“Um antigo ‘faz-tudo’ do ex-ministro José Dirceu (PT) opera um banco com lastro falso de R$ 8,5 bilhões e percorre o Palácio do Planalto, a Esplanada e o Congresso fazendo lobby e oferecendo serviços em reuniões fora de agendas públicas. O Atualbank usa documentação falsa do Tesouro Nacional, tem ‘laranjas’ envolvidos na constituição e é ligado a um estelionatário condenado no Mato Grosso.
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CEO do banco, Fernando Nascimento Silva Neto, de 40 anos, acumula os negócios com sua atuação no PT. Filiado ao partido desde 2004, é dirigente da sigla na cidade de Brasília, ex-membro do diretório do DF e participou do processo eleitoral nacional da legenda, em 2019. Recentemente, passou a exibir prestígio na capital: posa com governistas, centrão e até opositores, ganhou título de doutor honoris causa de uma faculdade privada, publicou na revista do Superior Tribunal Militar e circula nos bastidores falando de tendências do governo.
O Atualbank diz ter um capital social bilionário. O valor é lastreado em uma suposta letra de crédito do Tesouro Nacional. Procurado, o Tesouro informou que o documento é falso e frisou que o uso deve ser objeto de investigação da Polícia Federal. Fernando Neto disse que o título “nunca foi utilizado e não tem funcionalidade alguma para a empresa”.
A ascensão do empresário coincide com o período em que ele ganhou das mãos de José Dirceu, em maio de 2018, uma procuração para representar o ex-ministro “em quaisquer repartições públicas federais, estaduais e municipais, inclusive no Ministério da Justiça, na Câmara e no Senado”, podendo nelas “requerer, alegar e assinar o que necessário for”.
A procuração foi assinada na véspera do dia em que Dirceu se entregou à Polícia Federal para cumprir pena no âmbito da Lava Jato. Fernando Neto gozava da estrita confiança do ex-ministro. Fazia as vezes de motorista e ficava responsável, por exemplo, por organizar a venda de livros de Dirceu durante coquetéis de lançamento. Em agendas públicas, permanecia ao alcance dos olhos do chefe para qualquer demanda.
Com a procuração, Neto pôde se cacifar na cidade como braço direito do ex-ministro. E passou a se anunciar como ‘assessor especial’, ‘amigo’ e até ‘filho de criação de Dirceu’, segundo relatos de pessoas que estiveram com o empresário em encontros partidários e privados.
A procuração só foi revogada mais de cinco anos depois, em setembro de 2023. Em nota, a assessoria de Dirceu informou que a revogação se deu depois de o ex-ministro “tomar conhecimento de indícios de que Neto estaria falando em seu nome”, mas não detalhou as circunstâncias que levaram ao rompimento.
‘Além disso, Fernando Neto não representa José Dirceu junto a empresários, políticos ou interlocutores’, disse a equipe do ex-ministro.
Na prática, não é exatamente um banco, mas uma empresa que informou à Receita Federal atuar com ‘consultoria em tecnologia da informação’, ‘administração de cartões de crédito’, ‘correspondentes de instituições financeiras’ e ‘consultoria em gestão empresarial’.
No site oficial, a empresa se anuncia como ‘parte de um grupo global de empresas, criado para assessorar e prestar serviços financeiros sofisticados e estruturados para alcançar metas ambiciosas’.
Enquanto procurador de Dirceu, Fernando Neto participou, como ele mesmo conta em Brasília, da ‘montagem’ do Atualbank, ainda em 2018. Entre setembro de 2017 e janeiro de 2020, foi comissionado do gabinete da liderança da minoria no Congresso. Deixou o posto para trabalhar no gabinete do deputado Paulo Guedes (PT-MG), onde permaneceu até 2023. Segundo o parlamentar, o servidor foi uma indicação da ‘assessoria da liderança do partido’, mas não se lembra de quem.
Apesar do vínculo formal com o gabinete do petista de Minas Gerais, a atividade principal de Fernando Neto era a operação de um escritório de advocacia e de contabilidade no Lago Sul, um dos bairros mais nobres de Brasília, com endereço em uma badalada quadra onde vivem ministro e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
‘Conheci num evento do PT quando cheguei para meu primeiro mandato, em 2019. Ele impressionapela fala, conversa muito bem. Foi se colocando à disposição, dizia ‘posso te ajudar em Brasília’. Demandei tão pouco que acabei exonerando ele’, contou o Paulo Guedes do PT…
O Atualbank usa como lastro de seu capital social uma Letra de Crédito do Tesouro Nacional da ‘Série Z supostamente emitida conforme uma lei de 1970 e que, hoje, teria valor de R$ 8,5 bilhões. A empresa informou à Junta Comercial de São Paulo que o documento está ‘no cofre da tesouraria’. No entanto, o documento é falso. Não existem letras do Tesouro da série Z emitidas na década de 1970.
Capital social é o investimento inicial de uma empresa feito pelos sócios por meio de bens financeiros ou materiais para o começo da atividade empresarial. O título bilionário falso foi relacionado como lastro do Atualbank em agosto de 2021, três anos após o início da ‘montagem’ da instituição por Fernando Neto…”
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