Avaliação do caso envolvendo o ministro Moraes: “Algumas semelhanças não são meras coincidências”

Publicado em 15/08/2024, às 18h15

Redação

O Supremo Tribunal Federal deu poderes inquisitoriais ao ministro Alexandre de Moraes.

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Esse é um dos pelo fato de colegas da corte se solidarizarem com ele.

É como entende o jurista Wálter Maierovitch, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo:

 

“Um pouco de cinzas da história ajuda a entender o último escândalo que envolve o ministro Alexandre de Moraes.

Também não surpreende o apoio dos seus colegas do STF, até porque concederam poderes inquisitoriais a Moraes, a violar a nossa Constituição, e confirmaram muitas das suas decisões.

Na basílica de Santa Maria sopra Minerva, no centro histórico de Roma, todas as atenções se voltam para a magnífica obra de Michelangelo, o “Cristo Ressuscitado”.

Por ironia do destino, num altar lateral e secundário da basílica está enquadrada uma pintura fake, encomendada por Tomás de Torquemada, que recebeu o título de ‘Grande Inquisidor’.

Parênteses: inquisidores, como se verifica pela história, têm vocação para falsificar e imaginar para perseguir. São plenos de cismas e não suportam ser contrariados pelos auxiliares.

Todos os visitantes dessa basílica-museu passam batidos pela pintura, mas naquele quadro está uma das raras reproduções da figura de Torquemada. Em óleo sobre tela, o frade careca aparece entre fiéis em adoração, diante de Maria com o menino Jesus. Ele encomendou a pintura, pois jamais assistiu ou participou da cena —até porque nasceu no ano de 1420 e faleceu em 1498.

Membro que presidiu o Conselho Superior da Santa Inquisição (órgão supremo para rever decisões de 23 tribunais da inquisição espalhados pela Espanha, Itália e América Espanhola), Torquemada exibe no currículo 2.000 condenações e 100 mil sentenças de morte.

De quebra, convenceu os reis católicos Ferdinando e Isabela a expulsar todos os judeus da Espanha.

Dada a sua paranoia aguda, não acreditava na conversão de judeus e muçulmanos ao cristianismo. Com isso, passou a investigá-los e persegui-los pelas redes sociais… ops, ops, por seus espiões.

No seu tempo, podia-se torturar para obter confissões. E Torquemada obteve confissões por torturas físicas e psicológicas.

Essa nefanda figura, pasmem, era filho de judeus. Um convertido hipócrita que, para mostrar a sua fé, precisava desviar a atenção para terceiros, apontados como hereges.

O poder de Torquemada aumentou quando virou Inquisidor-geral para Castilha, Leon, Catalunha e Valência, ou seja, todo o reino católico espanhol.

Rei, rainha e papa eram coniventes com Torquemada. E, lógico, ele tinha a conivência dos seus pares na Suprema Corte da Inquisição.

O próprio Torquemada escolhia os investigados, buscava os indícios, escutava os vizinhos, recolhia informes… e até a forma de se fazer o sinal da cruz poderia gerar desconfiança.

Tinha os seus hereges de estimação e critério pessoal para julgar, em especial judeus e muçulmanos.

Veio o mundo civilizado
Com a evolução e a separação entre Igreja e Estado, o procedimento inquisitorial foi substituído pelo processo acusatório.

Saiu-se das trevas! Surgiu o processo de partes, onde o julgador é figura imparcial e não pode investigar.

A função de investigar, promover a ação penal pública e comprovar a acusação, nos Estados civilizados, passou ao Ministério Público.

No Brasil, o processo penal segue o modelo acusatório. Como regra, existe uma fase preliminar de inquérito — e inquérito não é processo e nele não existe nulidade, mas podem surgir casos de abuso de poder e desvio de função.

O inquérito, presidido por autoridade de polícia judiciária, pode servir para sustentar uma denúncia apresentada, em juízo, pelo Ministério Público.

Atenção: inquérito criminal judicial é excrecência do tempo da Inquisição, quando a Santa Inquisição mandou à fogueira o filósofo Giordano Bruno (1600), que, tomado pelas chamas, teve força para fazer ecoar o último pedido: ‘Liberdade de pensamento a todos’.

Quando se verifica um magistrado do STF, com passagem pela presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), encomendando relatórios e dossiês com informes por ele mesmo selecionado, a fim de decidir e impor sanções como multa, apreensão de passaportes, verificação e bloqueios de contas, vem de pronto a lembrança do sistema inquisitorial.

A nossa Constituição republicana vem também à lembrança, a incluir as suas cláusulas pétreas de garantias individuais, como, por exemplo, ao justo e devido processo legal.

Não soa estranho ministros do STF saírem em defesa de um par. Afinal, várias decisões de Moraes, inclusive a manutenção da prisão de advogado com fundamento em fuga imaginada do país, foram confirmadas pelo colegiado, ou seja, por ministros pares de Moraes. Até habeas corpus foi negado, no referido caso.

A própria portaria do então presidente do STF Dias Tóffoli, aquela que deu poderes inquisitoriais a Moraes (e só faltou a colocação da estrela de xerife), foi referendada em sessão plenária da Corte.

Nessa portaria, deu-se interpretação extensiva ao Regimento Interno, a permitir poder de polícia, dentro do território nacional, ‘usque ad sidera, usque ad ínferos’, ou seja, até o céu e até as profundezas.

Pano rápido: algumas semelhanças não são meras coincidências.”

 

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