Contextualizando

Análise: "Ativismo e jornalismo, à luz do caso Pix"

Em 20 de Janeiro de 2025 às 18:00

Felipe Moura Brasil, no portal O Antagonista:

"O conteúdo da Instrução Normativa da Receita Federal impondo – antes do recuo do governo Lula – o fornecimento de dados sobre movimentações globais acima de R$ 5 mil (pessoa física) e R$ 15 mil (pessoa jurídica) é informação.

O vídeo de Paulo Guede defendendo tributação de transaçõe digitaisé informação.

São informações sobre condutas iguais de governos diferentes? Não. São informações sobre condutas diferentes, em torno de temas comuns.

Um defendeu tributação direta de transações digitais, casada com a redução de tributos sobre a folha de pagamento; outro instituiu norma para endurecer a fiscalização de transações, a fim de tributar sonegadores.

Registrar a distinção objetiva entre dois elementos é, também, informar.

É verdade que a informação e o conjunto de informações baseados em distinção ganham com frequência o nome de 'análise', mas esse termo é vago e banalizado o bastante para pressupor juízos de valor, não necessariamente emitidos no registro de uma ou mais distinções objetivas.

O juízo de valor é o julgamento resultante de uma avaliação subjetiva sobre comportamentos, ações, decisões e medidas, sob uma perspectiva moral.

Julgar se é correto ou incorreto, certo ou errado, bom ou ruim, melhor ou pior, algo, a defesa de algo, a forma de defender algo, a instituição em norma de uma medida, a decisão de instituir a medida em norma, a forma de reagir do governo e dos ativistas contra os críticos da medida pública, o endurecimento da fiscalização sobre contribuintes sem que tenha havido corte de gastos da União, etc., é formar juízo de valor sobre cada um desses elementos, isolados ou comparados.

A incapacidade de distinguir informação e juízo de valor é sintoma de analfabetismo funcional.

Nem todo ativista político é analfabeto funcional. Além dos raros casos de ativistas alfabetizados e com princípios, há também os semi e analfabetos morais, ou seja, ativistas cínicos que desprezam a moralidade e a coerência em sua hierarquia de valores, colocando acima ou em lugar delas a defesa do próprio grupo político, ou a oposição a grupos rivais e a quem quer que, em sua visão, forneça munição a eles, mesmo que a munição seja apenas informação verificável. Com efeito, esses ativistas só admitem e repercutem o jornalismo (não raro, sem crédito) sobre o lado contrário.

A questão não é binária. Nenhuma delas. Com frequência, diferentes graus de estupidez e imoralidade convivem em cada um desses ativistas, embora, geralmente, os analfabetos morais mais alfabetizados e/ou poderosos explorem e manipulem analfabetos funcionais, corrompendo a moralidade destes, radicalizando suas condutas e disseminando um cinismo automatizado.

É verdade que, no mercado da comunicação, além da eventual indistinção entre setores noticiosos, analíticos e opinativos, há profissionais e 'especialistas' que buscam dar ares de informação a seus juízos de valor, enviesando o noticiário e turbinando um dos maiores problemas do nosso tempo: a perda da base comum de realidade objetiva, que finca as discussões públicas em alicerces factuais – um problema que as ‘notas da comunidade’ do X, pontualmente, tem ajudado a mitigar, não sem resmungos da imprensa chapa-branca.

Mas as hostilidades a jornalistas em razão de informação publicada – e até distinguida de outras – sem qualquer juízo de valor, ou a patrulha contrária à sua publicação, são sintomas de um ativismo político autoritário, que, por estratégia ou automatismo, busca deslegitimar com ofensas e distorções determinadas fontes de conhecimento, para evitar ou desfazer a crença do público em notícias capazes de gerar desgaste ao seu grupo ou de reforçar uma posição adversária.

A função primordial do jornalismo é publicar informações relevantes do presente e do passado acerca de temas de interesse público, noticiando os fatos para que cada leitor, espectador e ouvinte saiba o que está acontecendo e o que aconteceu, e disponha de elementos para tomar decisões e formar juízos.

Em jornais, revistas, portais e programas radiofônicos e audiovisuais, embora haja análises que revelam ou resgatam informações, geralmente informações são publicadas ou exibidas primeiro em forma de notícia e somente depois, se relevantes, analisadas por colunistas e comentaristas, que ligam pontos, fazem distinções e eventualmente emitem juízos de valor, dando opiniões sobre elementos específicos e fazendo comparações entre eles.

É assim quando se noticia uma informação do dia; é assim quando se resgata uma informação antiga, à luz de qualquer assunto do momento.

Ativistas lulistas, no entanto, vociferaram contra quem ousou informar desde o começo, por dedução lógica, o que a imprensa amiga levou uma semana para reconhecer: que eventuais sonegadores, incluindo trabalhadores informais, seriam tributados, caso tivessem movimentações globais, inclusive via Pix, superiores aos limites então fixados em norma e entrassem, assim, no radar da Receita.

Ativistas bolsonaristas vociferaram contra quem ousou lembrar e exibir as próprias falas do então ministro da Economia do governo de Jair Bolsonaro em relação aos temas da tributação e das transações digitais, sobre os quais seus representantes se pronunciam agora.

O Antagonista, de um lado, respeita a inteligência do público que acompanha o portal, ciente de sua capacidade de formar juízo a partir de informações aqui publicadas, ainda que eventualmente seja um juízo provisório de quem espera a análise de nossos colunistas e comentaristas – como fizemos no Papo Antagonista – para chegar a uma conclusão. 

O Antagonista, de outro lado, despreza o cinismo de ativistas que atacam notícia com informações inconvenientes a seus grupos políticos, como se ela jamais devesse ter sido publicada ou tivesse obrigatoriamente de embutir juízos de valor do próprio ativista, para evitar que o público forme juízos inconvenientes a seu grupo – incluindo a eventual percepção de insinceridade ou hipocrisia sobre algum ponto específico – ou convenientes a adversários.

OAntagonista, ao longo de seus 10 anos, e eu, Felipe, em toda a carreira jornalística, sempre informamos e analisamos o que governos de turno dizem, fazem e deixam de fazer, e o que governos passados disseram, fizeram e deixaram de fazer, não só em coberturas de campanhas eleitorais, mas durante os mandatos, sobretudo quando defensores desses diferentes governos se digladiavam publicamente em torno de pautas relevantes.

Seguiremos assim, com esse mesmo trabalho, ampliando a nossa obra, doa a quem doer, em cima dos firmes alicerces dos fatos."

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