Perigo iminente: sem plano de emergência para acidentes, indústrias oferecem riscos à comunidade

Publicado em 31/03/2016, às 13h15

Redação

Em algumas áreas da capital alagoana muita gente mora literalmente lado a lado com o perigo. São bairros que abrigam fábricas e indústrias, classificadas pela Defesa Civil Estadual como áreas que oferecem riscos em caso de acidentes.

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Mas o maior receio não está precisamente na possibilidade de acontecer um acidente, o "sinal vermelho" de preocupação acende quando se percebe que várias dessas empresas não cumprem normas que determinam a realização do chamado APELL (Alerta e Preparação de Comunidades para Emergências Locais), um processo, que inclui simulações para situação de emergência e pode salvar vida de colaboradores e da vizinhança dessas empresas.

Como deve agir um funcionário caso a indústria onde trabalha sofra um acidente, a exemplo de incêndios ou vazamento de produtos químicos?. As respostas a essa pergunta fazem parte de normas - Normas Regulamentadoras (NRs), Normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (NBRs) e também da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que obriga o cumprimento dessas Normas.

O texto completo com as determinações da CLT sobre segurança do trabalhador e comunidades circunvizinhas a esse tipo de indústria você confere aqui.

Em Maceió, a preocupação com a segurança de quem trabalha ou vive nessas "áreas de risco" é marcada por extremos. Empresas que cumprem rigorosamente com todas as normas e planejamentos; e outras que simplesmente ignoram qualquer tipo de planejamento preventivo.

A reportagem esteve nas áreas que abrigam essas indústrias e confirma o descuido total de algumas empresas, colocando em risco a vida de toda uma comunidade que vive próxima. 

ÁREAS SENSÍVEIS

TNH1 levantou junto à Defesa Civil Estadual as áreas críticas no município de Maceió, e foi buscar junto às empresas como são realizados os testes simulados nesse locais.

De acordo com o coordenador do órgão, major do Corpo de Bombeiro, Moisés Pereira de Melo, a fábrica da Braskem, no Pontal da Barra; o Porto de Maceió, no bairro de Jaraguá; a Nacional Gás Butano, no Tabuleiro do Martins, e o complexo do Distrito Industrial, são áreas sensíveis que merecem atenção.

LADO A LADO COM O PERIGO

TNH1 conversou com pessoas que moram próximo às áreas apontadas pela Defesa Civil, na maior parte dos casos eles desconhecem os planos de contingência dessas áreas, mas há casos em que a comunidade local está bem orientada sobre o que fazer.

Do lado positivo, o presidente da associação dos Moradores do Pontal, Dino Sammy, disse que treinamentos simulados em que a população participa são importantes para orientar a população sobre o que fazer no momento de um acidente ou incidente.

“A população do Pontal e do Trapiche, que vive no entorno da fábrica da Braskem, sabe para onde ir caso algo grave aconteça, a exemplo do que aconteceu há um tempo, em um vazamento, e a população sabia o que fazer para buscar apoio e como prestar socorro a alguém”, explicou ele.

Mas nem sempre a população é orientada pelas empresas da área de risco sobre o que fazer no caso de um acidente nesses locais, o que pode terminar em um sinistro com registro de óbitos pela simples falta de informação.

"SÓ SEI QUE TENHO QUE CORRER PRA LONGE DO FOGO"

A reportagem foi à Rua Romeu Avelar, no Tabuleiro Novo, próximo ao Distrito Industrial Governador Luiz Cavalcante, onde conversou com moradores do local. Dona Dilvaci Maria da Silva mora na rua há mais cinco anos e disse não saber o que fazer no caso de um acidente.

“A única coisa que eu sei é que tenho que correr pra longe do fogo. Nunca fui chamada pra conversar com ninguém sobre acidentes. Não faço ideia do que fazer se um vizinho, ou uma criança estiver precisando de ajuda”, disse ela.

