Economia

Entenda a matemática que faz maioria dos apostadores perder e bets lucrarem

Pedro S. Teixeira / Folhapress | 29/10/24 - 13h55
Imagem ilustrativa | Thenews2 / Folhapress

Embora os sites de apostas anunciem que cerca de 93% do valor apostado volte, em média, ao conjunto de jogadores, os apostadores compulsivos tendem a perder tudo.

Essa porcentagem do que volta aos apostadores é chamada, no jargão, de retorno ao jogador (RTP em inglês). Embora 93% pareça um número alto, não é uma boa notícia, porque significa, na verdade, pagar uma taxa implícita de 7%, caso se adotem os números divulgados pela entidade patronal IBJR (Instituto Brasileiro de Jogo Responsável). Na análise do Banco Central, o RTP é de 85%, o que eleva essa fatia das empresas para 15%.

Assim, se os apostadores continuarem jogando aquilo que receberem como prêmio, a tendência é que a banca abocanhe uma parcela do bolo a cada rodada. Como se trata de uma projeção estatística, pode haver mudanças, mas o modelo de negócio das bets prospera porque elas costumam acertar as contas, dizem estatísticos consultados pela reportagem.

LEI DOS GRANDES NÚMEROS FAVORECE AS BETS - A estatística também está a favor da banca. O jogador individual não tem dinheiro para jogar infinitamente. "Quando ele perde tudo, acabou", resume Marcelo Viana, diretor-geral do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) e colunista da Folha de S.Paulo.

"Já as bets podem esperar a contagem de apostas subir", diz. Quanto mais jogos houver, mais os resultados vão se aproximar da média estimada, de 93%. Esse é um princípio fundamental da estatística, a lei dos grandes números.

Um exemplo dessa propriedade é a chance de ocorrer cara e coroa em uma moeda honesta. Em dez lançamentos, as proporções não devem estar balanceadas —provavelmente vão sair mais caras do que coroas ou vice-versa. Mas, se a pessoa jogar mil vezes, verá que a proporção de caras vai se aproximar da proporção de coroas, chegando a uma situação de 50% a 50%, como indica a média.

O IBJR ressalva que apostar é "uma atividade de entretenimento, em que o objetivo é se divertir, com a possibilidade de realizar ganhos mediante o pagamento de um tíquete". Caberia ao jogador ter moderação.

A possibilidade de ganhos, apesar de minoritária, também é garantida pela matemática. "Apostar é um evento aleatório, não dá para saber o que vai acontecer", diz Viana.

LUCRO DAS BETS VEM DO CÁLCULO DAS COTAÇÕES - Mas uma bet não calcula os prêmios com base nas probabilidades dos eventos reais. Essas empresas ajustam os fatores para garantir receita.

"Em uma aposta online, o cálculo não é o de um evento aleatório, como no cara ou coroa", diz o professor de estatística da UFCG (Universidade Federal de Campina Grande) Alexsandro Bezerra Cavalcanti. No arremesso de moedas, as chances são 50% ou 50%.

Na aposta com um intermediário, a casa de apostas obtém sua receita ao calcular os ganhos dos apostadores com base em uma probabilidade "exagerada" de cada evento ocorrer.

Funciona assim: suponha que, no caso de um jogo entre o time A contra o time B, as probabilidades estimadas sejam de 20% de vitória do time A, 30% de empate e 50% de vitória do time B. Nesse caso, quem apostar no time A poderia esperar receber 5 vezes o que apostou (ou seja, 1/20%), quem marcou empate poderia esperar 3,3 vezes o que apostou (1/30%) e quem apostou no time B esperaria 2 vezes o que jogou (1/50%).

As bets, porém, oferecem multiplicadores menores a seus apostadores, o que resulta em sua margem de receita.

Por exemplo, a Novibet, no jogo entre Cruzeiro e Fluminense do dia 3 de outubro, pagou um multiplicador 2,40 para vitória do Fluminense, o que significa que ela estimava em 44,7% a probabilidade de o tricolor vencer. Para o empate, o multiplicador era 2,95, ou seja, uma probabilidade de 33,9%, enquanto para a vitória do time mineiro o multiplicador era 3,3, uma probabilidade de 30,3% de vitória cruzeirense.

A soma das probabilidades, então, fica em 108,9%, e a margem foi de 8,9%.

O diretor técnico do IBJR, Angelo Alberoni, diz que as cotações são fornecidas por empresas especializadas, como a BetRadar e a Genius Sports. "Além de dados estatísticos, também são considerados fatores externos, como se um time irá jogar com o time reserva ou se teremos chuva durante a partida."

Cavalcanti, da UFCG, diz que o único jeito de o apostador ganhar consistentemente é montar um modelo estatístico superior ao das casas de apostas. "O jogador precisa entender suas chances de ganhar e perder melhor do que a banca, e sua única vantagem é precisar coletar informações sobre menos jogos ao mesmo tempo."

Ele, que já orientou pesquisas sobre o tema, reconhece, porém, que é um desafio para pouquíssimos jogadores. "É por isso que as bets lucram." Cavalcanti diz ainda que é comum as casas de apostas bloquearem apostadores que ganham seguidamente, sob alegação de comportamento suspeito.

Os desenvolvedores de bets e jogos online, em geral, têm programas para atrair talentos da matemática a seu quadro de funcionários.

DESVANTAGEM É MAIOR EM CAÇA-NÍQUEIS ONLINE - Em relação aos caça-níqueis online, como o jogo do tigrinho, o usuário já sai na desvantagem, diz o professor da UFCG. Como não há um evento externo, o usuário não tem como estimar as suas chances. "A pessoa coloca tudo na mão de Deus", diz.

Porém, a sorte, por causa do RTP, está a favor da banca desde o princípio. "Não chega a ser enviesado porque os sites são transparentes, mas é a regra do jogo", diz Viana, do Impa.

No caso da versão certificada e sem golpes do Fortune Tiger, mais conhecido como jogo do tigrinho, o RTP, segundo a desenvolvedora PG Soft, é de 96,81% —ou seja, a taxa fica em torno de 3,89%.

O prêmio máximo, chamado de "jackpot", é de 2.500 vezes, porém chance de consegui-lo é de uma entre milhões de jogos. Como os caça-níqueis têm várias combinações pagantes, a lógica da simples inversão observada nas apostas esportivas não funciona nesses jogos.

A fabricante do jogo do tigrinho ainda não divulga a tabela de premiações —esse dado terá de ser público para que o jogo esteja adequado à regulação do Ministério da Fazenda a partir de 2025.

A lógica, todavia, é a mesma das apostas esportivas: quando se aumenta o prêmio, eleva-se o risco.

VIESES COGNITIVOS PREJUDICAM APOSTADORES - Um estudo da Universidade de Alberta, no Canadá, realizado com uma amostra de 630 estudantes, dividida entre um grupo de teste e um de controle, mostrou que as pessoas tendem a escolher os jogos mais arriscados.

"Isso acontece por causa do viés cognitivo de magnitude", afirma a autora da pesquisa e professora de psicologia Marcia Spetch. Segundo esse conceito, as pessoas tendem a subestimar a importância dos pequenos gastos acumulados e supervalorizar ganhos expressivos.

"As pessoas lembram mais de quando ganham", resume Viana. "O mercado de apostas envolve mais psicologia do que matemática."