O mais velho, Moreno, é a festa, a Bahia do Recôncavo, do samba no prato de Dona Edith, a necessidade de sair do script quando tudo parecer agendado demais. Ao seu lado, escondido em cachos que já lhe servem de refúgio, Tom, o mais novo, atua no extremo oposto das personalidades. É um menino observador, quieto, mais à vontade na penumbra do que nas luzes e, ao mesmo tempo, de uma doce confiança que o leva a levantar-se descalço para dançar funk cheio de graça, como quem aciona um botão. À esquerda de todos vem Zeca, talvez o mais desafiador, de mistérios que não se decifra em duas horas de show. Cabelo aparado, óculos de grau parece estar mais na terra do que no mar de Moreno ou nos ares de Tom, e é a melancolia o traço que, unido aos pontos de seus irmãos, desenha a imagem do pai, Caetano Veloso.
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Caetano está entre eles. Ao lado de Moreno, 44 anos; Zeca, 25; e Tom, 20, estreou a temporada em São Paulo, no Theatro Net, batizada de Caetano, Moreno, Zeca e Tom Veloso. Juntos, usaram músicas dos filhos para abrir outras portas e do pai como a linha que tece a vida dos Veloso até ali. O início da tomada de posição há 50 anos, com Alegria Alegria; a força da voz interna de Dona Canô em Genipapo Absoluto; o inoxidável espírito tropicalista do funk inédito Alexandrino; o ateu que vai à missa de Ofertório; a chegada de um dos meninos com Boas Vindas. Caetano retoma a voz para revisitar o que fez para a história depois de passá-la aos filhos.
Aos 75 anos, ele aparece por inteiro olhando em um espelho que o fragmenta em três partes. Virtudes e fragilidades do pai se encontram na essência dos filhos. É bonito vê-lo ali sorrindo com os meninos, conversando com os olhos, orgulhando-se e franzindo a testa. Não é um reprodutor de vozes seguras, todos os Veloso caminham por notas trêmulas, mas a apropriação de um libertário canto joaogilbertiano permite tudo. Curioso que, quando se encontram, como no arranjo vocal de O Seu Amor, o resultado é de arrepiar.
Zeca tem a personalidade artística mais distante da matriz. Sua voz fica confortável em uma região extremamente aguda, que ele usa para cantar sua bela Todo Homem e a parceria com o pai, Você me Deu. Seu pensamento, como o de Tom, passa por caminhos de soluções originais mesmo em canções simples, e sua letra tem uma larga abertura de interpretação até que nos venha o refrão. “O sol manhã de flor e sal / E areia no batom / Farol, saudades no varal / Vermelho, azul, marrom / Eu sou cordão umbilical / Pra mim nunca tá bom/ E o sol queimando meu jornal / Minha voz, minha luz, meu som / Todo homem precisa de uma mãe / Todo homem precisa de uma mãe.” O pai está aqui.
Moreno mostra a primeira parceria com o pai, que ele menino de 9 anos cantou para preencher a harmonia de Um canto de afoxé para o bloco do Ilê. Caetano lembra também do dia em que se emocionou quando entrou no carro e o filho o fez escutar um presente, um samba em inglês chamado How beautiful could a being be (O quão belo um homem pode ser), de 1997.
Tom herda a confiança na beleza das estranhezas breves, desde que o repouso venha logo e redentor, como em Clarão. O filho mais parecido com o pai tem uma relação com a música de honestidade e coadjuvância, sem a intenção de usá-la como pista de decolagem. Sua tranquilidade choca com a hiperatividade mental dos 20 e poucos anos de Caetano, de um tempo em que parecia ter a resposta definitiva para todas as questões. Os três homens que vê no espelho, agora, também o ensinaram um bocado.
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