De mito nos games ao "gato" que ganhou nova chance: a história de Michel Schmoller

Publicado em 29/10/2017, às 08h56

Por Redação

Quando o CSA anunciou a contratação do volante Michel Schmoller para a sequência da Série C, ainda em maio, o torcedor marujo em geral tinha poucas referencias do atleta. Com apenas duas passagens no futebol nordestino (ABC e América-RN), o atleta de 29 anos fez praticamente toda a carreira no Sul, onde nasceu no interior paranaense, e no Sudeste. Porém, o que muitos não sabem, é o quanto este nome de origem alemã tem notoriedade no cenário futebolístico digital, e o quanto a carreira do atleta foi cercada de reviravoltas também por conta disso.

Para entendermos melhor, precisamos primeiro apresentar a plataforma digital onde Schmoller “ganhou fama”. No jogo de simulação Football Manager - ou simplesmente FM - da produtora Sega, o jogador era figura certa em quase todos os saves dos treinadores digitais durante as temporadas 2005 e 2007. Para quem nunca jogou o game, que em novembro chega a versão 2018, o entendimento de como ele funciona é simples.

Você escolhe um time pra gerir e treinar, nos moldes de “manager” adotados em vários clubes da Europa (por isso o nome Football Manager). Ou seja, o player contrata, dispensa, gerencia e escala o time para jogar, e tem como missão tornar a essa equipe a mais vitoriosa possível.

O game dá a possibilidade do “treinador” escolher qualquer clube de várias ligas do mundo, inclusive a do Brasil. O jogo utiliza uma base de dados real, com estatísticas produzidas por diversos colaboradores ao redor do planeta. Desde os atributos dos jogadores, como finalização e marcação e o valor de mercado, e a saúde financeira das instituições.  Tudo é produzido tentando, ao máximo, reproduzir a realidade do mundo da bola.

Quem optava por uma esquadra tupiniquim, sabia que tinha que fazer render os baixos orçamentos disponibilizados pelos clubes para que fossem feitas contratações. Daí, surgiram os garimpeiros de jovens valores que, no game, baseado nos relatórios de olheiros profissionais, tinham futuro promissor na carreira e, consequentemente, no simulador.

E quem procurava nas categorias de base do Figueirense a partir da versão 2005 do FM, sempre tinha um investimento certo a fazer: no meia central de estatísticas equilibradas, de apenas 15 anos, que custava uma pechincha. Que quando evoluía ao longo das temporadas, chegava a valer milhões, e figurava certamente nas convocatórias da seleção brasileira do game: Michel Schmoller.

Em entrevista exclusiva ao PFC, o volante conta que já se deparou com várias situações na vida real em virtude do sucesso que fazia no simulador.

“Cara, na época que eu subi pro profissional era o auge do Orkut, do MSN, e muitos me adicionaram falando do jogo: pô, você é um dos meus melhores! E eu comecei a ficar curioso para saber onde eu era assim. E comecei a entender melhor. O jogo me proporcionou outros encontros também, na rua as pessoas me chamavam, contavam histórias, e em muitos momentos até eu mesmo eu ficava imaginando como seria, pois parecia bem real”, comentou

Início promissor também na “vida real”

Antes de entrevistar Schmoller, o PFC foi a internet procurar saber dos gamers algumas histórias sobre o volante no jogo. Adriano Barbosa se lembra bem da evolução dele, enquanto jogou o FM do ano de 2007. “Evoluiu bacana quando eu treinava o Vitória. Era destaque durante anos e anos”, disse.

Carlo Sansolo também lembrou de outros atletas promissores. “Ele, o Ederson (hoje no Flamengo), e o Naldo (zagueiro com boas passagens na Alemanha), eram investimentos certos. Valorizavam muito”, contou.

De fato, o início promissor de Schmoller era empolgante, não só no game como na vida real. Após um início difícil, quando ainda morava no Mato Grosso com a família, o jogador ganhou moral no Figueira e também o reconhecimento da Seleção Brasileira. Em 2006 foi convocado para a categoria sub-17, onde participou de um torneio preparatório na Coreia do Sul, de olho na disputa do Panamericano que, no ano seguinte, iria ser realizado no Rio de Janeiro.

