LEIA TAMBÉM
Os Estados Unidos estão descendo a ladeira e não têm um amigo para avisar, assim como Elvis Presley não encontrou uma boa alma que o ajudasse a evitar o vexame perto do fim da carreira.
O paralelo entre a ascensão e decadência do país e a do rei do rock move o documentário "The King", de Eugene Jarecki, que estreou nos cinemas americanos em 22 de junho.
O longa fez sua première com uma sessão especial no 70º Festival de Cannes, em 2017, ainda com o título de "Promised Land" –no Brasil, não há previsão de estreia.
Nele, os produtores seguem a trilha do primeiro astro a se tornar arma de propaganda em massa americana. Não em um meio comum, mas a bordo do Rolls-Royce 1963 de Elvis.
"The King" foi bem recebido pela imprensa americana, principalmente por associar a falência de valores fundamentais do país, como liberdade e retidão, ao presidente Donald Trump, com quem os principais veículos de comunicação trocam farpas públicas.
O desempenho financeiro foi mais modesto. Exibido em duas salas de cinema em Nova York, fez cerca de US$ 70 mil (R$ 269,5 mil) até 8 de julho.
O orçamento não foi revelado, mas somente o automóvel de Elvis vale mais de cinco vezes a arrecadação até agora.
Segundo a revista Variety, os produtores adquiriram o carro em um leilão pensando em vendê-lo depois, a fim de compensar seu custo, imprevisto de início.
No site da casa de leilões Bonhams, o automóvel aparece como vendido a US$ 396 mil (R$ 1,52 milhão) em 2014.
O precioso carro recebe passageiros a cada lugar. São cantores locais, fãs do rei e atores como Ethan Hawke e Ashton Kutcher. Entre outros entrevistados, está o primeiro guitarrista de Elvis, Scotty Moore.
O longa percorre os cenários da trajetória de Elvis segundo a cronologia de sua vida.
A primeira parada é, assim, sua cidade natal, Tupelo, no Mississippi, um dos estados com maiores índices de pobreza do país –em 2016, 20% dos habitantes eram pobres, de acordo com o censo.
A situação não era muito diferente em 1935, quando o cantor nasceu. Lá, o ideal do self-made man sempre esteve mais para lenda. Para a família de Elvis, os dias foram complicados e marcados por mudanças de casas.
Aos 13, foi morar com os pais em Memphis, Tennessee. Lá, entrou em contato com a música negra que ganhava força no pós-Guerra, em meio à tensão racial que crescia nos EUA.
O sistema educacional americano falido é o tema que se desenvolve em Memphis.
É também nessa parte que Elvis surge, na visão de ativistas negros, como exemplo gritante de apropriação cultural, debate que então não existia. Era o rosto branco que a indústria fonográfica queria para lucrar com a música negra.
Ainda no Tennessee, mas já em Nashville, é apresentado à ganância, na figura do empresário Tom Parker, que fixou em contrato o direito a metade do que o astro ganhava.
A essa altura da história, a indústria do entretenimento crescia, e o país deixava de ser essencialmente agrícola.
O Rolls-Royce se desloca, então, para Nova York, e a discussão, para como o país foi erguido à base do genocídio indígena e da mão de obra escrava.
É o começo do fim da democracia americana –e é nesse contexto que surge Trump.
No início do documentário, ainda restam dúvidas sobre a capacidade de derrotar Hillary Clinton em 2016. Do meio para o final do longa, com o resultado das eleições vem a melancolia –a mesma dos olhos de Elvis.
Para reforçar a imagem de bom-moço, o rei do rock entra para o Exército, onde teria sido apresentado a comprimidos que se tornariam um vício pelo resto da vida.
A parte final se concentra na decadência –dele e dos EUA. Após anos moldando-se às regras de Hollywood, Elvis vira uma figura ultrapassada.
Nesse meio-tempo, casa-se com Priscilla Presley, com quem teve a única filha, Lisa-Marie. Acostumado à histeria dos fãs, Elvis teve que se adaptar ao novo cenário que se desenhou com a ascensão dos Beatles, nos anos 1960.
Divorciado de Priscilla desde 1973, torna-se cada vez mais autodestrutivo–até ser encontrado morto, em 1977, no banheiro de Graceland, sua mansão em Memphis. Tinha tido um ataque cardíaco.
Os fatos se alinham no discurso de Jarecki para mostrar que os EUA também estão nas últimas: o caso O. J. Simpson, o escândalo Bill Clinton e Monica Lewinsky, os ataques do 11 de Setembro, a guerra no Iraque, a devastação do furacão Katrina, a crise financeira de 2008. Occupy Wall Street. Black Lives Matter.
Para o documentário, o rei e os EUA estão mortos.
[..]
A bordo do Rolls-Royce 1963 que pertenceu a Elvis, os documentaristas recebem passageiros a cada parada; são cantores locais, fãs do rei e atores como Ethan Hawke e Ashton Kutcher
+Lidas