Redação
Um cálculo rápido levando em conta apenas dois grandes projetos pagos com recursos públicos – a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 – revelam o rombo no bolso do contribuinte deixado pela má gestão do dinheiro público. Foram R$ 63 bilhões desperdiçados nos dois eventos, numa espiral de desperdício do erário, coroada pela Operação Lava Jato, que até agora já contabiliza R$ 6,4 bilhões apenas em propina. Até o momento, essa conta é paga, todos sabem, pelo bolso do contribuinte, do cidadão que paga seus impostos religiosamente. Mas isso pode mudar.
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Em meio a propinas milionárias, malas e cuecas abarrotadas de dinheiro público, ganha corpo a discussão da exigência do seguro-garantia nos contratos de obras públicas, que depende de alterações na chamada Lei Geral de Licitações. E o nome, “Garantia” não é à toa. Nos Estados Unidos, chamado por lá de “performance bond”, esse tipo de seguro tem dado a certeza ao poder público e ao cidadão de que a obra vai terminar no prazo e no preço contratados.
A proposta, defendida dentro e fora do mercado de seguros, é analisada no Congresso Nacional, mas com pontos a serem ponderados e debatidos. E para fomentar essa discussão, o TNH1 ouviu especialistas, de dentro e fora do mercado de seguros, mostrando que a o seguro-garantia pode se revelar um gigante no combate ao desperdício de dinheiro público.
O QUE TRAMITA NO CONGRESSO NACIONAL?
A implantação do seguro-garantia nos processos licitatórios tramita no Congresso Nacional, e uma das principais argumentações é justamente o combate ao desperdício de dinheiro publico.
Tramita na Comissão Temporária de Modernização da Lei de Licitações e Contratos, o Projeto de Lei 6814/17, do Senado, que estabelece que os contratos tenham seguro de até 30% do valor de obras de grande vulto, acima de R$ 100 milhões. Contratos menores esse percentual seria de 20% do valor do contrato.
→ TRAMITAÇÃO: No último dia 15 de agosto foi criada comissão especial para analisar o projeto.
Clique AQUI e acompanhe a tramitação.
Proposta semelhante ao modelo americano do performance bond, tramita no Senado. O Projeto de Lei do Senado 274/2016, do senador Cássio Cunha Lima (PB), prevê a obrigatoriedade do seguro garantia em contratos públicos com valor global igual ou superior a dez milhões de reais, cobrindo a totalidade do valor do contrato.
→ TRAMITAÇÃO: A proposta encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça; o senador Wilder Morais foi designado relator. Clique AQUI e acompanhe a tramitação.
CONSULTA PÚBLICA - O portal E-Cidadania, do Senado, disponibilizou uma consulta pública para ouvir a sociedade sobre o projeto 274/2016. Qualquer cidadão com acesso à internt pode votar, bastando está logado pelo Facebook ou Gmail.
Até o o fechamento da matéria, a grande maioria apoiava a proposta. Clique no botão abaixo e dê sua opinião.
PERFORMANCE BOND - O MODELO AMERICANO
A adoção do performance bond, ainda gera discussões. Para entender melhor, o TNH1 ouviu o jurista Modesto Carvalhosa, autor dos livros “Considerações sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas” e “O Livro Negro da Corrupção”. Especialista em Direito Comercial, e um dos maiores defensores da “importação” do modelo americano, Carvalhosa redigiu o projeto de autoria de Cassio Cunha Lima.
Em entrevista ao TNH1 – assista no vídeo abaixo - Carvalhosa detalha os principias aspectos da adoção do seguro nos projetos de obras públicas.
Seguradora atuaria da licitação à execução da obra - Carvalhosa destaca que o seguro institui um terceiro ator no processo de licitação e execução de uma obra pública: a seguradora, que se torna um ente fiscalizador, fora do estado.
“A seguradora, antes de assinar o contrato da obra, examina as condições econômicas, financeiras da empreteira que licitou a obra. Através de auditorias externas, a seguradora examina o projeto básico da obra para ver se obra é viavel no preço que foi estabelecido como base para a licitação. Dessa forma, a seguradora tem dois elementos fundamentais: uma obra consistente e uma empreiteira capaz de realizá-la tecnicamente, financeira e economicamente” explica.
“A partir daí, durante a obra, a seguradora tem uma fiscalizçaão permanente para verificar os fluxos financeiros da entrada dos recursos vindos do poder público para a realizaçaõ do projeto (...) fiscaliza sobretudo a questão das medições da obra contratada para ver se estão sendo cumpridos prazos e materiais de qualidade, se o valor proposto corresponde à dimensão da obra realizada em suas diversas etapas”, acrescenta.
INTERLOCUÇÃO GESTÃO PÚBLICA X EMPREITEIRAS
Para Modesto Carvalhosa, um ponto axial na adoção do seguro em obras públicas seria o fim da interlocução do poder público com empreiteiras. Uma relação que tem se mostrado pouco confiável.
Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), atualmente, 199 empresas figuram na Relação de Inidôneos, ou seja, licitantes declarados inidôneos para participarem de licitações realizadas pela Administração Pública Federal.
“O performance bond impede a corrupção à medida que em que a seguradora, ao incluir-se no contrato, quebra a interlocução, e se torna a fiscalizadora de todo o contrato.
OBRA NÃO É CONCLUÍDA OU É PARALISADA, E AGORA?
Um momento comum, pelo menos no Brasil. Obras inacabadas, ou que não com cumpre com o prometido. O que aconteceria caso possuíssem o seguro-garantia?
