Há cinco anos, uma professora da USP em Ribeirão Preto usa animais de pelúcia em aulas práticas sobre diabetes mellitus. A iniciativa vem poupando sofrimento e morte de cerca de 45 ratos por ano, com benefícios ao aprendizado dos estudantes que perdiam o foco com a dor dos animais.
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Responsável pela aula alternativa, cursada por alunos das faculdades de Odontologia (Forp) e de Ciências Farmacêuticas (FCFRP) da USP, a professora Maria José Alves da Rocha conta que as aulas de laboratório da disciplina de Fisiologia sobre diabetes mellitus nunca foram confortáveis. Os alunos sofriam com a coleta de sangue dos animais para dosar a glicemia, pois era necessário um corte no rabo do animal, relata. A professora explica ainda que esses ratos ficavam em estado deplorável e exalavam forte odor causado por diarreia, efeito colateral da droga que induz ao diabete.
Ao buscar uma solução para o problema, Maria José encontrou alguns artigos científicos sobre modelos de aulas de sucesso com animais artificiais e decidiu desenvolver seu próprio material. Aproveitou as gaiolas metabólicas – equipamento onde ratos de verdade ficam e têm suas fezes e urina coletados – já existentes e adquiriu os ratinhos de pelúcia em oferta numa grande loja.
Com a ajuda do técnico de laboratório Mauro Ferreira da Silva, abriu o abdômen de alguns bichinhos que, a cada aula, são preenchidos com bolas de gude para alcançar pesos diferentes. Para o sangue e urina, que também são artificiais, recebeu a colaboração do então aluno de Farmácia Paulo José Basso. Esses preparados simulam os diferentes níveis de glicemia, ou seja, a quantidade de açúcar no sangue.
As análises, comparando as aulas com animais reais e as que usam métodos alternativos, ofereceram à professora a certeza do caminho certo. “Modelos de ensino que não envolvem experimentos nocivos ou com morte de animais são benéficos à aprendizagem”, garante. Conta que era comum estudantes se distraírem do objetivo principal, a doença, ao se envolverem em discussões sobre a dor e o desconforto que os animais experimentam.
“Questões éticas são importantes e devem ser incorporadas em um curso de fisiologia”, defende a professora. Entre as vantagens das aulas com a substituição dos animais, ela aponta a oportunidade do aluno discutir as diferenças entre a diabete tipo 1 e tipo 2, oferecida pela simulação do rato obeso. Ela afirma que a técnica pode ser facilmente adaptada em todos os cursos das áreas biomédicas que ensinam fisiologia endócrina, mesmo em instituições com menos recursos, já que não requer grande suporte técnico nem equipamentos ou espaços físicos específicos.
Por esse trabalho de ensino, a professora e sua equipe receberam o Prêmio do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) de Métodos Alternativos à Experimentação Animal, como o terceiro colocado na categoria Produção Acadêmica. A solenidade de premiação ocorreu em Brasília na semana passada. Um artigo sobre o tema foi publicado na revista Advances in Physiology Education.
Reprodução fiel de diabetes mellitus experimental
Os grupos de alunos recebem gaiolas metabólicas com três ratos de pelúcia; dois, simulando diabetes mellitus – tipo 1 e tipo 2, e o terceiro é o saudável.
As gaiolas contêm água e alimentos reais, além de recipientes contendo urina artificial para simular amostras coletadas durante um período de 24 horas. Para cada gaiola, também são fornecidos tubos de ensaio com sangue artificial com diferentes níveis de glicemia.
No artificial “diabético”, a urina contém diferentes quantidades de glicose e acetona para simular níveis de glicosúria e cetonúria, que são medidas importantes para avaliar o diabete. Na urina simulada de um rato não diabético, não é adicionada glicose ou acetona à preparação. Para as análises de glicemia, os alunos contam com o sistema Accu-Chek, aparelho que monitora essas medidas no sangue. Para verificar as intensidades de glicosúria e cetonúria na urina, são utilizadas fitas de bioensaio Urocolor.
Os estudantes devem pesar os animais, quantificar a ingestão de água e alimentos e analisar as amostras de sangue artificial e urina e, ao final, descobrir qual é o diabético tipo 1 e o qual é o tipo 2. Após a discussão em grupo, cada aluno faz um relatório individual e responde às questões formuladas sobre a doença.
Os animais e amostras são preparados antes de cada aula prática. Os alunos não sabem que sangue e urina são artificiais. Conta a professora que tudo é simulado para reproduzir o mais fielmente possível a aula que antes era ministrada com ratos de verdade.
Desta forma, “os alunos ficam conhecendo a gaiola metabólica e como os cientistas fazem para estudar diabetes mellitus experimental”. Com exceção do rato, todo o material utilizado é muito real para o aluno, que não sabe que o peso é dado pelas bolas de gude, nem de que material são feitos o sangue e a urina. Tudo é revelado no final.
Males do diabetes mellitus
Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes, hoje o Brasil tem mais de 13 milhões de diabéticos, cerca de 6,9% da população. Trata-se de uma doença crônica na qual o corpo não produz insulina ou não consegue usar adequadamente a insulina que produz.
Hormônio produzido pelo pâncreas, a insulina controla a quantidade de glicose no sangue. Assim, o diabético sofre por não conseguir utilizar adequadamente a glicose obtida pela ingestão de alimentos. Quando o nível de glicose fica alto, temos a hiperglicemia que, se mantida por longos períodos, pode causar sérios danos em órgãos, vasos sanguíneos e nervos.
O mau controle dos níveis de glicemia leva a complicações em diversos tecidos do corpo. Entre as principais estão: o pé diabético (complicação mais frequente, caracterizada por feridas na pele e falta de sensibilidade no pé; casos graves podem necessitar de amputação); a nefropatia diabética (alterações nos vasos sanguíneos dos rins que podem levar à insuficiência renal e à necessidade de hemodiálise); problemas nos olhos (cataratas, glaucoma, edema macular e retinopatia diabética, por exemplo); e doença cardiovascular.
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