Texto de Nuno Vasconcellos, no portal “IG”:
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“Quem acompanha a política brasileira já deve ter formado sua opinião sobre a voracidade com que o Supremo Tribunal Federal tem avançado sobre temas que, à primeira vista, não parecem ser de sua competência. E talvez considere que, como se fossem movidos apenas pelo apetite desmedido, os ministros vêm assumindo papéis que, por definição, cabem aos outros dois poderes da República.
Nessa batida, eles estariam ultrapassando o limite que lhes cabe, de interpretar e aplicar a Constituição Federal — e proferindo sentenças que determinam o que a sociedade pode e o que não pode fazer. Numa democracia, por definição, esse papel cabe ao poder Legislativo. Mas, no Brasil, as sentenças da Suprema Corte têm sido tão extensas e detalhadas que muitas parecem ter aparência de lei. Além disso, os ministros estariam — como acontece, por exemplo, em relação ao uso da maconha — interferindo em políticas públicas que são ou deveriam ser de competência do Executivo. Por esse motivo, defendem os mais exaltados, é indispensável que a sociedade tomasse uma atitude e desse um jeito de cortar as asas dos ministros.
Será que essa é a leitura correta? Será que essa é a saída para esse problema? Será que esse suposto avanço da Justiça sobre as prerrogativas dos outros poderes teria que ser respondido, necessariamente, com a criação de linhas mais nítidas e capazes de conter o ímpeto desse Judiciário cada vez mais onipresente e ativista? Ou será que o problema não é de outra natureza?
Será que alguém considera a hipótese do espaço extra que os ministros têm assumido na cena política brasileira não ter sido aberto para eles pela omissão dos outros poderes? Será que o Executivo e o Legislativo, ou as instituições a eles ligadas, não estariam fazendo corpo mole e, de forma oportunista, empurrando para o STF decisões que poderiam lhes causar desgastes ou, o que é pior, que eles não têm competência política para tomar?
É preciso ampliar a forma de encarar esse fato — até porque, o assunto é sério demais para continuar sendo visto apenas por seus efeitos e não por suas causas. Prosseguindo com as perguntas, aqui vão as duas últimas: será que a Carta Magna brasileira, da qual os ministros são os guardiões, se mantém coerente com a intenção daquelas que a assinaram em 1988? Ou será que o excesso de poder que os ministros são acusados de concentrar em suas mãos não decorre justamente dos puxadinhos oportunistas que os parlamentares foram introduzindo ao longo dos 35 anos de vigência do texto?
São apenas dúvidas — mas o Brasil não perderia nada se os parlamentares e os integrantes do poder Executivo também parassem para refletir sobre a maneira com que vêm exercendo suas funções. Ou melhor, o país ganharia caso a sociedade se pusesse a reparar nas atitudes de todos os poderes e passasse a exigir que cada um se mantivesse no seu quadrado. Isso mesmo! Numa democracia, o Legislativo faz as Leis, o Executivo as põe em prática e o Judiciário se certifica de que estão sendo aplicadas da forma correta. No Brasil, porém, um poder está sempre se achando no direito de fazer o que é da competência do outro e o resultado dessa postura é a confusão que está aí.
Por aqui os integrantes do Poder Legislativo querem cuidar da execução orçamentária e, portanto, governar. É o que prova essa aberração chamada ‘emenda parlamentar’, que tira do governo e transfere para o Legislativo o poder de decidir onde, quando e como o dinheiro do povo será gasto. O poder Executivo, por sua vez, tem se achado no direito de julgar e condenar os que não se guiam por sua cartilha — papel que deveria caber exclusivamente ao Judiciário. No meio dessa confusão, acaba recaindo sobre o Judiciário o papel de suprir as ausências dos outros dois.
Essa indefinição sobre o papel que cabe a cada poder tem gerado uma série de situações difíceis de entender à luz dos fundamentos da democracia…
… Quem, portanto, se incomoda com o excesso de atividade do STF e com a facilidade com que os ministros se metem em assuntos que parecem não ser de sua competência — ao mesmo tempo em que se calam sobre temas sobre os quais deveriam se pronunciar — deve parar para pensar. Será que a culpa é mesmo dos ministros ou de quem faz as leis? Se a conclusão for a de que os responsáveis são os legisladores, a solução óbvia aponta para a necessidade da sociedade escolher melhor seus representantes.
Isso mesmo! No início e no fim de tudo, a responsabilidade sobre as decisões das autoridades acaba sendo do cidadão. É ele que, bem ou mal, é o maior beneficiário de uma política pública bem executada. Mas é, também, a maior vítima do jeitinho dos políticos que pensam mais nos próprios interesses do que nos de quem os elegeu. É bom pensar nisso.”
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