Agência Brasil
Em redes sociais, os chamados digital influencers, ou somente influencers, estão sempre felizes e pregam a felicidade como um estilo de vida. Essas pessoas espalham conteúdo para milhares de seguidores, principalmente no Instagram, rede de compartilhamento de fotos e vídeos, que permite aplicar filtros digitais nas fotos e compartilhá-los em outras redes sociais.
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Os influencers ditam tendência e estão sempre mostrando um estilo de vida sonhado por muitos, como o corpo esbelto, viagens incríveis, casas deslumbrantes, carros novos e alegria em tempo integral. Algo bem improvável de ocorrer o tempo todo, aponta a psicóloga Carla Furtado, mestre em psicologia e fundadora do Instituto Feliciência.
“A diferença entre a felicidade autêntica, legítima e real e a felicidade postada nas redes é abismal. Porque a felicidade, tal qual nós abordamos via psicologia positiva, é uma experiência intrínseca, interna, que pode, claro, ser manifestada, mas nada tem a ver com a ostentação de felicidade”, afirma a psicóloga.
A chamada psicologia positiva é o campo da psicologia que investiga a felicidade e os vários aspectos positivos da experiência humana.
A problemática pode surgir com a busca incessante por essa felicidade, que gera efeitos colaterais em quem consome diariamente a "vida perfeita" de outros. Daí vem o conceito de positividade tóxica: a expressão tem sido usada para abordar uma espécie de pressão pela adoção de um discurso positivo aliada a uma vida editada para as redes sociais, avalia a profissional.
O engenheiro mecânico Itamar Brandão Sangi, de 28 anos, disse que atualmente se sente atingido por essa positividade tóxica das redes. “Ao conversar com uma amiga sobre academia, ela me disse que eu nunca estou 100% satisfeito com o meu corpo, aí eu parei e pensei. Eu me considero uma pessoa com uma ‘cabeça boa’, mas mesmo assim fico um pouco insatisfeito por não ter um corpo parecido com aquele influencer”, reflete.
Carla Furtado explica que não é saudável tentar repetir o que se vê na rede. “Não é saudável repetir o que outra pessoa faz, seja uma celebridade ou uma pessoa da rede de convivências. Quando eu tento mimetizar [assumir a forma] o comportamento de outra pessoa, tornar o indivíduo o modelo que eu vou seguir, porque ele alcançou algo na vida que eu desejo alcançar, estou fazendo um caminho equivocado para me construir enquanto ser humano”, argumenta.
Formas de felicidade
A especialista explica que a felicidade tem alguns princípios similares para a humanidade, mas a forma de vivê-la é individual. “A gente tem quase oito bilhões de habitantes no planeta. A gente pode dizer que há quase oito bilhões de formas de se viver a felicidade, embora a gente tenha quase dois pilares em comum: uma vida com um pouco mais de emoções positivas do que negativas e a percepção de uma vida significativa e com propósitos.”
Itamar conta que não é todo o tipo de post que gera nele essa positividade tóxica. “Em relação à infelicidade por não poder visitar aqueles lugares paradisíacos que aquele influencer está, eu nunca senti esse sentimento, graças a Deus. Mas conheço pessoas que se sentem assim e ficam deprimidas”, relatou o engenheiro mecânico, que passa cerca de 4 horas por dia nas redes.
Ele conta que usa com mais frequência o Instagram, em seguida Facebook e o LinkedIn - redes em que acompanha vários influencers. “Acho impossível hoje em dia não ter uma pessoa que não acompanha algum influencer, independente do perfil ou da classe econômica.”
Uso racional
Para manter a saúde mental e evitar ser atingido pela positividade tóxica, o uso racional das redes sociais é o mais indicado, aconselha a médica psiquiatra Renata Nayara Figueiredo, presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr).
“O uso racional é o uso equilibrado, em que a pessoa tem outras fontes de prazer, de passatempo, de trabalho, que a pessoa consiga conviver com a família, que consiga praticar uma atividade física, que não se influencie pela vida da outra pessoa. E aí tem também a questão do tempo; se consegue fazer todas as coisas e usa a rede social tem aí um equilíbrio de tempo e de atividades ao longo do dia. É o equilíbrio do tempo e das atividades fora das redes. Agora, quando a pessoa está muito restrita, que sente falta, sente abstinência de ficar sem o celular na mão, este já não é mais um uso racional”.
A psiquiatra destaca ainda que desejar ter uma vida melhor não é o problema, mas sim acreditar que a felicidade só será alcançada quando realizar todos os desejos. “O problema é quando a gente projeta que a felicidade só vai vir quando a gente tiver uma casa maravilhosa, quando viver só viajando, quando tiver aquele carro, quando tiver um milhão de seguidores, por exemplo. Esse é o problema, desejar uma vida que é muito difícil ter e só depois que atingir todas essas metas que a gente vai ser feliz. Na verdade, a gente tem que ser feliz e seguir aos poucos melhorando.”
Transtornos mentais
Segundo Renata, as redes sociais podem oferecer gatilhos mentais para quem tem algum distúrbio ou transtornos psiquiátricos e agravar os sintomas. “A pessoa que já tem transtornos mentais são as mais vulneráveis, tem outros fatores de risco e a rede pode servir de gatilhos mentais para muitas coisas, por exemplo, nos transtornos alimentares, com comportamentos purgativos, de pacientes anoréxicos, ou bulímicos ”, alerta.
Ela exemplifica ainda com outros gatilhos. “Uma pessoa que está triste porque não conseguiu tal coisa e a outra pessoa está comemorando porque conseguiu, ou a pessoa que está triste e vê nas redes sociais só coisas boas; este também é um gatilho de um paciente deprimido ou ansioso”, complementou.
Influencers também sofrem
Quem está do outro lado também sofre, aponta a psiquiatra. “Os influenciadores sofrem de uma competição constante, ficam o tempo inteiro olhando quantas curtidas tiveram, quantos seguidores ganharam ou perderam. Às vezes, [o influenciador] não quer falar sobre um assunto e acaba tendo que falar porque os seguidores estão perguntando, então causa muita ansiedade, tristeza, medo de perder alguma coisa”, disse Renata.
A exposição também gera baixa autoestima, destaca a psiquiatra. “Posta uma foto que acha que está maravilhosa, uma foto cheia de retoques e filtros e sempre outra pessoa vai encontrar algum defeito, vai criticar. Aí gera o cyberbullying e a pessoa sofre, perde o sono e altera hábitos de alimentação na busca incessante por uma coisa que não é real. A vida do influenciador também não é fácil.”
A psicóloga Carla explica que a positividade tóxica afeta seguidores e influenciadores. “Todos nós perdemos: quem vai buscar replicar um comportamento e quem é alvo de uma clonagem simbólica de identidade também pode enfrentar muito sofrimento”, completa.
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