Michel se lembra bem do período. Inclusive de quanto chamou a atenção de treinadores do “mundo real”. Historicamente, clubes ingleses monitoravam garotos ao redor do mundo pelas características no FM. Juntando as boas estatísticas às promissoras atuações com a camisa canarinho, o jogador se viu, ainda no começo da carreira, com a grande oportunidade da vida: disputar a Premier League, o principal campeonato da Inglaterra.

“Eu estava empolgado com a seleção, com o Pan. E nos preparávamos para viajar a Seul, quando um dos meus representantes falou de uma proposta do Arsenal, da Inglaterra. Eu fiquei muito feliz, é um sonho de qualquer um jogar o campeonato inglês. Eles me disseram que estava tudo encaminhado, que assim que voltasse do torneio com a seleção, fecharíamos negócio. Mas aí, aconteceu um problema, e a coisa não foi para frente”, lembrou.

O “pulo do gato”

De fato, o negócio com os Gunners não foi pra frente. E não por problemas na negociação, que à época até chegaram a se arrastar um pouco, mas sim por conta de uma revelação que mudaria pra sempre a vida de Schmoller.

Ao Figueirense, o volante se apresentou como nascido em 1990, o que daria a ele, em 2007, a possibilidade de participar do Pan, um torneio para jogadores com 17 anos ou menos. O problema é que o próprio clube constatou que o registro profissional de Michel havia sido adulterado, após uma denúncia anônima.

O ano real do nascimento dele era 1987, ou seja: foi alterado para que ele pudesse ficar “mais novo” e com isso receber benefícios em detrimento da idade. No futebol, o atleta flagrado neste tipo de situação é denominado de “gato”. E a Fifa, entidade máxima do futebol, não tolera quando o “bichano” é vendido “por lebre”. Resultado: suspensão de seis meses e a consequente desconvocação para a Seleção.

O responsável pela adulteração no documento de Schmoller foi o próprio pai, que o ajudou bastante nos primeiros passos da carreira. Michel conta que ouviu de seu Antônio, ainda na infância, que isso seria feito. Apesar das consequências negativas para o jogador, o pai fez isso pensando no melhor para o filho.

“Eu lembro que era muito novo, franzino, e onde eu ia fazer teste diziam que se eu fosse dois anos mais novo, eu teria futuro no futebol. E meu pai, apesar de não ter jogado profissionalmente, sabia que isso era verdade no mundo da bola. Então ele foi lá e fez [a alteração]. Só usei esse documento alguns anos depois. Eu sei que foi uma coisa errada, mas acho que ele fez isso pensando no filho, querendo o melhor. Sou muito grato a ele, porque se eu sou o que sou hoje, é porque ele teve essa coragem”, revela.

As consequências da punição

Os seis meses que passou sem jogar foram difíceis, porém passaram sem grandes prejuízos, segundo o próprio Schmoller. Ele conta que, no começo, até pensou que não iria mais jogar futebol, mas passou a se acalmar, principalmente ao receber apoio maciço do clube que defendia, o Figueirense.

“Eu também ficava pensando: pô, não deve mudar muita coisa para mim por conta de dois anos, não agora. E quando eu voltei da Coreia, sabendo da suspensão, o Figueirense me ajudou muito. Me blindou da imprensa e, mais que isso, assim que eu cheguei, eles me levaram pra o escritório jurídico, e ampliaram meu contrato por mais três anos. Agradeci demais, e serei eternamente grato por esse apoio. Investiram em mim mesmo sem saber se eu daria retorno depois de tudo isso”, afirmou, lembrando também que nunca deixou de sonhar com o futuro no futebol.

“Eu tive um apoio muito grande, até porque eu cheguei a ter tudo, e em minutos eu não tinha mais nada. Então foi uma coisa muito chocante pra mim. Mas eu ainda escuto das pessoas que eu venci na carreira por ter continuado depois de tudo, e estar aqui até hoje”.

