Laís Seguin / Folhapress
Claudia Melotti, 52, tinha 14 anos e ainda brincava com bonecas em Americana (127 km de SP) quando ouviu de um ginecologista que ela havia nascido sem útero e não poderia ser mãe pelo método convencional. Aos 20, após uma relação sexual frustrada, acreditava ter um hímen mais rígido e difícil de ser rompido.
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O diagnóstico completo em uma segunda consulta ginecológica revelou uma síndrome rara que afeta uma a cada 5.000 mulheres, segundo artigo da Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia. É a chamada Síndrome de Rokitansky, uma condição genética de causa desconhecida que afeta o sistema reprodutor feminino.
As pacientes nascem sem útero e canal vaginal ou os têm com malformação e em tamanhos menores do que o considerado normal para sua faixa etária. Na prática, isso impossibilita uma gestação na vida adulta.
Foi apenas aos 45 anos, já casada e com a carreira de médica dermatologista estabilizada, que Melotti decidiu expor que tem a síndrome para alguém fora da família.
Ela queria ajudar uma adolescente que havia passado por 17 ginecologistas diferentes com a mãe em busca de informações sobre o mesmo diagnóstico.
A paciente nunca tinha ouvido falar da condição, e ela não sabia como orientá-la, conta. "Não conhecia outras mulheres com o mesmo diagnóstico que o meu, com quem eu pudesse me identificar e compartilhar angústias e medos", diz a médica. "Eu imaginei como aquela adolescente poderia estar se sentindo, então tive o impulso de contar que tenho a mesma condição e pedi para conhecer ela e a mãe".
Três anos depois da primeira conversa dela com Isabella Barros, 21, e Luciana Leite, 52, em 2020 elas criaram o Instituto Roki. O grupo busca acolher mulheres diagnosticadas com a síndrome e seus familiares, tanto à distância quanto presencialmente, pelos cerca de cem consultórios cadastrados pelo Brasil.
A equipe de ginecologistas, fisioterapeutas e psicólogos divulga informações sobre tratamento, sexualidade e maternidade, inclusive em universidades públicas e privadas. Até o momento, 300 mulheres passaram por processos terapêuticos.
O instituto tem mais de 2.000 seguidoras nas redes sociais, que costumam relatar tentativas de dilatar o canal vaginal por conta própria, o que pode ocasionar em machucados ou graves sequelas. Um dos casos comentados, segundo Melotti, foi o de uma mulher que dilatou, por engano, o canal da uretra (de onde sai a urina) e atualmente conta que precisa usar fraldas.
O projeto também busca viabilizar o acesso à dilatadores apropriados para reconstrução do canal vaginal, caso a paciente queira ter relações sexuais com penetração, e conscientizar as mulheres sobre a necessidade do procedimento cirúrgico apenas em casos extremos de não dilatação.
De acordo com Eduardo Motta, médico ginecologista do Hospital Sírio-Libanês, o diagnóstico de Síndrome de Rokitansky é feito por ultrassom e costuma ser realizado durante a adolescência, quando as meninas não apresentam a primeira menstruação.
"No entanto, a síndrome de Rokitansky é apenas uma das situações associadas à não menstruação. Pessoas que não menstruaram após os 16 anos devem procurar atendimento ginecológico para identificar a causa e receberem orientações quanto ao tratamento", diz.
Já na fase adulta, durante a primeira relação sexual, podem sentir alguma dificuldade, incômodo e dor durante a penetração, pela ausência de canal vaginal ou tê-lo muito curto e estreito (cerca de 2 cm).
Ele pode ser reconstruído por dilatadores ou cirurgia, o que permite a prática como a de qualquer outra que não tenha a condição.
Pessoas com a condição têm má formação apenas no útero e canal vaginal. Isso significa que elas possuem ovários e desenvolvem todas as características femininas, como seios. A genitália é igual a de qualquer uma do sexo feminino, com vulva e hímen.
Apesar de não menstruarem ou conseguirem gestar, pessoas com a síndrome podem ter filhos biológicos pelo procedimento de reprodução assistida em uma barriga solidária, porque têm óvulos viáveis.
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