Gabriel Amorim*
O dia era 25 de outubro de 1970. Nas ruas de Maceió, multidões se formavam e todos os caminhos levavam para o jogo inaugural do Estádio Rei Pelé. Quem tomou a decisão de deixar a sua casa e seguir rumo ao novo palco do futebol em Alagoas não foi somente pelo momento histórico, mas sim porque contava também com um ingrediente especial: entrava em campo o Santos de Pelé.
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Tentar resumir a importância e o tamanho do maior jogador de todos os tempos parece difícil, mas há no dicionário uma palavra que consegue definir bem: Rei. O craque e camisa 10 da Seleção estava de volta ao estado junto da delegação santista para cruzar, pela primeira vez, os portões do estádio que recebeu seu nome e, desde então, virou o principal símbolo do futebol alagoano e já recebeu conquistas e momentos marcantes.
Engana-se quem pensou que seria uma inauguração qualquer. Para enfrentar o Peixe, foi convidada a Seleção Alagoana, com nomes como Dida, Zezinho e Zito. Quase 55 anos se passaram e as histórias que antecederam aquela data e outras que ganharam vida após o apito final entraram na memória do torcedor.
Às vésperas do Rei Pelé assinalar mais um capítulo em sua história, já que recebe a decisão entre CRB e Fortaleza, no próximo domingo (9), pela Copa do Nordeste, o TNH1 fez um resgate histórico para relembrar das principais lembranças do dia que Pelé arrastou milhares ao estádio, incluindo também os bastidores da partida que, até hoje, detém o posto de maior público já registrado nas arquibancadas do Trapichão.
A homenagem no nome
Se hoje a homenagem feita ao Rei do Futebol aparenta ser algo que foi planejada com antecedência e antes mesmo das obras darem início, não foi bem o que aconteceu. Na verdade, o batismo do nome do estádio foi decidido poucos meses antes da inauguração. De acordo com Lauthenay Perdigão, o Rei Pelé seria, na verdade, Governador Lamenha Filho, mas que teria mudado após o governante - assim como o mundo - ter ficado admirado com a Seleção após a conquista do tri da Copa do Mundo. O título consagrou o estilo brasileiro com as bolas nos pés.
Já que Pelé, aos 29 anos, estava se despedindo da camisa da Seleção, não tinha oportunidade melhor de homenageá-lo. A mudança do nome do estádio, é claro, ganhou as manchetes de todo o Brasil, já que era o único palco do país a levar o nome do atleta.
Em um registro original da maquete, ainda é possível ver que Lamenha Filho seria, realmente, o nome a ser homenageado. Confira:
Maquete do Estádio Rei Pelé | Crédito: Museu dos Esportes |
O dia da inauguração
A definição do Santos como um dos times que iria “virar” a chave do estádio pela primeira vez não foi difícil de ser tomada, já que aquela geração de Pelé encantou o país após empilhar uma série de taças, incluindo dois Mundiais, duas Libertadores, uma Recopa Sul-Americana, seis Brasileiros e dez Paulistas.
O deleite envolta do time da Vila era tanto que autoridades alagoanas chegaram a organizar um jantar com a delegação um dia antes da inauguração, no Clube Fênix Alagoana. A informação foi confirmada pelo Governo de Alagoas.
No dia seguinte, o sol tomou conta e o bom tempo aguardava a partida inaugural. Às 7h da manhã, os portões já estavam abertos e as catracas giravam para a entrada dos primeiros torcedores no estádio. “Eu, juntamente com meu irmão mais velho e minhas irmãs, chegamos lá (no Rei Pelé) às 7 horas da manhã para garantir lugar. Levamos bastante lanches para passar o dia todo esperando a hora do tão esperado jogo da seleção alagoana contra o Santos”, disse Nelson Costa, em entrevista ao História de Alagoas.
Dentro de campo, não deu para a Seleção Alagoana. O primeiro gol do estádio - e que deu início ao placar elástico de 5 a 0 da equipe santista - foi marcado pelo meia Douglas, aos 20 da primeira etapa. Os outros quatro foram marcados ainda no primeiro tempo: dois de Pelé (30’ e aos 42’) e outros dois de Nenê (38’ e 40’).
A seleção alagoana enfrentou o Santos de Pelé | Crédito: Museu dos Esportes |
Uma atuação de gala daquele que era considerado um dos melhores times do mundo na época. Por balançar a rede do Rei Pelé pela primeira vez, Douglas recebeu uma medalha de ouro.
Ficha técnica - Seleção de Alagoas 0 x 5 Santos
Polêmica do público
O governador de Alagoas na época, Lamenha Filho, e Pelé | Crédito: Acervo José Ronaldo |
Desde a inauguração do Rei Pelé, já existiam discussões sobre a real capacidade do estádio. Na época, quando a construção ainda estava em fases iniciais, a revista Veja chegou a divulgar que o estádio iria comportar cerca de 55,4 mil torcedores.
E a polêmica envolta do número começou logo na partida inaugural. Você já deve ter escutado por aí que o estádio chegou a receber um público de 100 mil. Esses dados não vieram por acaso. Na verdade, deriva da confusão feita pelos organizadores do Rei Pelé à época, que divulgaram a presença de mais que o dobro do previsto.
A contagem, no entanto, diz respeito aos números registrados pelas catracas instaladas na área de acesso às arquibancadas. Demorou para que os organizadores tomassem o conhecimento que, enquanto as pessoas deixavam o estádio após o apito final, o número continuava a ser contabilizado.
Depois foi divulgado que o Rei Pelé recebeu, aproximadamente, um público de aproximadamente 45 mil pessoas naquela partida. Esse segue sendo o maior número já registrado no estádio. Atualmente, a capacidade não chega a 20 mil.
Cadê a camisa de Pelé?
Camisa utilizada por Pelé no 1º tempo da partida | Crédito: Museu dos Esportes |
O público daquela partida inaugural não foi a única dúvida nos bastidores. O engenheiro responsável pela construção do Trapichão, Vinicius Maia Nobre, revelou, ao site História de Alagoas, uma situação que poucos conhecem envolvendo a camisa de Pelé.
Segundo foi noticiado, assim que o Santos desembarcou no estado, um major da Polícia Militar teria procurado os dirigentes da equipe para que lhe dessem a camisa utilizada por Pelé na partida para que fosse leiloada em prol da Cidade de Menores Humberto Mendes, que passava por momentos complicados na época. O pedido foi aceito.
Assim que acabou a partida e os jogadores se direcionaram para os vestiários, Vinicius Maia Nobre, que também assumiu o posto de coordenador do evento de inauguração, teria pedido a um terceiro para pegar a camisa com o Pelé para entregá-la ao coronel. Assim foi feito e o Rei a entregou.
No entanto, sem ainda ter recebido a camisa e muito menos ciente do combinado feito entre o engenheiro e um terceiro, o policial foi até o vestiário e conversou com o roupeiro da delegação santista, dizendo que estava ali para receber o que havia acertado. Foi nesse momento que ele ouviu que a camisa já havia sido entregue a outra pessoa e a solução foi entregar uma camisa suada de Pelé, utilizada no primeiro tempo.
O desentendimento só foi resolvido no dia seguinte, uma segunda-feira, quando o policial tomou conhecimento do mal-entendido e sugeriu a troca das camisas, acatada por Vinicius. Anos depois, o engenheiro decidiu doar a camisa utilizada por Pelé ao Museu dos Esportes. A outra que foi leiloada, no entanto, não há conhecimento de seu destino final.
*Estagiário sob supervisão
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