, em geral de 9,14 km a 12,8 km, o ar é mais rarefeito e oferece menos resistência ao avião, que é mais rápido (acima de 800 km/h) gastando menos combustível do que quando está mais baixo, compensando o maior consumo e tempo despendidos no pouso e na decolagem.
Isso levou, no mercado brasileiro marcado por voos entre capitais distantes, ao predomínio das famílias de bimotores a jato como os Boeing-737 e o Airbus-A320, que somavam em dezembro quase 90% da frota de 423 aeronaves nas rotas domésticas.
Restaram aos turboélices rotas regionais de curta distância. Há outros fatores aviões do tipo precisam de menos pista para decolar e pousar, não precisam de escada em solo por tê-la acoplada à porta, e podem operar em aeródromos mais rústicos, já que os motores são menos suscetíveis à sujeira ambiente.
Por outro lado, voar mais baixo pode ser mais desconfortável, dado que há mais nuvens e turbulência associada do que em em altas altitudes.
Já quando o assunto é tecnologia, é possível dizer que os turboélices são mais simples de operar, mas não na modernidade embarcada. Os franco-italianos ATR, para ficar no caso atual, têm sistemas de navegação e alertas semelhantes aos de Boeing, Airbus ou Embraer.
Mas nada disso diz respeito a segurança do avião em si, que é multifatorial: depende de uma aeronave em bom estado, com manutenção eficiente, apoio em sol, tripulação descansada e bem treinada, controle de tráfego aéreo idem.
No caso da Voepass, o foco investigativo está na formação de gelo nas asas, o que pode dizer respeito tanto a questões técnicas, como sistemas anticongelantes defeituosos, como a erros de procedimento ou mesmo desatenção da tripulação devido a cansaço. Só a apuração poderá tentar explicar o que ocorreu.
Por isso a praxe de dizer que raramente uma coisa só derruba um avião. Segundo o anuário da IATA (Associação Internacional de Transporte Aéreo, na sigla inglesa), os 42 acidentes com aviões comerciais no mundo em 2023 tiveram como fatores contribuintes desorientação situacional (33%), erros de operação (23%), contato errado no pouso (27%), defeito técnico (23%) e o tempo (20%), entre outros.
A mesma IATA traz a estatística ruim para os turboélices na série histórica, embora haja uma melhora de 61% na década nos índices de fatalidade, que medem o risco de morte por milhão de voos.
Em 2014, houve 76 acidentes com aviões comerciais no mundo, 40 deles com jatos e 36, com turboélices. Ali, o índice de fatalidade era dez vezes maior entre o segundo grupo de aeronaves: 1,09. No ano passado, houve 42 ocorrências, 33 com jatos. Um único acidente teve mortos, com um ATR 72 no Nepal, levando o índice do segmento a 0,28%, bem menor que os 1,09% de dez anos antes.
A IATA não havia registrado nenhuma morte em voo comercial no primeiro semestre de 2024, mas sua atualização de fim de ano agora já terá o caso da Voepass e os 18 mortos em um acidente em julho também no Nepal, no episódio com um avião regional a jato CRJ-200.
Aqui entram as considerações já citadas. Turboélices são mais baratos de comprar e operar, logo correm o risco de serem usados por empresas menos capazes de uma manutenção eficaz, particularmente em países em que a regulação do setor é deficiente.
No Brasil, o problema maior diz respeito não à aviação comercial, mas sim à executiva e à chamada não-regular. De 2014 para cá, houve 14 acidentes com aviões de linhas regulares, 9 deles com jatos, e apenas o da Voepass com mortos, em um universo de 1.667 ocorrências, 389 delas fatais, segundo dados da Força Aérea.
Só em táxis aéreos, foram 77 mortes como a da cantora Marília Mendonça em 2021, a maioria (51) em aviões a pistão, essa sim uma tecnologia mais antiga do que a dos turboélices, mas perfeitamente segura se forem obedecidas as premissas de manutenção e condições de operação.
Voar segue sendo muito seguro. Segundo estudo feito no MIT (Massachusetts Institute of Technology, EUA) e publicado em neste mês, de 2018 a 2022, a chance de um passageiro de qualquer tipo de avião morrer em acidente no mundo foi de 1 em 1,37 milhões. No Brasil, o índice é ainda melhor: 1 a cada 80 milhões.
Estatisticamente, o que não serve de consolo para quem está dentro de um avião acidentado, é mais fácil ser atingido por um raio: 1 chance em 1 milhão, segundo o Instituto Nac
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