Entenda a delação de Sérgio Cabral e o pedido de investigação sobre Toffoli

Publicado em 17/05/2021, às 15h02
Pedro Ladeira / Folhapress
Pedro Ladeira / Folhapress

Por Camila Mattoso e Fábio Serapião / FolhaPress

Um pedido da Polícia Federal para investigar a suspeita de venda de decisão pelo ministro Dias Toffoli se transformou em motivo de tensão no Supremo Tribunal Federal, na Polícia Federal e na Procuradoria-Geral da República.

A solicitação de abertura tem como base o acordo de colaboração de Sérgio Cabral e foi revelada pelo jornal Folha de S.Paulo na terça-feira (11).

A delação gera discórdia entre Ministério Público e a PF desde que o ministro Edson Fachin, em fevereiro de 2020, homologou o acordo mesmo com a manifestação contrária do procurador-geral, Augusto Aras, e autorizou a abertura de vários inquéritos.

Doze deles, mesmo após a ordem de instauração de Fachin, foram arquivados pelo então presidente do STF, o ministro Dias Toffoli, sem nenhuma apuração ter sido realizada.

A PF, após o arquivamento das primeiras investigações, continuou a receber material de Cabral, amparada em uma cláusula do acordo que previa uma prazo para o ex-governador entregar mais casos de supostos crimes que teve participação.

Um dos novos trechos entregues a Fachin é o de Dias Toffoli. Na sexta (14), o relator indeferiu os pedidos da PF para abrir as novas investigações, justificando que a PGR se manifestou de maneira contrária.

O futuro da delação de Cabral depende do julgamento virtual do plenário do STF, previsto para começar no próximo dia 21, quando os ministros decidirão sobre a validade da colaboração.

Qual a situação jurídica de Cabral hoje?

Sérgio Cabral está detido por acusação de desvios em sua gestão no governo fluminense (2007-2014) desde em novembro de 2016.
Investigações da Lava Jato do Rio resultaram em dezenas de denúncias e 18 condenações impostas pelo juiz Marcelo Bretas, a última no mês de março, que somam 342 anos, 9 meses e 16 dias de prisão a serem cumpridos.

Por que ele fechou acordo com a PF e não com o Ministério Público?

O ex-governador negou qualquer tipo de participação nos crimes investigados pela Lava Jato no Rio de Janeiro até o final de 2018. Após as eleições presidenciais daquele ano, percebeu não ter mais nenhum aliado nas esferas de poder municipal, estadual e federal e decidiu tentar uma colaboração com a Justiça.

Em um primeiro momento procurou a força-tarefa da Lava Jato e a Procuradoria-Geral da República, mas não obteve uma resposta positiva.

Na mesma época, a defesa do governador procurou a Polícia Federal, em Brasília, para tentar um acordo apenas com os casos que envolvem pessoas com foro privilegiado.

A PF aceitou o acordo por entender que há nos relatos de Cabral e nos elementos entregues por ele possíveis caminhos de investigação para apurar se os relatos são ou não verdadeiros.

Por que o Ministério Público é contra o acordo?

A Procuradoria-Geral afirma que Sérgio Cabral não entregou elementos de corroboração na sua proposta de acordo e que a maioria dos relatos era apenas atrelado ao que ele teria ouvido dizer de outras pessoas. Os procuradores também alegam que o ex-governador ainda mantém dinheiro escondido.

Quais benefícios Cabral conseguiu com o acordo com a PF?

O ex-governador ainda não recebeu benefícios. A Polícia Federal utiliza um modelo de acordo em que é o juiz que define o benefício, que é dado apenas ao fim de cada processo. No acordo com a PF, há a indicação de que caso suas revelações contribuam para as investigações, o delegado fará constar no relatório final que Cabral merece os benefícios previstos na lei.

O artigo 4º da lei que regula as delações diz que o "juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos".

Quem são as pessoas citadas no acordo?

Os inquéritos baseados na primeira parte do acordo de Cabral e que foram arquivados miravam ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça), do TCU (Tribunal de Contas da União) e políticos. Há ainda, em sigilo, os casos enviados junto com o pedido de investigação de Dias Toffoli, 20 casos no total que envolvem outras pessoas.

