Minutos após ter sido protagonista da eliminação corintiana na Libertadores em 2011, o atacante colombiano Wilder Medina conversava com jornalistas brasileiros no hotel em Ibagué. Ficou com os olhos arregalados ao ouvir os salários pagos no futebol brasileiro.
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"Escuta isso, amor. Escuta isso", disse para a mulher, que estava ao lado. Pediu, em seguida, ajuda aos repórteres para conseguir um time no Brasil.
Onze anos depois, o narrador argentino Miguel Simon, um dos mais importantes do país, anuncia na ESPN a transmissão de jogos do Campeonato Brasileiro pelo grupo midiático e completa: "É a Premier League sul-americana."
O processo de superioridade econômica do futebol brasileiro na América do Sul não é novo, mas tem se acentuado. Os valores dos direitos de TV são superiores, os salários pagos são maiores e atraem jogadores de outros países do continente que não vão para a Europa.
Neste sábado (26), o Palmeiras anunciou a renovação do técnico Abel Ferreira até o final de 2024. Ele vai receber cerca de R$ 35 milhões por ano. Salário impensável nas demais ligas da América do Sul.
"O Brasil tem uma liderança e deveria ter a missão de encabeçar o desenvolvimento do futebol na América do Sul, senão vão seguir jogando finais entre eles", diagnosticou o uruguaio Diego Lugano, campeão mundial de 2005 pelo São Paulo, antes da final da Libertadores de 2021, entre Palmeiras e Flamengo.
A decisão foi o segundo jogo do título continental consecutivo protagonizado por times do país. A decisão anterior havia sido disputada entre Santos e Palmeiras. Em 2019, o Flamengo derrotou o River Plate (ARG).
Na Copa Sul-Americana, em 2021, a final foi entre os brasileiros Athetico e Red Bull Bragantino.
É uma vantagem sentida especialmente na Argentina. O Uruguai não tem uma equipe campeã da Libertadores desde 1988.
"A diferença entre as receitas dos clubes brasileiros e argentinos tem crescido de forma enorme em favor do futebol nacional, e com a crise eterna que assola a economia argentina e que, inclusive, no aspecto cambial penaliza seus clubes quando vendem jogadores ao exterior", afirma o advogado Eduardo Carlezzo, especializado em direito esportivo e que presta consultoria a diferentes equipes.
O processo de transformação dos clubes em sociedades anônimas pode aprofundar ainda mais essas diferenças.
"Isso deve aumentar ainda mais a disparidade financeira. Dentro da América do Sul, o Brasil ruma para ser o que é a Inglaterra na Europa", completa Carlezzo, em mais uma comparação com a Premier League.
Uma das grandes diferenças está nos direitos de televisão. As equipes da elite brasileira recebem mais do que as dos demais países do continente. E se a ideia de internacionalizar o torneio vingar, este é outro abismo que deve ficar ainda maior. Isso pode acontecer como consequência de nova liga de clubes que pode ser criada a partir de 2025.
O contrato para o mercado interno da Série A distribui às agremiações cerca de R$ 600 milhões no sistema de TV aberta e fechada. Não chega perto dos R$ 8,4 bilhões da Premier League, mas é mais representativo do que os demais acordos na América do Sul.
Os argentinos dividem cerca de R$ 84 milhões por temporada. Os uruguaios, R$ 14 milhões. A liga chilena é a que mais se aproxima: R$ 362 milhões. Mas esta concentra mais dinheiro nos dois times de maior torcida no país: Colo-Colo e Universidad de Chile, o que faz crescer a disparidade financeira entre a dupla e o restante do campeonato.
No Brasil, o sistema de pagamento reparte 40% em partes iguais entre os 20 participantes. Os outros 60% dependem de critérios como quantidade de partidas transmitidas e posição final no campeonato. No pay-per-view, a divisão é diferente porque depende de uma pesquisa feita pelo Grupo Globo com assinantes do serviço.
O pulo do gato para os clubes brasileiros pode ser expandir as transmissões para outros continentes.
"É muito claro que o Brasil precisa deixar de ser um país exportador de jogadores para ser um país que exporte seu campeonato", define Pedro Mesquita, head do Banco de Investimentos da XP, que tem um projeto para a formação da liga e busca investidores.
Para ele, o caminho é que os clubes se transformem em empresas e atraiam capital. Uma fórmula a qual outras nações são resistentes.
Na Argentina, várias tentativas de aprovar modelos para sociedades anônimas no futebol fracassaram por resistência dos próprios dirigentes e de torcedores. Pelo menos na questão financeira, isso pode ser uma vantagem a mais para o Brasil.
Um dos grandes entusiastas do projeto entre os clubes portenhos era o então mandatário do Boca Juniors, Mauricio Macri, que depois seria presidente da República. Ele acreditou ter convencido o então chefe da AFA (Associação de Futebol Argentino), Julio Grondona, de que o projeto valia a pena.
Grondona concordou e, bem ao seu estilo, trabalhou contra em conversas de bastidores com os cartolas das outras equipes. No momento da votação, apenas Macri e o próprio Grondona se declararam a favor. O resultado foi uma goleada.
"Mauricio, perdemos", disse don Julio para Macri, com cara de pesar que na verdade era deboche.
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