Correio Braziliense
Com a promessa de lançar, ainda hoje, uma plataforma interativa para expor os números do novo coronavírus no Brasil, o Ministério da Saúde recuou em algumas restrições tomadas na última semana. A pasta anunciou, à tarde, em coletiva, que voltaria a informar os números totais de casos e óbitos pela covid-19, omitidos nos balanços diários pelo governo desde sexta-feira. Os últimos registros indicam que o Brasil tem, hoje, 37.134 mortes e 707.412 infectados com a doença. A manobra do ministério, no entanto, durou pouco. No fim da noite de ontem, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a pasta retomasse a divulgação dos acumulados no portal oficial.
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A liminar concedida por Moraes atende a ação apresentada pelos partidos Rede Sustentabilidade, PSol e PCdoB contra a “manipulação estatística do governo Bolsonaro”, diz o texto. “A retenção dessas importantíssimas informações inviabiliza o acompanhamento do avanço da covid-19 no Brasil, além de atrasar a correta implementação de política pública sanitária de controle e prevenção da doença”, argumenta a ação. Na decisão, o ministro deu prazo de 48 horas para que a Advocacia Geral da União (AGU) prestasse as informações “que entender necessárias”.
Também, ontem, o Ministério da Saúde informou que pretende atualizar o boletim diário às 18h. “Se nós conseguirmos resolver os problemas de ordem técnica, a gente consegue receber todos os dados, conforme o combinado, até as 16h de Brasília, e divulgar os dados até as 18h”, informou o secretário-executivo, Élcio Franco. Segundo ele, a decisão foi pactuada com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Desde a última quarta-feira (3), o boletim tem sido reportado por volta das 22h por orientação do presidente Jair Bolsonaro, estratégia para atrapalhar a rotina dos noticiários, como revelou o Correio.
A principal mudança do novo modelo é a contagem de casos e mortes por data de ocorrência. Até o momento, a pasta divulga os registros inseridos no sistema nas últimas 24 horas, independentemente de quando ocorreram. “Em um primeiro momento, a gente vinha trabalhando com a data de notificação, mas ela prejudica a análise. Nossa intenção é trabalharmos com a data de ocorrência da morte. À medida que a gente conseguir estabelecer o sistema com os dados de estados e municípios, vamos conseguir verificar a curva com a sua evolução real”, ressaltou Franco.
O diretor do Departamento de Análise de Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis, Eduardo Macário, garantiu que os dados de mortes que ocorreram em dias anteriores, mas que forem confirmados daqui para frente, estarão disponíveis para o público. O ministério ainda afirmou que os usuários da nova plataforma conseguirão visualizar quantas mortes foram notificadas no dia e a que data se refere cada óbito.
Segundo Franco, a mudança é uma tentativa de melhoria na forma de comunicação e, com isso, a pasta busca a integração e concentração das informações para tornar mais “amigável” o acesso dos gestores e profissionais de saúde e da população aos dados. “Nós temos a intenção de que a plataforma seja liberada amanhã [hoje], a menos que haja algum problema técnico que nos impeça de operacionalizar”, disse. Segundo o secretário, não há intenção, por parte do Ministério da Saúde, em recontar o número de casos e mortes.
Confusão
A sequência de desinformações foi definida como “confusão” pelo diretor executivo do Programa de Emergências em Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), Michael Ryan. Para ele, a divulgação de dados coerentes e transparentes por parte do governo brasileiro é uma premissa necessária para o enfrentamento ao novo coronavírus no Brasil. “Confiamos que qualquer confusão atual possa ser resolvida e que o governo brasileiro e os estados possam continuar proporcionando dados de forma coerente, transparente para seus próprios cidadãos para que essa pandemia possa chegar ao fim o mais cedo possível”, disse, ontem, em coletiva.
Para o coordenador de Pesquisa da Transparência Internacional Brasil, Guilherme France, o posicionamento do governo federal “coloca, mais uma vez, em xeque a credibilidade do Brasil perante a comunidade internacional.”
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou que a comissão mista do Congresso criada para acompanhar a crise do novo coronavírus usará os dados fornecidos diretamente pelas secretarias. “É urgente resgatar a credibilidade das estatísticas. Um ministério que tortura números cria um mundo paralelo para não enfrentar a realidade dos fatos”, criticou, ainda, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
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