Redação
O Plano Real chega aos 30 anos como símbolo de uma moeda organizada.
Apesar do sucesso, o Brasil foi incapaz de aproveitar a chance que a estabilidade econômica deu para o pleno desenvolvimento do país.
É o que afirma, em editorial, o jornal “O Estado de São Paulo”:
“Ao completar 30 anos, hoje, o real resiste como o símbolo de uma visão moderna de país. Em maior ou menor grau, todos os que colaboraram para que a moeda cumprisse seu papel – representar uma economia estável e minimamente organizada, absolutamente necessária para que o Brasil desse o sonhado salto rumo ao pleno desenvolvimento – pareciam entender que o real era o ponto de partida, não de chegada. Conseguiram o milagre de fazer o País finalmente compreender que não se controla a inflação por mágica, e sim por meio de sacrifícios e de ampla concertação política. Não se muda um país só na base da vontade de um presidente. Todos precisam querer, e é por isso que o real funcionou e perdura: porque foi fruto de um consenso costurado pelas lideranças da época – com as exceções de praxe, especialmente o PT de Lula da Silva, que ainda hoje é o maior empecilho à estabilidade.
E recorde-se que, quando o real foi lançado, o Brasil era bem outro. Seu maior problema era a inflação, não apenas elevada, como incontrolável. De 1979 a 1994, o País havia adotado nada menos que 13 planos de estabilização, e a inflação média no período havia sido de 16% ao mês. Do congelamento de preços e tarifas até o traumático confisco da poupança, tudo já havia sido tentado para domar o dragão, sem sucesso.
Farta de tantas experiências malsucedidas, a sociedade estava habituada a remarcações diárias de preços nos supermercados e a pagar ágio sobre os produtos e serviços de que necessitava. Em junho de 1994, a inflação acumulada em 12 meses era de impressionantes 9.785%.
A conjuntura política não era melhor. O presidente Itamar Franco era considerado fraco, instável e incapaz de lidar com o Legislativo. Lançar um plano econômico nessas condições parecia uma sandice, ainda mais em um ano eleitoral. Não havia motivos para acreditar que, daquela vez, seria diferente.
Mas o Plano Real inovou ao mirar nas causas, e não nos sintomas da inflação. Houve, à época, um raro alinhamento das políticas fiscal, monetária e cambial. Foram medidas duras, custosas e que exigiram sacrifícios da sociedade, entre eles uma taxa de juros muito elevada, que atraiu o capital externo necessário para criar a âncora cambial.
A liderança do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso – o quarto no cargo desde que Itamar havia assumido o cargo –, foi essencial para convencer o presidente a não voltar atrás. O plano, de fato, era de difícil compreensão, e a articulação política do governo teve de atuar muito para persuadir o Congresso a não faltar com o seu dever.
As comemorações dos 30 anos do real relembraram esse contexto político e econômico no qual o sucesso era improvável. Mas a nostalgia daquele momento traz consigo um clima agridoce. O País ainda tem um enorme desafio a enfrentar na área fiscal, mas não se vê no horizonte algo remotamente semelhante ao que ocorreu naquele período.
Embora os políticos saibam que a população não tolera mais a inflação, a maioria não entendeu – ou finge não entender – a relação de causa e efeito entre a inflação e o gasto público. Como faltava a Jair Bolsonaro e a Dilma Rousseff, falta a Lula da Silva a convicção de que o desequilíbrio fiscal é um problema que precisa ser enfrentado. E como ocorria nos governos anteriores, não há, no atual Executivo, gente capaz de convencer o presidente de que a falta de responsabilidade fiscal prejudica, sobretudo, os mais pobres.
O plano de governo de Lula da Silva não passa de um amontoado de medidas populistas que não conversam umas com as outras e que só ampliam os problemas que supostamente visam a resolver. Seus posicionamentos mudam conforme o barulho das redes sociais e os ventos das pesquisas de popularidade. Falta um projeto de País que promova um crescimento sustentável e duradouro, e não voos de galinha que caracterizam a economia brasileira há tantos anos.
Falta aquilo que existiu no Plano Real: a clareza de que problemas sérios demandam soluções efetivas. Ironia das ironias, isso ocorreu em um contexto dos mais adversos, e o político que teve a coragem de liderar esse processo foi eleito e reeleito, em primeiro turno, para o cargo de presidente da República.”
LEIA MAIS
Opinião: "O verdadeiro responsável pela crise do Pix" Arthur Lira ministro da Casa Civil de Lula? Governo deve vetar projeto apoiado por Alfredo Gaspar Maragogi tenta reverter suspensão do turismo na "Lagoa Azul"