'Quer ver meu p..?': votos do julgamento de Gabigol mostram xingamentos do jogador

Publicado em 24/04/2024, às 09h33
André Durão/ge -

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Pelo placar de 5 votos a 4, Gabigol cumpre suspensão de dois anos desde o julgamento do dia 25 de março no Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD). O acórdão - ou seja, a decisão em colegiado do tribunal - mostra os votos divergentes entre os nove auditores, que foram unânimes, porém, ao identificar tratamento "grosseiro" e "rude" do jogador do Flamengo.

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O ge teve acesso ao acórdão de 42 páginas e conta detalhes e argumentos dos votos de cada auditor. Os cinco votos a favor da condenação se basearam no que o presidente do TJD-AD classificou como "somatório de quatro condutas de desconformidade" de Gabigol, que "não deixa dúvidas sobre uma intenção de impedir a coleta e de afetar ou impossibilitar a análise da amostra".

O voto do presidente do tribunal, João Antonio de Albuquerque e Souza, foi o último e decidiu a condenação de Gabriel.

Entre os quatro votos contrários à suspensão, está o da vice-presidente do tribunal, Selma Fátima Melo Rocha, que apontou depoimentos "repletos de contradições e que tiram toda a credibilidade" dos coletores da Associação Brasileira de Controle de Dopagem.

Os argumentos pela condenação - O relator do caso foi Daniel Chierighini. Ele aborda a conduta de Gabriel Barbosa "no processo da amostra da urina", relatando da seguinte maneira:

O relator ressalta também o comportamento de Gabriel Barbosa, alertando que a conduta "pode militar em desfavor dos atletas", mas segue o voto citando a "notificação do atleta". A defesa mostrou as câmeras de segurança com a chegada de Gabriel ao CT do Flamengo às 7h52, quase uma hora antes dos coletores da ABCD. Os representantes do jogador também alegam que Gabigol estava na fisioterapia, por isso não poderia fazer os exames de sangue e de urina naquele momento.


O relatório dos coletores ainda observa "lapsos relevantes" na chamada "escolta do atleta" - ou seja, houve momentos, de acordo com os oficiais-coletores, nos quais o jogador não teve acompanhamento dentro das atividades do dia, o que seria necessário para evitar burla às regras antidopagem.

O voto do relator foi seguido pelo auditor Alexandre Ferreira, que destacou:

O auditor Martinho Neves Miranda entendeu que "nenhum depoimento ou prova trazido pela equipe que defendeu o atleta foi capaz de infirmar a narrativa oficial, que goza de presunção de legitimidade, por se tratar de órgão público":

O auditor Vinicius Loureiro Morrone selecionou trechos dos autos que mostraram, mais explicitamente, o comportamento considerado grosseiro do jogador do Flamengo:

O voto que desempatou e decidiu a condenação de Gabigol foi do presidente do TJD-AD. João Antonio de Albuquerque e Souza, que começou destacando: "O ônus de comprovar essa conduta intencional incumbe à organização antidopagem, no caso, a ABCD e a Procuradoria, e não cabe ao atleta o ônus de produção de prova negativa".

As quatro condutas consideradas em desconformidade com as regras antidopagem, para o auditor, foram as seguintes:

Sobre este ponto, o presidente destacou: "Considerando que os procedimentos de coleta estavam prontos desde as 09h daquele dia, houve uma demora de mais de 4 horas para a coleta de sangue e de mais de 5 horas para a coleta da urina. (...) Sobre a conduta dele de ignorar completamente os DCOs antes do treinamento e de ir, diretamente ao treino, sem nem ao menos dar uma satisfação do motivo da sua demora, resta claro que o atleta descumpriu com o procedimento internacional de testagem."

Outro apontamento feito pelo auditor: "Entendo que ocorreu um segundo descumprimento do atleta ao padrão internacional de testagem. Afinal, o atleta evitou os oficiais de controle antes do treino, depois do treino e antes de ir para o almoço e depois do almoço ao ir para o alojamento. A amostra de urina foi coletada mais de cinco horas após o início da missão. A demora em fornecer a amostra de urina não seria um problema se o atleta estivesse escoltado durante todo o tempo desde a notificação sobre o teste. Mas, uma vez comprovado que a escolta não foi integral, essa demora de mais de 5 horas passa a ser encarada de outra forma, como um descumprimento imputável ao atleta".

