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Quem é a 'rainha da cetamina', acusada de fornecer droga a Matthew Perry

| 16/08/24 - 21h08
| Foto: Foto: Reprodução/Redes Sociais

Promotores nos Estados Unidos divulgaram detalhes sobre a rede criminosa que forneceu cetamina ao ator Matthew Perry, astro do seriado Friends que morreu de overdose em outubro do ano passado.

Apelidada de "Rainha da Cetamina" por promotores públicos americanos, a traficante Jasveen Sangha é uma de cinco pessoas que foram apontadas como fornecedoras da droga para Perry — explorando seu vício em drogas em troca de lucros, e levando a sua morte por overdose.

Sangha enfrenta nove acusações, incluindo conspiração para distribuir cetamina e distribuição de cetamina que resultou em morte.

Com dupla cidadania britânica e americana, Sangha compareceu a um tribunal nos Estados Unidos na quinta-feira (15/8) e declarou-se inocente.

Seu pedido de fiança foi negado por autoridades americanas e ela vai seguir em custódia até seu julgamento em outubro.

O indiciamento alega que foi a distribuição de cetamina por Sangha no dia 24 de outubro que provocou a morte do ator.

A cetamina é um anestésico com efeitos alucinógenos, segundo o departamento anti-drogas dos Estados Unidos (DEA, na sigla em inglês). A droga altera a percepção da visão e som e faz com que as pessoas se sintam desconectadas e sem controle.

Ela é usada como anestésico injetável em humanos e animais, porque tem a capacidade de fazê-los se sentirem desconectados da dor e do ambiente ao seu redor.

A substância só pode ser administrada por médicos. Pacientes que são submetidos a esse tratamento precisam de acompanhamento por causa dos potenciais efeitos nocivos.

Sangha é acusada de fornecer cetamina desde 2019. Sua casa no norte de Hollywood foi descrita por promotores americanos como um "empório de venda de drogas".

Mais de 80 frascos de cetamina foram encontrados na busca, junto com outras milhares de pílulas, que incluíam metanfetamina, cocaína e Xanax.

A casa foi apelidada de "Estoque de Sangha" no indiciamento. É ali que ela empacotava e distribuia os entorpecentes, segundo os investigadores.

Segundo o indiciamento, ela vendia apenas para celebridades e pessoas ricas.

Enquanto isso, ela vivia uma vida de ostentação nas mídias sociais. Sangha tinha amigos famosos e, segundo um depoimento ao jornal Daily Mail, esteve presente em cerimônias do Oscar e do Globo de Ouro.

Pouco depois da overdose de Perry, ela publicou fotos de sua vida luxuosa, com viagens e festas no Japão e México.

No dia anterior a ser presa, fotos em suas redes sociais mostravam que ele havia ido ao cabeleireiro e pintado suas unhas de roxo.

Os promotores dizem que Sangha começou a fornecer cetamina a Perry depois que outro acusado no caso — o médico Salvador Plasencia — ficou sabendo que o ator estava interessado na droga, e encomendou a substância junto a Mark Chavez, outro médico acusado no caso, que tinha uma clínica que tratava pacientes com cetamina.

Eles dizem que Plasencia ensinou o assistente de Perry, Kenneth Iwamasa, a injetar a droga no ator. Iwamasa, que morava na casa de Perry, como empregado, também foi indiciado.

"Esses acusados se importavam mais em lucrar com Perry do que em cuidar do bem-estar dele", disse Martin Estrada, um dos promotores.

Se condenada, ela pode pegar uma pena mínima de 10 anos em uma prisão federal. A pena máxima é perpétua, segundo o departamento de Justiça.

Autoridades americanas descobriram uma suposta conexão entre Sangha e outra morte por overdose em 2019.

Documentos legais sugerem que ela sabia dos perigos da cetamina depois de vender o produto para Cody McLaury, um cliente que morreu de overdose.

Ela teria recebido uma mensagem de um parente de McLaury que dizia: "A cetamina que você vendeu para meu irmão o matou. Está listada como causa da morte."

Dias depois, Sangha teria pesquisado na internet: "a cetamina pode ser listada como causa de morte?"

Ela também está sendo processada por essa morte.

O que é a poderosa droga cetamina?

A cetamina é uma droga usada na medicina e veterinária por suas propriedades sedativas, apesar de seus efeitos alucinógenos também a tornarem um composto perigoso quando consumida como substância recreativa.

Na própria comunidade médica, embora seja amplamente utilizada como anestésico, sedativo e analgésico, a cetamina gera diversidade de opiniões devido às suas fortes propriedades dissociativas.

