Cannabis medicinal pode ser alternativa para aliviar sintomas na menopausa, apontam estudos

Publicado em 19/10/2023, às 21h05
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Por Folhapress

Fluxo menstrual irregular, inchaço, irritabilidade e insônia são alguns dos sintomas do climatério e da menopausa, que representam o fim do ciclo reprodutivo da mulher. Camila Brogliato, 41, sentia tudo isso antes de começar o tratamento com Cannabis medicinal.

Sua primeira suspeita era de endometriose. "Procurei tratamentos tradicionais, mas tinha muita medicação envolvida e cirurgia", diz ela que, desde 2012, passou a se interessar por remédios naturais e parou de tomar pílula. Isso gerou mudanças em seu organismo. "Eu parecia uma adolescente de novo, com espinhas e cólicas."

Durante a pandemia da Covid-19, em 2020, de tanto pesquisar sobre a doença, acabou encontrando artigos e cursos sobre o uso da Cannabis. Foi quando conheceu a ginecologista e obstetra Mariana Prado pelo site Dr. Cannabis.

O tratamento é feito com óleo de canabidiol (CBD), um canabinoide, que é um composto não psicoativo, derivado da planta de Cannabis. A substância, como afirmam especialistas ouvidos pela reportagem, tem propriedades terapêuticas, anti-inflamatórias, ansiolíticas -que diminuem a ansiedade e tensão- e sedativas -que podem ajudar no sono.

Com isso, o CBD ajuda no alívio dos sintomas que aparecem durante o climatério, quando acontece um declínio dos hormônios sexuais, especialmente do estrogênio. "O tratamento está me ajudando muito em todas as áreas da minha vida. Estou menos ansiosa, indo melhor no trabalho, melhorou também a parte mental", afirma Brogliato.

De acordo com Prado, que trabalha com Cannabis medicinal há cerca de quatro anos, o uso da substância pode ser feito em pacientes que não desejam realizar terapia hormonal -o principal tratamento para esses casos, mas que possui contraindicações, como risco de trombose.

"A medicina canabinoide é uma opção aos hormônios, que são padrão-ouro quando se discorre sobre tratamento da menopausa, mas que, muitas vezes, não atende pacientes que desejam algo alternativo -mais natural e sem efeitos colaterais", diz a ginecologista.

O tratamento começa com uma consulta clínica que analisa os sinais e sintomas da paciente, explica a médica. "Existe sempre o apoio quanto ao manejo da dose e um retorno, geralmente após três meses para reavaliação."

Mas não funciona igual para todo mundo. "O tratamento medicinal com a Cannabis é muito individualizado, customizado. Precisa de fazer uma dosagem, uma titulação para cada paciente", afirma a médica Mariana Maciel, fundadora da Thronus, biofarmacêutica de desenvolvimento de produtos de Cannabis medicinal.

O acompanhamento médico se faz importante também porque as formas de acesso ao CBD, seja por farmácia ou importação a partir de um laboratório ou associação, precisa de prescrição médica.

Um estudo realizado pela cientista Katherine Babyn na Faculdade de Farmácia e Ciências Farmacêuticas da Universidade de Alberta, no Canadá, com 1.485 mulheres de em média 49 anos de idade, revelou que cerca de um terço delas fazia uso de Cannabis. Dessas mulheres, 75% a utilizavam para fins medicinais, sendo os problemas mais comuns relatados: dificuldade para dormir, ansiedade, dores musculares e articulares, irritabilidade e depressão.

Outro estudo publicado em Harvard, em 2022, mostrou mais de 70% sentiram alívio nos sintomas da menopausa. Feito com uma amostragem menor -131 mulheres na perimenopausa e 127 que já haviam passado pela menopausa- o trabalho revelou que 86% das delas usavam Cannabis, e o alívio dos sintomas da menopausa foi reportado por 79% delas.

Mas os estudos sobre o impacto do uso da Cannabis na menopausa para avaliar a segurança e eficácia do medicamento ainda são poucos, como aponta a ginecologista. "A investigação sobre o consumo é essencial, uma vez que ela é frequentemente utilizada para aliviar sintomas do climatério."

No Brasil, o estudo mais avançado é sobre a perda da memória com a diminuição do estrogênio, hormônio predominante nas mulheres que cai durante a menopausa. Ele analisou ratas que tiveram os ovários removidos e pararam de produzir esse hormônio, para mimetizar o que acontece com as mulheres. Como consequência, esses animais tiveram a memória afetada.

"Essa é uma queixa que aparece também nos consultórios de ginecologia. As mulheres sentem que estão mais esquecidas, fogem informações", afirma Nadja Schröder, pesquisadora e professora do Departamento de Fisiologia e coordenadora do Programa de Pós-graduação em Fisiologia da UFRGS e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Medicina Translacional (INCT-MT).

Os resultados apontam que o CBD restituiu a capacidade de memória das ratas. "A gente está vendo a possibilidade do canabidiol ter esse efeito neuroprotetor, e com isso melhorar as funções neurais como um todo", afirma Schröder, que pesquisa sobre a substância há 10 anos.

O estudo ainda é pré-clínico, mas com os resultados a pesquisadora pensa em realizar pesquisas com seres humanos. Por enquanto, um outro estudo está em andamento para analisar melhor a perda de memória na menopausa. "Quando encontramos resultados tão positivos com o canabidiol, a gente tem a obrigação de dar continuidade para que possamos oferecer alternativas mais seguras de tratamento para essas pacientes."

A questão, para a ginecologista Prado, passa também pelos profissionais médicos. "Boa parte da ginecologia ainda não se ateve ao manejo da Cannabis, quiçá atém-se a outros métodos alternativos para o controle de diversas enfermidades. O estudo do sistema endocanabinoide deveria ser abordado nas grades curriculares dos cursos de medicina."

Segundo Maciel, o sistema endocanabinoide é responsável por balancear todas as funções fisiológicas do nosso corpo, incluindo regulação do apetite, dor, memória e humor. "A Cannabis atua em diversas condições clínicas, porque ela se conecta nesse sistema que regula e que se conecta a todos os outros sistemas fisiológicos do corpo."

A sua empresa, a Thronus, atende mais de 1.000 pacientes por mês que buscam importar o produto. Mas o acesso tem um valor alto. "É muito caro importar", diz Brogliato, que compra o óleo pela associação Acura.

"Algumas políticas estaduais já fornecem o medicamento de forma gratuita para doenças pré-estabelecidas, infelizmente para nenhuma doença ginecológica. Os medicamentos de associações canábicas são alternativas muitas vezes mais baratas que os medicamentos de importação", diz Prado.

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