A anotação do presidente do tribunal no voto observa o seguinte: "O oficial responsável pela coleta de urina foi claro ao responder que conseguiu analisar a urina saindo da uretra do atleta de forma parcial por conta de uma conduta do atleta de ficar de costas e de não abaixar devidamente o calção e cueca até os joelhos e não levantar a camiseta. A testemunha referiu que o atleta ficou dificultando o procedimento como um todo, como quando pegou o vaso coletor e se dirigiu ao banheiro sem sequer ter informado o DCO de que iria fazer a coleta. O atleta tinha conhecimento de que deveria permitir ao DCO a visualização da sua genitália e, mesmo assim, procede de modo a ficar de costas, impedindo uma melhor observação. Aqui, não é necessário maiores divagações para um convencimento de que tal conduta de ficar de costas também se trata de um terceiro descumprimento do padrão internacional de testes".

Neste último ponto, o presidente afirma: "O atleta não pode deixar o vaso coletor com a sua amostra de urina e retornar ao banheiro para acabar de urinar. Tal conduta restou muito bem comprovada com a juntada do vídeo pela defesa do atleta. No vídeo, não há qualquer dúvida de que o atleta deixa o vaso coletor sobre uma mesa, vira de costas para a sua própria amostra e retorna ao banheiro, de tal forma que a sua amostra de urina fica aberta e abandonada por completo. Mais uma vez, por esse quarto fato, a conduta do atleta estava em desacordo com o padrão de internacional de testes".

Posteriormente em seu voto, o presidente do tribunal destaca que, se cada conduta fosse julgada de forma isolada, "a tentativa de fraude, muito provavelmente, não estaria configurada. Contudo, é preciso entender que essas 4 condutas foram praticadas por um mesmo atleta no mesmo procedimento de coleta. Logo, o somatório dos 4 pontos, quando analisados em conjunto, não deixa dúvidas sobre uma intenção de impedir a coleta e de afetar ou impossibilitar a análise da amostra. Não é possível entender como normal que um atleta selecionado para teste de dopagem se apresente para a realização quando ele bem o desejar. Não é assim que funciona o sistema que tem como objetivo defender e proteger os próprios atletas dos seus pares que buscam trapacear."

Os argumentos pela absolvição - A vice-presidente do tribunal, Selma Fátima Melo Rocha, abordou o que ela considerou contradições nos depoimentos dos coletores. Ela foi mais longe e disse que era "evidente" que os oficiais da ABCD estavam mentindo em depoimento, que deveria ser "totalmente descartado". Acusou também os coletores de "comportamento malicioso para incriminar" o jogador a "qualquer custo".

A auditora Fernanda Farina Mansur observou "a dificuldade de elucidação de como realmente transcorreram os fatos naquele dia", porque enxergava "série de dúvidas e depoimentos que se contradizem" e tornavam complicada "a tarefa de ter certeza - ou ao menos, uma convicção forte - do que de fato ocorreu".

Ela cita incongruências dos depoimentos dos oficiais enviados. Um deles disse que tinha visto Gabigol chegando ao CT com necessaire - o que foi desmentido pelas imagens de segurança do local. "Outro ponto confuso" foi a escolta do atleta, pois em formulário constava um nome, mas no depoimento o oficial disse que "não participou" da coleta de Gabigol. O momento em que o jogador vai ao quarto e fecha a porta também pareceu inconclusivo para a auditora:

O auditor Jean Batista Nicolau disse "não ter dúvidas" de que o procedimento de coleta "aconteceu com percalços". Notou "incômodo" de Gabigol por se submeter a controles reiterados de doping e "não identificou arrependimento" de conduta do jogador - tratou com "menoscabo e pouco decoro" os fiscais da ABCD.

No entanto, ele não vê ocorrência de fraude ou tentativa de fraude, pois, apesar de ter agido para "vilipendiar os fiscais", "não (viu Gabriel) com a especifica finalidade de fraudar o procedimento e, desse modo, tirar vantagem dessa conduta", afirmou o auditor que votou pela absolvição.

O voto de Ivan Pacheco também aponta "muitas contradições nos depoimentos dos Oficiais de Controle de Dopagem quanto ao seguimento e obediência dos Padrões Internacionais de Coleta do exame do aludido atleta". Ele também fez suspeições sobre a isenção de falhas do processo.

Ele ainda conclui:

Próximos passos - Após a punição no TJD-AD, a defesa de Gabigol entrou na Corte Arbitral do Esporte (CAS) no início de abril com pedido de efeito suspensivo para dar condições de jogo ao atacante do Flamengo.

Na terça-feira, o tribunal com sede na Suíça decidiu os três árbitros que julgarão o pedido. Não há data marcada e as partes serão notificadas do resultado de forma oficial pela secretaria do tribunal. A defesa do jogador, que está confiante na obtenção do efeito suspensivo, prevê que a definição saia no fim de abril ou no início de maio.

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