Modesto Carvalhosa aponta quatro possíveis saídas (infográfico abaixo). As três primeiras, segundo o jurista, são saudáveis para o poder público e para a sociedade. A última opção – quando a seguradora tem que pagar pela não realização do projeto – segundo Carvalhosa, nunca aconteceu em mais de um século de adoção do performance bond. “Sempre se encontra uma solução negociada, com as opções anteriores”, garante.
ESCOLA NACIONAL DE SEGUROS
Para especialista, seguro onera, mas vantagens compensam
A reportagem buscou informações também na Escola Nacional de Seguros. Celeiro de pesquisa e conhecimento no setor de seguros.
Em entrevista ao TNH1, o corretor e professor Bruno Kelly responde à pergunta que não quer calar. O seguro-garantião não oneraria os já inflados orçamentos das obras públicas?
Kelly não nega que sim. Mas como toda ação preventiva de combate a corrupção, neste caso, também é necessário não se pensar a curto prazo. E lembra: atualmente os preços são inflados, entre outros motivos, para alimentar a corrupção, o enriquecimento ilícito!
Um dos ganhos significativos, aponta o especialista, seria a redução drástica ou até exclusão dos famosos aditivos, que é um procedimento que formaliza alterações em contratos, mas que, na prática, resultam em prorrogação de prazo e elevação de custos.
“O seguro, sem dúvida, onera o orçamento. Mas a gente parte do princípio de que você vai ter uma certa moralização. Pois hoje temos uma série de aditivos e esperamos que esses aditivos sejam minimizados ou até excluídos da operação”, alerta.
“O seguro transfere a responsabilidade da fiscalização para uma companhia de seguros. Hoje temos uma grande incerteza sobre o que vai acontecer se o combinado não for cumprido. Hoje não se sabe exatamente como é que fica, é uma grande lacuna. Com a matriz de risco a gente espera que isso seja resolvido. Ou seja, a gente está especificando as responsabilidades pelo atraso”, acrescenta.
Ele aponta alguns motivos para os altos preços da obras públicas atualmente. “Obra pública tem o orçamento já inflado? Tem. Mas não deveria. Por dois motivos: Nos últimos 15 anos o governo passou a ser ‘bom pagador’. Mas hoje os preços são inflados pela questão da corrupção, do repasse de verbas para alimentar enriquecimento ilícito”, disse.
Primeiro planejamento, depois empreiteira
O professor destaca a inversão nas fases de realização das obras, como mais um argumento importante na defesa do seguro-garantia. Atualmente, primeiro se pensa nas empresas, para depois discutir o projeto.
“Uma coisa importante é a inversão das fases. Hoje se apresenta a habilitação das empresa, para mostrar se ela tem a capacidade técnica e operacional para executar determinada obra, depois vai discutir preço. A ideia dessa reforma é que se inverta isso. Primeiro se vai apresentar e avaliar o projeto como um todo, depois é que vai ser ver se as empresas têm condições de colocar aquele projeto em prática ou não”, teoriza o professor.
Mas o professor alerta: a corrupção depende prioritariamente de valores como ética e moral, mas que o seguro-garantia cria sim obstáculos significativos para desvio de dinheiro público e corrupção.
“Corrupção é uma questão de ética e moral. Não é uma lei que vai acabar com a corrupção. Mas sem dúvida nenhuma esse instrumento [o seguro-garantia] ajuda na medida que cria uma dificuldade maior para que haja desvio de verba publica em gastos com grandes obras. Nesse sentido essa reforma [na Lei 8.666] pode ser importante sim”, teoriza.
O Mercado está preparado?
O professor Bruno Kelly responde a uma segunda pergunta importante sobre o seguro-garantia. O mercado está preparado para uma possível demanda gigantesca do setor público de infraestrutura?
“Esse nicho de mercado já existe. Ele teve um boom, que ocorreu na época da pré-Copa e pré-Olimpíada, onde as grandes obras públicas de infraestrutura para receber esses dois grandes evento. O mercado está preparado sim para receber essee aumento de demanda. Nunca é demais lembrar que existe a Segurobras, uma seguradora nacional que foi criado com esse objetivo apesar de não está operacional”, afirma Bruno Kelly.
“MINHA CASA, MEU SEGURO” - Ministério das Cidades prepara projeto piloto
A adoção do seguro-garantia ganhou este ano um aliado de peso. Durante participação na 8ª Conferência Brasileira de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (Conseguro), o ministro das Cidades, Bruno Araújo, anunciou a criação de um Grupo de Trabalho voltado à implementação do seguro de obras no Ministério das Cidades.
Para o ministro, programas como o ‘Minha Casa, Minha Vida”, terão, com a implementação do seguro, prazos de entrega cumpridos. Em alguns casos, a imprensa já noticiou atrasos de até 5 anos na entrega dos imóveis do programa.
“Dentro de 60 a 90 dias, iremos iniciar a elaboração de um plano, para que o Seguro possa ser implementado em 2018”, afirmou o ministro, no Conseguro, realizado no Rio de Janeiro.
“A ideia principal é que a seguradora fizesse o monitoramento da obra, fiscalizando a qualidade”, frisou o ministro.
Ele reafirmou ainda a meta de contratação de 610 mil unidades habitacionais do MCMV sendo 170 mil na modalidade Faixa 1, para famílias com renda mensal de R$ 1,8 mil. “Retomamos 40 mil unidades, e hoje trabalhamos para cumprir a meta estabelecida no início de 2017. Nos orgulhamos de não termos nenhum empreendimento com pagamento atrasado”, concluiu.
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