Cotado para ocupar a vaga de Marco Aurélio Mello no STF, Humberto Martins, era um dos alvos dos inquéritos abertos por Fachin e arquivados por Toffoli em setembro de 2020.

Cabral disse à PF que o ministro do STJ, por meio do escritório de seu filho, o advogado Eduardo Martins, recebeu valores para conseguir decisões favoráveis ao ex-presidente da Fecomércio do Rio de Janeiro Orlando Diniz.

O ex-governador também apontou pagamentos ilícitos para os ministros do TCU. Também foram citados políticos, um desembargador do Tribunal de Justiça e integrantes do Ministério Público do Rio.

Como foi o processo de arquivamento dos primeiros inquéritos?

Após homologar o acordo, em fevereiro de 2020, Edson Fachin autorizou a abertura de diversos inquéritos, até com a concordância da PGR.

Doze deles, com pessoas com foro no STF, foram encaminhados ao gabinete de Dias Toffoli apenas para que fizesse a função que lhe competia como então presidente da corte, de distribuição dos autos entre os 11 integrantes da Corte.

A praxe seria dar prosseguimento à distribuição, mas Toffoli acionou, de maneira atípica, a PGR, alegando que o órgão detinha panorama mais abrangente das investigações em andamento e que poderia opinar sobre quais ministros deveriam relatar os casos.

Augusto Aras, que é contra o acordo de Cabral desde o início, mas que chegou a concordar com as apurações, respondeu ao ministro sugerindo o arquivamento das investigações. Toffoli concordou e arquivou parte em julho, durante o recesso do Judiciário, e o restante em setembro, pouco antes de deixar a Presidência.

O ato de Toffoli foi compreendido por investigadores, na época, como uma manobra, como mostrou o Painel. A defesa de Cabral entrou com recurso, que está com Rosa Weber.

Houve alguma investigação sobre esses inquéritos?

Não. Toffoli arquivou sem ter permitido nenhuma investigação, sobre nenhum dos pontos apresentados pelo delator.

A PF já fez outras delações premiada nesse modelo? Qual foi o destino?

Sim. O ex-ministro Antonio Palocci fechou delação com a Polícia Federal. A colaboração foi homologada e inquéritos foram abertos. Em um deles, por enquanto, sobre as acusações feitas pelo polítco sobre um caixa milionário de propinas para Lula administrado pelo banqueiro André Esteves, do BTG, a própria PF concluiu, depois de investigar, que não havia provas e sugeriu arquivamento.

Por que o caso de Dias Toffoli não estava nos primeiros inquéritos?

O acordo homologado em fevereiro pelo ministro Edson Fachin tem uma cláusula que estipula um prazo de 120 dias para o delator entregar novos casos que tinha conhecimento.

Esse prazo chegou a ser prorrogado por causa da pandemia e nesse período Cabral entregou o material sobre Dias Toffoli e outros 19 casos de corrupção envolvendo agentes públicos.

O que Cabral diz sobre o ministro?

Sérgio Cabral afirma que Dias Toffoli recebeu R$ 4 milhões para beneficiar dois prefeitos de cidades do Rio de Janeiro em processos no Tribunal Superior Eleitoral. Os repasses teriam ocorrido entre os anos de 2014 e 2015 e envolveriam o escritório de advocacia da mulher do ministro, a advogada Roberta Rangel.

As supostas compras de decisão, diz o delator, teriam sido operacionalizadas pelo ex-secretário de Obras do Rio Hudson Braga e envolviam um intermediário chamado José Luiz Solheiro. Braga nega ter atuado nos pagamentos e diz que o ex-governador "tenta se safar".

Qual o destino do pedido de investigação contra Dias Toffoli?

No dia 14, Edson Fachin indeferiu os pedidos de novas investigações, justificando que a PGR, titular da ação penal, se manifestou de maneira contrária.

E a delação de Cabral, ainda está válida?

Fachin mandou para o plenário do Supremo um recurso da PGR contra a validade da delação do ex-governador e com pedido de reavaliação sobre o poder da PF de fazer delação -o que o STF já decidiu ser legal no passado.

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