Folhapress
O uso de um teste genético em um hospital público de São Paulo evitou que 69,7% mulheres com câncer em estágio inicial de um grupo de 111 pacientes recebessem quimioterapia sem necessidade.
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Os resultados são de um estudo inédito no país feito pelo grupo Fleury e o Hospital Pérola Byington, do governo paulista, que será divulgado neste sábado (13) no congresso da Sociedade Brasileira de Mastologia.
Hoje, a recomendação médica padrão é prescrever quimioterapia para todas as mulheres diagnosticadas com tumores de 1 cm ou mais por causa da dificuldade de prever se o câncer vai evoluir ou não de forma agressiva.
No entanto, há uma década a literatura médica vem apontando que, com a ajuda de testes genéticos, é seguro e efetivo evitar a quimioterapia na maioria dos tumores iniciais de mama. Isso tem levado países como Reino Unido, França e Canadá a adotar esses exames em seus sistemas públicos de saúde.
No ano passado, um estudo do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos com 10 mil mulheres de seis países (EUA, Austrália, Canadá, Irlanda, Zona Zelândia e Peru)chegou às mesmas conclusões do grupo brasileiro: 70% das pacientes submetidas ao teste não precisaram de quimioterapia.
No Brasil, as pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde) foram submetidas ao exame genético Oncotype DX, que detalha o risco de agressividade do tumor de mama, possibilitando uma previsão sobre a resposta do câncer aos tratamentos disponíveis e uma decisão terapêutica mais adequada para cada caso.
Antes do teste, 109 de 111 mulheres estudadas no Pérola Byington, com idades entre 34 e 78 anos, tinham critérios clínicos para a quimioterapia. Após o exame, apenas 33 permaneceram com a indicação. O restante recebeu hormonoterapia, um tratamento menos agressivo, e radioterapia, caso necessário.
Foi o caso da dona de casa Avelina Gomes, 58, que recebeu o diagnóstico de câncer de mama em outubro de 2018. Na época, ela ouviu que, além da cirurgia, deveria passar por químio e radioterapia.
Mas, em janeiro, após retirar parte da mama, soube que faria o teste e, dependendo do resultado, talvez não precisasse da quimioterapia.
"Tinha fé que não ia precisar. O problema nem é perder cabelo, mas ficar sem imunidade durante o tratamento. Foi uma alegria saber que estava livre dele", conta.
Além da hormonoterapia, ela faria a primeira das 15 sessões de radioterapia na manhã desta sexta (12). "Depois disso, estarei zerada, se Deus quiser."
Segundo Luiz Henrique Gebrim, diretor do Hospital Pérola Byington, a tendência é fazer com que o tratamento oncológico seja específico e não generalizado, como no caso de infecções em que se oferece antibiótico para todo mundo.
"Sabemos que 30% dos casos de câncer de mama iniciais podem se agravar em dez anos. Então não dá para confiar só no exame que o patologista faz. O estudo molecular dá pistas se o câncer vai voltar ou não mesmo estando no início e sinaliza o que é melhor para o paciente usar como prevenção."
Além de poupar pacientes de efeitos colaterais, como fadiga, náuseas e perda de cabelo, evitar a químio gera uma economia para o sistema. Se Avelina e as outras pacientes do estudo tivessem feito quimioterapia, por um período de quatro a seis meses, o custo só com medicamentos teria sido cerca de R$ 400 mil.
"Há outros custos indiretos para essas mulheres e para o governo, como o tempo de deslocamento até o hospital para as sessões de químio, internações, falta ao trabalho e possíveis sequelas do tratamento. Isso tem um valor muito maior do que só o remédio em si", diz o médico.
O grande entrave é o custo elevado do exame genético: R$ 13 mil cada um. Ele não está aprovado no SUS e apenas algumas operadoras de saúde pagam por ele.
"A gente precisa de mais estudos econômicos para mostrar a relação de custo e efetividade para o sistema e ver o quanto seria possível pagar por ele. Ele precisa trazer beneficio não só para o paciente mas para o sistema financeiro do SUS."
O Hospital Pérola Byington atende cerca de mil novos de câncer de mama por ano. A indicação para o teste seria para mulheres com tumores iniciais, de até 3 cm, o que corresponderia a um universo de 40% das mulheres, ou seja, 400 mulheres por ano.
Segundo Edgar Rizzatti, diretor-executivo médico e técnico do Grupo Fleury, neste primeiro momento a prioridade é a continuidade dos estudos clínicos para atestar o benefício do teste na população brasileira. Ainda neste ano, o Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira) e a Santa Casa de São Paulo farão pesquisas semelhantes.
Ele afirma que questões como negociação para a redução de preços e uma adoção do teste pelo SUS poderão ser discutidas futuramente.
"Falar nisso agora seria atravessar o processo", diz ele. O teste é desenvolvido pela norte-americana Genomic Health e distribuído pelo Grupo Fleury no Brasil.
Há outros testes genéticos com a mesma função sendo comercializados no mercado, mas, segundo Rizatti, nenhum deles foi tão bem sucedido na validação analítica e clínica em larga escala e em estudos de economia da saúde, como ocorreu no Oncotype.
"São mais de 50 mil pacientes incluídas nos mais diferentes estudos clínicos feitos em vários países. Não é só um teste de diagnóstico. Ele permite a definição do melhor tratamento. É isso que tem levado os sistemas de saúde a adotá-lo."
Por uma questão estratégica de mercado, a empresa não divulga o número de testes feitos no setor privado.
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