Já Wellington Bezerra dos Santos mora na mesma rua há mais de 20 anos, e informou que nunca foi orientado sobre para onde ir, no caso de um acidente, e salientou que nunca soube de um exercício simulado no local. Ele gravou um vídeo para o TNH1 que você assiste a seguir:

CLT EXIGE CUMPRIMENTO DE NORMAS

De acordo com o engenheiro de segurança, Adresson Costa, apesar das NRs e das NBRs não serem leis, elas devem ser consideradas como tais, uma vez que as leis trabalhistas (CLT) exigem o cumprimento dessas normas para garantir a segurança dos trabalhadores.

“Quando citamos essas regulamentações as pessoas lembram logo da questão dos incêndios, mas ela é sobre incêndio e pânico, ou seja, ela visa orientar as empresas e a população sobre como evacuar áreas, caso seja necessário”, explicou ele.

O engenheiro explicou ainda que a NBR 15.219 tem um tópico que trata sobre a realização de exercícios simulados. Nela, o item 4.2.2, fala sobre os passos a serem seguidos para a realização destes exercícios e sobre a participação da população do entorno dessas áreas de risco. “Os exercícios simulados devem ser programados com ou sem comunicação prévia para a população”, diz o documento.

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NR-23

CLT

O especialista afirmou ainda que esses testes deveriam ser realizados no máximo um vez ao ano, no caso de um teste total, onde toda a área do teste é envolvida, ou seis meses, no caso de testes parciais.

BOMBEIROS TAMBÉM NORMATIZAM

Além das normatizações, a Coscip (Código de Segurança Contra Incêndio e Pânico), um código estadual do Corpo de Bombeiros, serve de orientação para as empresas em áreas de risco.

Major Moisés explicou à reportagem que nos casos de acidentes em áreas de risco, o entorno deve ser isolado num raio que pode variar entre 200 e 500 metros.

O gerente de operações da Nacional Gás Butano, Roberval Barbosa, explicou à reportagem que um simulado geral será realizado no fim do próximo mês, e que testes desse tipo ocorrem a cada dois anos.

“Os nossos simulados são feitos através do plano PAS/APELL, que prevê a realização de testes a cada dois anos, inclusive esse ano deve haver um novo simulado no final do mês de abril”, garantiu.

Ele disse ainda que há um plano de contingência, e que uma das principais avenidas da cidade, a Durval de Góes Monteiro, é interditada para avaliar os níveis de transtornos causados no caso de um acidente.

“Nesses testes, nós temos um plano de contingência com orientações para funcionários e a população que vive no entorno da planta da fábrica. Há, inclusive, o fechamento da avenida em frente à fábrica, a Durval de Góes Monteiro, e tudo mais previsto”, explicou.

Porém, o simulado realizado pela empresa não conta com a participação da Defesa Civil Estadual, uma vez que o Major Moisés disse à reportagem não ter conhecimento de que testes fossem realizados naquela área.

DISTRITO INDUSTRIAL: UMA "CIDADE" SOB RISCO

Crédito: TNH1/Erik Maia

A reportagem conversou com o presidente da Associação das Empresas do Polo Multisetorial Governador Luiz Cavalcante (ADEDI), Milton Pessoa, que informou não ter conhecimento da realização de nenhum tipo de teste simulado contra incêndio e pânico. “Não há nenhum tipo de teste desse tipo que eu tenha conhecimento. Na minha gestão, e faz um ano e meio que sou presidente, não recordo de nenhum simulado na região”, explicou.

Ele não soube informar se alguma das empresas do polo realiza simulados de forma isolada, mas disse que acredita que lá os risco são mínimos, devido a área de operação das indústrias.

“Sabemos que indústrias como a Braskem realizam esses testes, mas as 40 empresas que atual no Distrito Industrial de Maceió são secas, no máximo processam plástico, aí como não geram resíduos ou afluentes, não há muita necessidade da realização de testes de evacuação de áreas do entorno. O risco é limitado às empresas de processamento de plástico, mas o risco é mínimo”, avalia.

Crédito: TNH1/Erik Maia

PORTO: PREVENÇÃO INCOMPLETA

De acordo com Antônio Carlos Costa, chefe de segurança do trabalho do Porto de Maceió, uma das empresas que atua dentro da área portuária realiza os testes simulados, mas o Porto não faz nenhum tipo simulado que envolva todas as empresas que operam no local, ou as pessoas que moram e trabalham no entorno.

