'Como Fernando Pessoa Salvou Portugal' apresenta poesia e história

Publicado em 17/10/2018, às 20h58
Fernando Pessoa | Revista Estante/FNAC
Fernando Pessoa | Revista Estante/FNAC

Por Folhapress

Nos 26 minutos de "Como Fernando Pessoa Salvou Portugal" existe mais cinema do que em quase todos os longas metragens que se tem visto nos últimos tempos. Há mais comédia do que em muita comédia. Há mais drama do que em muito drama.

Porém, acima de tudo, existem a poesia e a história. Da poesia se ocupa Pessoa, evidentemente. Da história, vários personagens escondidos e alguns nem tanto. O primeiro escondido é a chamada ditadura nacional, criada um ano antes e que seria um fabuloso obstáculo à entrada da Coca-Cola no território imperial. A proibição instituída no ano de 1927 só foi revogada após a Revolução dos Cravos...

O fato real é, no filme, representado pelo exorcismo a uma garrafa de Coca, numa das sequências mais humorísticas do cinema recente. Com o demônio exorcizado esvai-se não só a sensualidade que a frase publicitária (devida a Fernando Pessoa) sugeria, como o cartaz em que se acha estampada introduziam no país.

Vai-se ainda a ameaça imperialista (do império americano, claro, não do português). Reforça-se a ideia de país fora do tempo que Portugal por tantos anos cultivou. E de que Pessoa é, aliás, uma das maiores expressões: a imobilidade entranha-se em seus versos com tanta força quanto a Coca-Cola em nossas mentes.

"Primeiro estranha-se, depois entranha-se" -eis o slogan demoníaco censurado pela ditadura. Pessoa passa incólume, do ponto de vista legal, pois o atribui a Álvaro de Campos, seu íntimo amigo que mora no exterior (e é, portanto, inatingível pelos braços da lei).

Álvaro, aliás, o atribui ao Escondido (ou seja, d. Sebastião, o rei desaparecido em Alkácer-Kibir). Quando o Escondido aparece, diz Álvaro, não é reconhecido. Mas de suas derrotas é que nasce a luz de Portugal.
Então como ficamos? A censura ao slogan é vitória ou derrota? Luz ou treva? É algo que inscreve Portugal no seu gosto de eternidade, pelo que tem de imobilismo. Ao mesmo tempo, pode ser aquilo que livra o império luso de outro imperialismo, o americano.

Estranho filme, esse, em que os personagens falam quase todo o tempo com os olhos voltados para a câmera (ou seja, para nós), mais que nos filmes de Ozu. Falam sempre com toda a  franqueza do mundo. No entanto, de suas palavras, de seus gestos econômicos, os sentidos parecem brotar como o pássaro que, logo no início, atravessa do quadro de baixo para cima.

É a imagem de um Portugal inerte e ativo, espiritual e carnal, risonho e melancólico, tolo e brilhante que primeiro estranhamos e depois entranhamos.
O norte-americano Eugêne Green parece ter encontrado sua pátria (desde "A Religiosa Portuguesa", aliás).
(Impossível contornar a presença do absoluto Diogo Dória, como o ministro, no filme).

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