Contextualizando

Algumas breves considerações sobre genocídio, antissemitismo, Holocausto, nazismo, totalitarismo…

Em 23 de Fevereiro de 2024 às 20:00

Sem dúvidas, a fala do presidente Lula comparando a reação de Israel ao ataque de um grupo terrorista com os crimes praticados pelos nazistas contra os judeus, durante a II Guerra Mundial, é o assunto da semana que está se encerrando.

Pela repercussão, alguns termos que têm sido utilizados para tratar do assunto são abordados pela jornalista Catarina Rocha Monte no texto a seguir, em que aborda a postura da judia alemã Hannah Arendt na época do Holocausto:

“Após ser detida, por alguns dias, pela Gestapo, por colaborar com envio de documentos para uma organização de resistência ao nazismo, a jovem judia alemã Hannah Arendt se refugiou na França. Entre 1934 e 1940, antes de ir parar em um campo de detenção na própria França, do qual conseguiu fugir, Arendt trabalhou em uma organização que conduzia judeus do leste europeu para a região do futuro Estado de Israel.

Em 1943, quando já morava nos Estados Unidos, Arendt tomou conhecimento da existência dos campos de extermínio nazistas espalhados pela Europa. Aquilo era tão absurdo que não parecia crível. Mas era real. A pavorosa perversidade do assassinato em massa, desprovido de qualquer critério utilitário, com o único objetivo de degenerar a natureza do ser humano e gerar uma pilha de cadáveres parecia-lhe algo sem sentido, sem motivo, sem fundamentação. Com os campos de concentração, o mal parecia atingir uma proporção inédita.

Esse empreendimento macabro, com toda a sua organização racional e técnica, que tinha por objetivo destruir por destruir, exterminar por exterminar, esse mal que se configurava até mesmo para além do interesse pessoal de quem o perpetrava é identificado inicialmente por Hannah Arendt como o mal absoluto: ‘Se é verdade que, nos estágios finais do totalitarismo, surge um mal absoluto (absoluto, porque já não pode ser atribuído a motivos humanamente compreensíveis), também é verdade que, sem ele, poderíamos nunca ter conhecido a natureza realmente radical do mal’, escreverá Arendt no prefácio da obra ‘As origens do totalitarismo’.

Hannah Arendt, como boa pensadora, era rigorosa com os termos. O regime que tornou possível os campos de concentração (nazistas e soviéticos) era diferente das tiranias e das ditaduras. Sendo o regime totalitário uma forma de ‘domínio total’ e ‘a única forma de governo com a qual não é possível coexistir’, teríamos, segundo ela, ‘todos os motivos para usar a palavra ‘totalitarismo’ com cautela’.

À especificidade do regime totalitário relaciona-se também, para Arendt, a qualificação técnico-jurídica do genocídio como crime contra a humanidade.

A base inicial da tipificação deste crime, em texto internacional, encontra-se no ato constitutivo do Tribunal de Nürenberg, de 8 de agosto de 1945. Esse tribunal, criado para julgar e punir os grandes crimes de guerra dos países do Eixo, tinha competência e jurisdição, nos termos do art. 6.° do seu estatuto, em relação aos crimes contra a paz, os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade.

Enquanto crimes contra a paz e crimes de guerra já eram tidos como comportamentos ilícitos na perspectiva do Direito Internacional antes da II Guerra Mundial, ‘a concepção de crimes contra a humanidade, previstos no art. 6.° “c” do Estatuto do Tribunal de Nürenberg, procurava identificar algo novo, que não tinha precedente específico no passado; representava um primeiro esforço de tipificar, como ilícito penal, o ineditismo da dominação totalitária’, conforme explica Celso Lafer, no livro ‘A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt’.

Os princípios de Nürenberg foram oficialmente sistematizados pela Comissão de Direito Internacional da ONU, por solicitação da Assembleia Geral, em resolução de 1947. No que concerne ao genocídio, esses princípios converteram-se em norma internacional através da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, entrando em vigor em 12 de janeiro de 1951. Ali, a tipificação do crime de genocídio, no art. 2.°, estabelece nas letras “a”, “b”, “c”, “d” e “e”, os aspectos objetivos do comportamento ilícito, e no seu caput o aspecto subjetivo, que é a ‘intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso’.

Para Hannah Arendt, explica ainda Celso Laffer, ‘o genocídio, como crime, só pode ocorrer com base na lei criminosa de um Estado criminoso’. Não se trata de um crime qualquer que pode ser cometido por indivíduos isoladamente, mas um crime ‘estruturalmente ligado à gestão totalitária’, um crime que depende de uma estrutura de poder posta a serviço da perversidade e na qual o mal se converte em legalidade.

O genocídio ‘assume o ser humano como supérfluo’; ‘não é uma discriminação em relação a uma minoria, não é um assassinato em massa, não é um crime de guerra nem um crime contra a paz. O genocídio é algo novo’, é, para usar as palavras da própria Arendt ‘um crime contra a humanidade perpetrado no corpo do povo judeu’.

Armados dessa compreensão, podemos agora dimensionar a gravidade da crise diplomática iniciada por Luís Inácio Lula da Silva ao discursar fazendo analogia entre o holocausto e a resposta de guerra de Israel contra um grupo terrorista que o atacou e acusando Israel de estar perpetrando um genocídio, o que equivale a considerar Israel como um Estado criminoso, negando-lhe, consequentemente, o direito à existência…

Por fim, o Brasil não fez a menos questão de se retratar a fim de resolver a crise diplomática que Lula criou. Na verdade, a sua fala galvanizou o antissemitismo de esquerda, que, agora, mal sente a necessidade de se disfarçar.

Todas as tentativas de emenda do discurso de Lula saíram pior que o soneto…”

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