Em 2019, um derivado do medicamento foi aprovado nos Estados Unidos e na União Europeia para casos graves de depressão que não respondiam a outros tratamentos.

No Sistema Nacional de Saúde britânico (NHS) e nos serviços públicos de outros países, a cetamina é usada como sedativo, anestésico e analgésico.

Também tem uso generalizado na sedação de animais.

A primeira molécula foi sintetizada em 1962 pela equipe do professor Calvin Lee Stevens, da Wayne State University, em Michigan, Estados Unidos.

Dois anos depois, essa molécula foi testada durante um ensaio clínico e foi rapidamente introduzida na prática clínica como anestésico.

Nos últimos anos, diversos estudos exploraram o uso da cetamina para tratar vícios e casos graves de depressão.

Em 2019, a University College de Londres publicou um estudo experimental que revelou que até mesmo uma pequena dose de cetamina poderia ajudar a reduzir a ingestão de álcool, embora recomendasse que fossem feitas mais pesquisas.

No mesmo ano, a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos e a Comissão Europeia aprovaram que a escetamina, um derivado da cetamina, poderia ser administrada como spray nasal, em conjunto com outro antidepressivo oral.

A intenção era tratar casos graves de depressão em adultos que tentaram outros tratamentos, mas não conseguiram se beneficiar deles.

Essa aprovação foi dada, apesar de diversas críticas sobre as limitações das evidências médicas a esse respeito.

Conhecida como “Special K” ou “Kit Kat”, a cetamina também é vendida ilegalmente e usada como uma droga recreativa por conta de seus efeitos alucinógenos.

Ela parece um pó granulado branco e reduz as sensações no corpo, colocando o consumidor em risco de sofrer lesões.

A Administração de Controle de Drogas dos Estados Unidos (DEA, por sua sigla em inglês) observa que “a cetamina distorce a percepção da visão e do som e faz o usuário se sentir desconectado e fora de controle”.

“Isso faz com que os pacientes se sintam separados da dor e do ambiente”, acrescenta.

A droga também induz estados sedativos, fazendo os usuários se sentirem calmos e relaxados. A experiência ainda pode causar episódios de amnésia.

“Em doses baixas, produz um estado semelhante ao do álcool, com dificuldades para falar ou andar, podendo também induzir estados de euforia que podem durar de 15 minutos a 2 ou 3 horas”, Bruno García Mendive, especialista em anestesiologia e reanimação com extensa experiência de trabalho em Cuba e na Espanha.

“Combinado ao álcool, pode causar depressão respiratória e parada cardíaca. Daí o perigo do seu uso livre e descontrolado, com grandes riscos de mortalidade se não houver meios de reanimação para essas complicações”, acrescenta.

“A cetamina também tem sido usada para facilitar agressões sexuais”, comenta a DEA.

Outros efeitos incluem agitação, depressão, dificuldades cognitivas, inconsciência, movimentos rápidos dos olhos, pupilas dilatadas, salivação, secreções lacrimais, rigidez muscular e possível náusea.

O NHS também observa que danos à bexiga são comuns em pessoas que usam cetamina ilegal para fins recreativos.

Além disso, no Brasil a Lei de Drogas prevê atualmente que é crime adquirir, guardar ou transportar drogas ilícitas para consumo pessoal, assim como cultivar plantas com essa finalidade.

Não há previsão de prisão para esse crime. As penas previstas nesse caso são “advertência sobre os efeitos das drogas”, “prestação de serviços à comunidade” e/ou “medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”.

Desde que começou a ser aplicada na medicina, o uso da cetamina dividiu defensores e críticos, segundo artigo publicado pelos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA.

García Mendive destaca que a forte dissociação que a cetamina pode causar quando administrada como anestesia gera conflito entre os especialistas, sendo necessário o uso de outros medicamentos para neutralizar esse efeito colateral.

É por isso que muitos na indústria preferem usar outros anestésicos e optam por evitar a cetamina em diversos procedimentos.

Assim como acontece com o potencial efeito antidepressivo de outras substâncias, como os cogumelos alucinógenos, a cobertura midiática da cetamina também gera sinais de alerta.

Este ano, um grupo de pesquisadores liderado por Nicollette Thornton, da Universidade de Sydney, na Austrália, concluiu que a cetamina foi representada nos meios de comunicação social de uma forma "extremamente positiva". Isso foi feito com poucas referências à "eficácia e segurança a longo prazo" e com citações de líderes de opinião sendo “excessivamente otimistas em comparação com a base de evidências existente”.