Um dos temas mais polêmicos em 2023, o Veto 30/2023, aposto ao marco temporal para a demarcação de terras indígenas (Lei 14.701, de 2023), foi objeto de análise pelo Congresso Nacional nesta quinta-feira (14). Senadores e deputados votaram o veto de maneira fatiada e devolveram à lei o trecho que dá nome ao projeto, ao definir as “terras indígenas tradicionalmente ocupadas” como aquelas “habitadas e utilizadas” pelos indígenas para suas atividades produtivas na data da promulgação da Constituição.
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Esse ponto específico foi analisado individualmente, por meio de destaque que recebeu 53 votos pela rejeição e 19 pela manutenção no Senado, e 321 votos pela derrubada e 137 pela manutenção na Câmara dos Deputados. Com a rejeição do veto, os indígenas terão direito à demarcação apenas das áreas que ocupavam até 5 de outubro de 1988, quando a Constituição foi promulgada. A matéria vai a promulgação.
O marco temporal teve origem em projeto de lei (PL 2.903/2023) apresentado pelo ex-deputado Homero Pereira (MT) e aprovado pelo Senado em setembro, sob relatoria do senador Marcos Rogério (PL-RO), com 43 votos favoráveis e 21 contrários. Mas o projeto foi vetado pelo presidente Lula, sob o argumento de que os vetos eram necessários em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O STF considerou inconstitucional a tese do marco temporal das terras indígenas, que estabelece a demarcação dos territórios indígenas respeitando apenas a área ocupada pelos povos originários até a data da promulgação da Constituição, e não a qualquer tempo.
Com voto vencido pela manutenção do veto, o líder do Governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), reforçou que a demarcação foi pacificada pela Constituição de 1988 e que o direito à posse da terra pelos povos originários foi também afirmado recentemente pela ampla maioria dos ministros da Suprema Corte.
— O presidente Lula aportou veto a esse tema com muita consciência de que esses povos vinham sendo desrespeitados em todos os seus direitos. Compreendemos que não há dúvida sobre o que está escrito no texto da Constituição. Por isso, nosso voto é ‘sim’ — declarou.
Para Marcos Rogério, que integra a oposição, não seria possível aceitar "tamanha insegurança jurídica".
— Não podemos viver em um país que desrespeite a tradição, que desrespeite a tradição jurídica. E esse é o momento em que o povo brasileiro, o setor produtivo, contava com o Congresso Nacional para derrubar o veto ao marco temporal e garantir segurança jurídica para quem está no campo produzindo, segurança jurídica para quem está na terra. Nós não queremos violência. Nós queremos paz no campo e paz para quem está trabalhando e produzindo alimentos para o Brasil e para o mundo.
O senador Weverton (PDT-MA) disse que votaria pela derrubada do veto ao marco temporal, por considerar que a demarcação de terras indígenas ocorre de maneira equivocada no Brasil. Ele defendeu políticas públicas de qualidade para esses povos, “para que eles possam manter suas tradições de forma inclusiva”.
Também contrário ao veto, o senador Esperidião Amin (PP-SC) disse que a medida de Lula era "nociva à segurança da sociedade brasileira, especialmente à dos indígenas".
O fato de o país ainda estar discutindo o assunto foi criticado pelo senador Luis Carlos Heinze (PP-RS). Para ele, a Constituinte de 1988 já dava um prazo de cinco anos para se resolverem todos os casos de terras indígenas no Brasil.
— Outubro de 1993. E nós estamos, em 2023, discutindo a mesma coisa. É um desrespeito com a Constituição brasileira. Sempre acham uma forma e um jeito [...] Peço o empenho e o apoio, pela responsabilidade que nós temos com o direito de propriedade. Hoje, é no meio rural. Mas se essa moda pega, amanhã qualquer propriedade, na cidade ou no campo, poderá ser expropriada — declarou.
A rejeição do veto também foi celebrada pela senadora Tereza Cristina (PP-MS)
— Hoje trouxemos a paz para o campo, a paz para as cidades, a paz para o Brasil.
Outros pontos vetados por Lula foram analisados de forma separada e mantidos pelos parlamentares: a retomada de terra indígena por alteração de traços culturais; o plantio de transgênicos em terras indígenas; e o contato com povos isolados, que deve ser evitado ao máximo, salvo para prestação de auxílio médico ou para intermediar ação estatal de utilidade pública.
Os únicos trechos que não tinham sido alvos de veto por parte do Executivo são os que tratam das disposições gerais com a definição dos princípios orientadores da lei, as modalidades de terras indígenas para reconhecimento da demarcação e os pontos que norteiam o acesso e a transparência do processo administrativo. Entre as justificativas do veto ao marco temporal, o presidente argumentou que a iniciativa do Legislativo contrariava o interesse público e incorria em vício de inconstitucionalidade “por usurpar direitos originários” já previstos na Constituição.
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