Medo e julgamentos apressados são inimigos da educação. Conselheiro Lafaiete os fortaleceu ao ceder tão facilmente à histeria. Ajudou o Brasil a se tornar mais tacanho.”
É uma das obras mais difundidas do falecido jornalista e escritor Ziraldo, um do mais respeitados intelectuais brasileiros.
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O jornalista Carlos Graieb comenta:
“A secretaria da educação de Conselheiro Lafaiete, uma cidade em Minas Gerais, mandou suspender o uso do livro O Menino Marrom, do célebre Ziraldo, nas salas de aula da rede municipal.
Foi por causa de dois trechos, que levaram o pai de um aluno a considerar que a história ‘induz as crianças a cortar os próprios pulsos e a fazer maldade’.
Depois disso, a prefeitura optou por interromper as atividades com o texto.
O livro fala da amizade entre o Menino Marrom e o Menino Cor-de-Rosa. A certa altura, de maneira teatral, eles decidem fazer um pacto de sangue. Chegam a pegar uma faca para, sim, cortar os pulsos – não querem se ferir, apenas sacramentar sua amizade. Imediatamente, eles perdem a coragem (exatamente como costumam fazer meninos com suas ideias malucas). Decidem trocar a faca por um alfinete. Mas também perdem a coragem de furar o dedo e acabam selando seu pacto com tinta azul.
Esse é o primeiro trecho.
No segundo (que, na verdade, vem antes na história), o Menino Marrom quer ajudar uma velhinha a atravessar a rua, mas ela lhe dá um tapa na mão. Ele então passa a acordar cedo todos os dias para observar a mulher a caminho da igreja. Até que o Menino Cor-de-Rosa o acompanha numa dessas manhãs e pergunta o motivo dessa rotina. ‘Eu quero ver ela ser atropelada’, responde o Menino Marrom. E o narrador comenta, filosófico: ‘Como pode durar este jogo de deus e de diabo em peito de menino?’
Pois então. Objetivamente, há no livro uma cena em que duas crianças pensam em cortar os pulsos para fazer um pacto de sangue.
Objetivamente, existe uma outra cena – politicamente incorreta! – em que um menino deseja que a velhinha que o maltratou seja atropelada.
Mas, objetivamente, será que existe motivo para tanto pânico diante desse livro que foi lançado em 1986 e já tem uma longuíssima trajetória de leitura nas salas de aula?
É claro que não.
Para começo de conversa, o texto não induz ninguém a nada, ao contrário do que dizem o pai e o pastor alarmados.
Não existem argumentos em favor da autoflagelação ou dos maus sentimentos em relação a velhinhas, nenhuma tentativa de conduzir o leitor à conclusão de que esses são comportamentos desejáveis.
Narrar acontecimentos não é o mesmo que procurar convencer alguém de uma tese. Dizer que o livro ‘induz’ crianças ao que quer que seja distorce o sentido dessa palavra e também os propósitos de Ziraldo.
O episódio em Minas Gerais é triste por mostrar como as pessoas se afastaram da experiência da leitura, sobretudo de ficção. Livros como O Menino Marrom não agem sobre o seu público da mesma forma que vídeos nas redes sociais – esses sim, com frequência querem induzir o espectador a fazer isto ou aquilo imediatamente.
O mais grave do episódio, contudo, é a covardia do governo municipal. A secretaria de Educação fez uma defesa morna e protocolar do livro de Ziraldo. Decidiu contemporizar, em vez mostrar como as preocupações dos pais poderiam ser abordadas e contornadas em sala de aula. Desvalorizou o trabalho de seus professores.
Medo e julgamentos apressados são inimigos da educação. Conselheiro Lafaiete os fortaleceu ao ceder tão facilmente à histeria. Ajudou o Brasil a se tornar mais tacanho.”
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