Prédios em risco geram apreensão e quebra de laços no Grande Recife

Publicado em 05/08/2023, às 17h00
Divulgação/Folhapress -

José Matheus Santos/Folhapress

Quase um mês após o desabamento que deixou 14 mortos, o Conjunto Beira-mar, em Paulista, na região metropolitana do Recife, tem cenário de adversidades para os moradores que ainda ocupam os blocos que restaram e mudança na rotina de vizinhos.

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Originalmente, o conjunto era composto de 1.711 apartamentos, em 37 prédios. Destes, 29 são do tipo caixão, como o do bloco D7, que desabou parcialmente. No último dia 27, a Prefeitura de Paulista recomendou a demolição de 14 prédios.

Na última quarta-feira (2), a Justiça determinou que a SulAmérica efetue a demolição do bloco D7 —o que restou do prédio que desabou e o outro prédio que forma o bloco.

O local do desabamento ainda guarda marcas da tragédia. Uma cruz de madeira faz alusão aos mortos, enquanto os escombros continuam no local ao lado de sinais de deterioração das partes que restaram em pé.

Nos anos 1980 e 90, os imóveis no bairro do Janga eram procurados por serem uma alternativa de veraneio, o que foi enfraquecido desde os anos 2000 diante do crescimento econômico do litoral sul pernambucano e da deterioração das estruturas dos prédios no tipo caixão, não mais construídos, além do avanço da criminalidade.

Alguns dos prédios sob risco ainda estão habitados. Era o caso do prédio que desabou, ocupado irregularmente.

A família da empregada doméstica Rosilene Ribeiro, 60, que perdeu quatro netos na tragédia de julho, estava nessa situação. Todos eram menores de idade e residiam com a mãe no imóvel que desabou.

"Não gosto nem de passar aqui, todo dia choro, não sonho nem com eles", afirma Rosilene, que vive em uma casa próxima ao Conjunto Beira-mar. "Eles não tinham onde morar. A menina de cinco de anos, Esther, dizia à mãe que não gostava de morar aqui."

Segundo Rosilene, a filha não se conforma com a perda. "Ela está muito triste, diz que não tem mais razão de viver sem os três filhos."

O perigo de outros desabamentos afeta a rotina do dia a dia do bairro do Janga. Sete dos 14 prédios interditados ficam bem ao lado do bloco que desabou parcialmente e apresentam risco iminente de cair. A prefeitura recomendou à seguradora que sejam demolidos.

Enquanto isso, vizinhos evitam ficar nas paradas de ônibus na calçada do conjunto de prédios e temem ir a pontos comerciais que ficam em alojamentos ao lado dele.

O militar reformado Rubens Rogério da Silva, 69, vive em uma casa atrás do residencial e diz que o medo diminuiu com o passar dos dias, mas ainda tem dificuldades para superar a perda de conhecidos. "Isso psicologicamente é um caso sério."

Os prédios dos blocos D contam com placas de venda, colocadas segundo vizinhos antes do desabamento. Algumas janelas dos apartamentos foram retiradas e, em paralelo, há roupas estendidas remanescentes do período anterior à tragédia.

Morar 17 anos em um local gera memórias e laços afetivos para uma família. É o que pensa a artesã Juliana Santos, 48, que está prestes a deixar o apartamento onde mora na área B do Conjunto Beira-Mar. Na semana passada, ela e os filhos, de 15 e 17 anos, foram comunicados que terão de deixar o edifício, assim como os vizinhos. "De repente, você tem o seu canto para morar e vira desabrigado", afirma.

Ela pretende buscar o auxílio-aluguel na Justiça, mas diz acreditar que o processo vai demorar a ter um desfecho. Por enquanto, pagará aluguel de R$ 1.000 em outro bairro de Paulista, numa casa onde vai morar com a mãe, de 82 anos de idade e que também vivia no residencial interditado.

"E aqui na região os preços de aluguel estão subindo até por causa [da lei] da oferta e da procura", diz a artesã, que reconhece a falta de conservação no prédio, que tem 16 apartamentos com três quartos, dois banheiros, sala e área de serviço cada.

Juliana diz que sentirá falta sobretudo da convivência com vizinhos, já que agora cada um se mudará para um local diferente. "Éramos muito solidárias umas com as outras. Durante 17 anos, a pessoa se acostuma com a mesma rotina e com as mesmas pessoas."

O presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco, Adriano Lucena, afirma que os fatores que influenciam para as instabilidades em prédios do Grande Recife são impulsionados pelas características do solo e pela ausência de conservação.

"Problemas surgiram ao longo do tempo. As pessoas tiraram as paredes que absorvem cargas, equipamentos e forças. Quanto aos materiais, alguns tijolos utilizados foram se deteriorando. E o nosso solo tem uma característica mole por causa dos mangues."

Segundo Lucena, todo prédio no tipo caixão tem um risco e "principalmente quando é na região que estamos falando".

Construídos em larga escala nos anos de 1970 na região metropolitana de Recife, os prédios no formato caixão têm como principal característica a ausência de colunas e pilares de concreto armado, aço ou outros materiais que funcionam como uma espécie de esqueleto estruturante. São as paredes de alvenaria, blocos ou tijolos ligados por argamassa as responsáveis por suportar esse tipo de edifício.

Esses edifícios são oficialmente chamados de prédios de alvenaria estrutural, segundo o engenheiro-civil Gibson Queiroz, membro do Ibape-PE (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de Pernambuco).

O risco de desabamento existe, ele explica, quando as normas de segurança para essas construções são desrespeitadas. O descumprimento mais comum é a substituição dos blocos chamados de estruturais por outros, mais baratos, adequados apenas para a vedação.

Em Olinda, no bairro Jardim Atlântico, o local onde houve o desabamento de um prédio do tipo caixão de três andares, em maio, está cercado com tapumes. Seis pessoas morreram.

O edifício já foi demolido, em situação diferente da encontrada em Paulista. Praticamente em frente, um outro prédio de dois pavimentos está sob risco. "Três famílias moram nesse prédio. Mais vidas podem ir embora", diz a técnica de enfermagem Mariana Azeredo, 48, que mora na mesma rua.

As prefeituras de Olinda e Paulista não responderam aos contatos da reportagem sobre a quantidade de prédios em risco nas duas cidades e medidas de apoio a vítimas e a pessoas despejadas.

Quanto ao Conjunto Beira-mar, a seguradora SulAmérica disse que "não é proprietária ou seguradora do prédio" e que "sua participação foi como prestadora de serviços na operação de apólice pública do seguro habitacional do Sistema Financeiro de Habitação, assim como outras seguradoras".

Mesmo assim, a SulAmérica diz que tem cumprido decisões judiciais que determinaram que a empresa preste serviços de guarda e vigilância de alguns desses imóveis, além do pagamento de aluguel a moradores desalojados, apesar de não concordar com as decisões.

A seguradora ainda disse que a competência para demolir prédios é de autoridades públicas.
 

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