A tarde de 15 de dezembro de 2002 é lembrada pelas pedaladas de Robinho e pelo fim do jejum de 18 anos sem título de expressão do Santos. Ficou em segundo plano a frase que Galvão Bueno disse algumas vezes durante a transmissão da decisão do Campeonato Brasileiro daquele ano: "Final é um barato!"
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O torneio de 2023, iniciado neste sábado (15), marca as duas décadas da fórmula que acabou com as finais. O formato de pontos corridos foi absorvido como normal por clubes, jogadores e torcedores. Desde que foi adotado, o futebol brasileiro passou a movimentar mais dinheiro, pagar salários maiores e a dominar os torneios sul-americanos. Os estádios viraram arenas, o país sediou uma Copa do Mundo e os técnicos estrangeiros se tornaram uma rotina.
Mas o campeonato passou a ser mais elitizado, caro e com menor variação de campeões. Entre 2003 e 2022, oito equipes diferentes conquistaram o título: Cruzeiro, Santos, Corinthians, São Paulo, Flamengo, Fluminense, Palmeiras e Atlético Mineiro.
Nos 20 anos anteriores, de 1983 a 2002, foram 13 campeões: Flamengo, Fluminense, Coritiba, São Paulo, Sport, Bahia, Vasco, Corinthians, Palmeiras, Botafogo, Grêmio, Athletico e Santos.
"Não é elitizado apenas em campo. É fora de campo também por causa da profissionalização. Hoje é preciso ter planejamento, ter processos e executar esses processos. Se os mesmos times conquistam títulos é por uma série de fatores. Os campos eram muito diferentes de um estádio para outro antes de 2003. Hoje está mais igual. Ao mesmo tempo, atualmente é muito difícil permanecer na primeira divisão. Times grandes caem", afirma o ex-zagueiro Edu Dracena.
Ele foi quatro vezes campeão na era dos pontos corridos e por três equipes diferentes: Cruzeiro, Corinthians e Palmeiras. Pelos mineiros, levantou a taça da primeira edição, há 20 anos.
Tornou-se comum equipes tradicionais irem para a Série B. Atlético Mineiro (2005), Corinthians (2007), Vasco (2008, 2013, 2015 e 2020), Palmeiras (2012), Botafogo (2014 e 2020), Internacional (2016), Cruzeiro (2019) e Grêmio (2004 e 2021) foram rebaixados.
"[Pontos corridos] É campeonato até certo ponto. Porque chega o momento em que deixa de ser atrativo para quase todas as equipes, porque elas não têm chance de brigar pelo título. Pelo lado da paixão do torcedor, isso é ruim, porque acontece de o campeão se definir bem antes. Mas é a fórmula mais justa", afirma Dimba, artilheiro do primeiro campeonato em pontos corridos, com 31 gols.
Ele havia sido protagonista, no ano anterior, de uma história que seria impossível nos tempos atuais. Dois gols seus na última rodada da primeira fase, pelo já rebaixado Gama contra o Coritiba, fizeram o Santos ficar com a oitava e última vaga para as quartas de final. O clube de Vila Belmiro acabou campeão.
"Eu estava neste jogo entre Gama e Coritiba. Foi improvável. Todos achavam que o Coritiba ganharia, mas eles não viram a cor da bola. São histórias que ficam perdidas na fórmula atual", relembra Wendel Lopes, atual presidente da agremiação do Distrito Federal.
A trajetória do Gama se torna relevante porque foi o time que participou do último Brasileiro antes dos pontos corridos, em 2002, acabou rebaixado e nunca conseguiu voltar à elite. Está sem divisão nacional em 2023.
"O mercado do futebol brasileiro está ficando muito concentrado em poucos locais. É muito mais difícil um time pequeno se estabelecer hoje em dia. O dinheiro está concentrado em poucas equipes. E se a liga [de clubes] vingar, será a morte da Série D, um torneio sem televisionamento e bancado pela CBF", completa.
Hoje há muito mais dinheiro movimentado pelas maiores agremiações brasileiras. Entre 2001 e 2005, o Flamengo arrecadou R$ 407,7 milhões, média de R$ 81,54 milhões por ano. Em 2023, a projeção é de conseguir R$ 1 bilhão. O contrato de patrocínio da Crefisa com o Palmeiras, que paga cerca de R$ 80 milhões anuais, seria suficiente para quitar 260 folhas salariais do Santos campeão brasileiro de 2002.
Os clubes brasileiros têm dominado as competições sul-americanas e são acusados de usar a força financeira para contratar os melhores jogadores que não interessam aos grandes da Europa. O país venceu as últimas quatro edições da Libertadores e teve os dois times do país nas decisões das últimas três temporadas.
A partir de 2003, o Brasil foi campeão em 11 Libertadores. Aproveitamento de 55%.
"Campeonato de pontos corridos é um avanço no futebol brasileiro. No passado havia jogos com asteriscos, mudança de calendário, forma de disputa... Isso causava diminuição na qualidade do produto. Premia a regularidade e os times mais organizados. Com briga por título, vaga na Libertadores, Sul-Americana e contra o rebaixamento há emoção em todas as rodadas ", defende Marcelo Paz, presidente do Fortaleza.
Nos 20 anos antes do formato atual, dois clubes do Nordeste foram campeões nacionais (Sport em 1987 e Bahia em 1988). Mas Paz crê que os dois turnos em ida e volta e a estabilidade favorecem trabalhos bem organizados e de longo prazo. Como o realizado pelo Fortaleza.
"A Série A do Brasileirão, há alguns anos, era um campeonato em que você não sabia o formato, porque todo ano mudava a fórmula, muitas vezes o time era rebaixado e isso de fato não acontecia. Como o formato de uns anos para cá se manteve igual, com a mesma fórmula de disputa, passou a ter maior credibilidade", completa Fabio Wolff, especialista em marketing esportivo.
Como há argumentos para todos os gostos, é possível lembrar que histórias como a do Santos campeão de 2002, do São Caetano de 2000 que saiu de um módulo que representava a terceira divisão para disputar a decisão da elite no mesmo ano e o torneio de 1985 nunca mais vão se repetir.
Foi quando Bangu e Coritiba fizeram a final da primeira divisão do país. E o pequeno Brasil de Pelotas chegou à semifinal.
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