Apesar da preocupação com o retorno, a carreira de Michel teve sim continuidade, mas as projeções iniciais acabaram não se concretizando. De volta ao Figueirense, ele foi emprestado para algumas equipes do Brasil. A primeira delas, o Atlético Goianiense, com o qual foi campeão brasileiro da Série C em 2008.

“Foi um momento importante depois de tudo que eu vivi. Cheguei em um grupo muito bom, unido, e que mereceu aquela conquista. Foi um período importante pra mim, onde consegui meu primeiro título nacional, e afastei de vez o que passei no início da carreira”, recorda.

O caminho até o título no CSA

De lá, rodou por outros clubes como o Brasiliense, e acabou tendo também experiências fora do Brasil. Na Coreia, segundo ele, as promessas da contratação acabaram não se concretizando. De volta ao Brasil, acertou a ida para a Espanha, pra atuar no Cartagena, da segunda divisão. Após uma breve passagem, chegou a ter ainda a ter oportunidade na Liga Espanhola, no Rayo Valecano, mas passou apenas três meses sem tanto destaque.

Voltou ao país, e teve a primeira experiência no Nordeste. A convite de Roberto Fernandes, um dos treinadores que teve no Figueirense, aceitou uma proposta do América de Natal, à época comandado pelo técnico. Depois, rodou por Ituano, ABC, Remo e Inter de Lages. E foi justamente depois do bom estadual que fez com a equipe de Lages, que surgiu o convite do CSA, para a sequência da Série C.

Estreou contra o Sampaio Correa, em julho.  A estreia não foi a pretendida por Schmoller, tendo recebido muitas críticas do torcedor azulino. O técnico do CSA na oportunidade era Ney da Matta, com quem teve problemas de relacionamento. Depois da estreia, só voltou a ganhar nova chance sob comando de Flávio Araújo, que assumiu o clube após os problemas de convívio de Ney com todo o elenco.

Com o novo comandante, o CSA conquistou o acesso após duas vitórias contra o Tombense. Schmoller, de ânimo novo, ganhou nova chance, e participou ativamente dos jogos decisivos.

“Eu me cobrei muito depois da estreia, que de fato não foi legal, passei muito tempo sem jogar até fazer esse jogo, e ainda atuei fora de posição... Mas o que piorou tudo foram os problemas dentro do grupo por conta do treinador. Estávamos na liderança, mas com um clima tenso no ambiente do treinamento. O clima era muito pesado com a antiga comissão. Eu, particularmente, pedi para ir embora, mas fui convencido pelo presidente Rafael Tenório a continuar. Depois que o Flávio chegou, a leveza se fez presente mais uma vez, e conseguimos o objetivo do acesso de uma maneira muito mais”, destacou.

Quando o PFC gravou com Schmoller, o CSA estava concentrado para o grande jogo contra o Fortaleza, em Maceió, onde depois se sagrou campeão brasileiro da Série C em 2017. Perguntado sobre a importância da conquista do Nacional, o volante foi enfático.

“Será de muita importância para o clube, que há muito tempo não conquistava um título, para o grupo que batalhou bastante, para o torcedor, e para mim também. Meu segundo título nacional, e isto é muito importante para a minha carreira”.

O futuro

Agora em férias, Schmoller vai se juntar a família no Sul, mas deixou claro a vontade de permanecer no CSA em 2018. Adaptado à cidade e ao clube, o jogador conta que aguarda um contato marujo para definir o que fará na próxima temporada. Quando perguntado sobre as metas para o prosseguimento da carreira, Michel foi ousado: reafirmou o desejo de voltar a atuar na Série A, como fez no Figueirense no início da caminhada na bola, porém, agora, empolgado em conseguir tal feito vestindo o azul e branco do time de Maceió.

“Eu nunca parei de sonhar. Quando cheguei aqui eu fui bem claro: eu acreditava muito no projeto do CSA. Conseguir um acesso à Série B, e por que não pensar na primeira divisão? Sob o comando de pessoas como o Rafael Tenório e Raimundo Tavares, eu penso ser possível sim. Vemos a Chapecoense como exemplo de ascensão, e precisamos nos espelhar. O CSA tem história, tem peso, tem torcida. Merece isso que está vivendo, e merece muito mais”, concluiu.

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