Contextualizando

A estranha defesa que intelectuais esquerdistas fazem do “cenário digital democrático” proposto para o Brasil

Em 18 de Setembro de 2024 às 17:56

Até que ponto os governos têm legitimidade para estabelecer critérios de regulamentação das redes digitais?

Qual o risco disso para o estado democrático de direito consagrado na Constituição do Brasil?

É uma questão que atrai os holofotes não apenas do Poder Executivo, mas também do Judiciário.

Economistas famosos como Thomas Piketty e Daron Acemoglu caem como patinhos na lorota de que o PT tem interesse em criar um “cenário digital democrático”, como explica o jornalista Carlos Graieb:

“Cerca de cinquenta intelectuais de esquerda, brasileiros e estrangeiros, alguns deles de renome internacional como Daron Acemoglu, Thomas Piketty, Mariana Mazzucato e Wolfgang Streeck, publicaram uma carta aberta nesta terça-feira, 17, para defender a ‘soberania digital do Brasil’. 

Segundo o documento, o confronto entre o governo Lula e o Supremo Tribunal Federal, de um lado, e o bilionário da tecnologia Elon Musk, de outro, tornou-se ‘o principal front no conflito global em evolução entre as corporações digitais e aqueles que buscam construir um cenário digital democrático e centrado nas pessoas, focado no desenvolvimento social e econômico’.

As ações do proprietário do X, dizem os intelectuais, são exemplos de como as big techs estão dispostas a sabotar qualquer país que busque sua ‘autonomia tecnológica’, manipulando conceitos como liberdade de expressão e, se necessário, apoiando partidos de extrema-direita e minando a democracia local.

‘Exigimos que as Big Techs cessem suas tentativas de sabotar as iniciativas do Brasil voltadas para a construção de capacidades independentes em inteligência artificial, infraestrutura pública digital, governança de dados e serviços de nuvem’, dizem eles. ”sses ataques minam não apenas os direitos dos cidadãos brasileiros, mas as aspirações mais amplas de todas as nações democráticas de alcançar a soberania tecnológica.”

Como todo manifesto, esse é privado de nuances.

Como todo manifesto de intelectuais, esse mostra os seus signatários abrindo mão do pensamento independente para prestar serviços a um grupo político.

Como todo manifesto de intelectuais de esquerda, esse sugere que partidos de esquerda que chegam ao poder são angelicais, não exercem jamais o poder de maneira corrupta ou truculenta e nem traem a democracia – como fez o PT no Brasil.

Francamente.

Não tenho intenção nenhuma de defender Elon Musk.

Mas quem olha a realidade brasileira sem lentes ideológicas sabe que a suspensão do X, além de não ser fruto de uma decisão ‘centrada nas pessoas’ (pois tratou os interesses de milhões de pessoas que nada tinham a ver com a briga como irrelevantes) foi o ponto culminante de um processo anormal e insalubre de concentração de poder nas mãos de Alexandre de Moraes e do STF. Toda concentração de poder precisa ser olhada com desconfiança – não apenas a das big techs.

Além disso, quem conhece o PT sabe que o partido tentou por diversas vezes criar órgãos de controle estatal da mídia e silenciar vozes de oposição. Sabe, portanto, que o partido não tem interesse em criar um ‘cenário digital democrático’, mas sim um cenário digital centrado em si mesmo e na preservação de seu poder.

O mais frustrante desse tipo de manifesto é ver intelectuais se encantarem porque Lula, nas palavras deles, ‘deixou claro a intenção do governo brasileiro de buscar independência digital: diminuir a dependência do país de entidades estrangeiras para dados, capacidades de IA e infraestrutura digital, além de promover o desenvolvimento de ecossistemas tecnológicos locais’. 

Tudo isso num país que reduziu em 7% a dotação orçamentária para Ciência e Tecnologia de 2023 para 2024. E que acaba de enviar ao Congresso uma proposta de orçamento para 2025 que causou indignação entre os cientistas, como revela uma nota da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência divulgada nesta terça-feira, 17.

Alguém aí duvida que o Brasil está prestes a se transformar numa potência da tecnologia digital, graças aos investimentos e à sensibilidade visionária do presidente petista? Está na mão.

Se depender das crenças estatista do PT – e de autores como Mazzucato, Streeck e Acemoglu – o Brasil jamais alcançará a tal soberania tecnológica. Mas pode, sim, ter um ambiente digital vigiado e controlado pelo Estado.

Não dá para relaxar.”

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