Um quarto de pensão no Leblon, na zona sul do Rio, era a casa de André Midani em 1957, dois anos depois que voltara da França. Por isso, o então diretor de promoções da extinta Odeon não pôde receber um rapaz de Juazeiro, na Bahia, que voltava ao Rio após passar alguns meses entre Porto Alegre e Minas Gerais. O impasse foi resolvido por Aloysio de Oliveira, então diretor artístico e companheiro de Midani na gravadora, que se ofereceu para que escutassem em sua residência o cantor que havia sido indicado por Dorival Caymmi.
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Sentado em um banco revestido de couro, Midani arregala os olhos para demonstrar o assombro que sentiu quando João Gilberto dedilhou os primeiros acordes de seu violão, na casa do amigo Aloysio de Oliveira. "Era a música que a juventude brasileira não tinha", ele recorda, e, em seguida, elenca boleros e artistas estrangeiros que compunham o panorama musical da época.
Desde que a Bossa Nova explodiu, Midani acompanhou de perto as movimentações de uma turma "de classe média, branca e que achava que trabalhar era para os outros", como ele analisa, retificando a observação segundos depois. "É bem verdade que muita gente trabalhou firme: o Tom (Jobim), o Menescal, a Nara (Leão), o Vinícius (de Moraes), que veio um pouco depois."
O olhar crítico e a intuição que o fizeram apostar na Bossa Nova, nos Tropicalistas e no rock nacional apontam, nesse momento, para Anitta. Midani trabalhou com a funkeira em 2015, no projeto Inusitado, quando reuniu no mesmo palco Arnaldo Antunes, Arlindo Cruz e Anitta. "Eu disse que ela poderia cantar tudo, menos funk", comenta, elogiando a cantora. "Ela é afinada, musical, com muitas qualidades. Lamento que o meu trabalho com ela tenha durado só duas noites."
Aos 85 anos, André Midani reflete sobre os caminhos da Bossa Nova ao longo dos últimos anos, o crescimento do sertanejo e o cenário atual da música popular brasileira. "Há uma falência, timidez, até falta de imaginação com Rio de Janeiro e São Paulo, que se acomodaram no que era a Bossa Nova. Quer cantar como o João Gilberto, tocar violão como o João Gilberto. São Paulo e Rio de Janeiro não têm mais grupos de rock dizendo alguma coisa de fato, por exemplo."