“O Porto de Maceió não realiza nenhum teste desse tipo, porém, entre as empresas que operam no Porto, a Petrobras, que é o centro nevrálgico entre as empresas que operam aqui, realiza anualmente simulados de segurança e convida membros de outras empresas para participar. Esses testes não envolvem a comunidade no entorno do Porto, já que se trata, predominantemente, de uma área comercial, o que minimiza os riscos”, avaliou Antônio Carlos.

Ainda assim, ele explicou que o Porto de Maceió tem um plano de contingência ambiental, que visa minimizar os danos causados em um eventual vazamento. “Entre os planos nós temos um plano de contingência ambiental, onde temos uma parceria com a Petrobras, que é uma empresa que tem expertise [experiência] mundial no assunto. Além disso, a legislação nacional prevê que embarcações que transportam produtos químicos, potencial causadores de danos ambientais, só podem operar no cais se houver uma contenção em volta da embarcação, para no caso de vazamentos, minimizar os danos”, pontuou.

O chefe de segurança do trabalho do Porto de Maceió fez ainda uma crítica às coordenações de Defesa Civil, municipal e estadual. “Acredito que deveria haver, por parte do Município ou do Estado, uma participação maior nesse sentido, com a realização de reuniões periódicas, como fazem na Braskem. Eu lembro que a Defesa Civil Estadual criou um grupo no Whatsapp há algum tempo, me incluíram, mas não sei se o grupo ainda funciona”, observou.

MORADORES DO PONTAL PARTICIPAM DE SIMULAÇÕES ANUAIS

Considerada outra área de risco, a região onde está instalada a Braskem no Pontal da Barra, mantém uma estrutura mensal onde se discute a realização de simulados, com a participação da população que mora ou trabalha no entorno da indústria.

De acordo com o Diretor de Relações Institucionais da Braskem, Milton Pradines, essa estrutura é uma APELL, que tem participação da fábrica, mas é de responsabilidade da Defesa Civil Estadual. Ele explica que esses testes são importantes para entender qual o comportamento das pessoas que moram no entorno das dependências da empresa.

Crédito: Ascom Braskem / Régia Melo e Maria Luiza

Para que tudo isso seja realizado, o simulado conta com os órgãos envolvidos, Defesa Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Polícia Rodoviária Federal, Hospital Geral do Estado, Samu e Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito (SMTT) e pessoas das comunidades.

“Geralmente nossos testes envolvem as comunidades dos bairros do Pontal e do Trapiche, onde temos multiplicadores do plano de contingência para orientar a população sobre o que fazer e para onde ir, nos casos de acidentes”, explica Pradines.

Ele explicou que com os dados na mão é possível avaliar os pontos que precisam ser melhorados dando celeridade no atendimento e, por consequência, minimizando os danos.

“Por exemplo, no último teste o nosso tempo de resposta ficou acima do esperado, demorou em média 40 minutos, mas o ideal é que o tempo seja entre 20 e 30 minutos, e com os dados dos resultados podemos avaliar onde erramos”.

Pradines concluiu explicando que o teste visa saber como a população reage, quais os caminhos que o trânsito busca, como as ambulâncias conseguem chegar ao local e até como a imprensa local se comporta, desde o aviso das ocorrências até a conclusão dos testes.

O TNH1 foi também em outras duas áreas apontadas pela Defesa Civil Estadual, como sendo de risco, próximo à Nacional Gás Butano e ao Terminal do Porto de Maceió. Lá conversamos com pessoas que trabalham próximo a esses locais, e a falta de informação sobre a existência de um plano de contingência ainda é notada até onde há exercícios simulados.

Uma pessoa entrevistada pela reportagem, que não quis ser identificado, disse que mora próximo à planta da Nacional Gás Butano, mas que não sabia o que fazer no caso de um acidente ou de vazamento do combustível.

“Eu moro a duzentos metros daqui, mas nunca participei de nada, nem conheço ninguém que tenha treinado para saber como agir, mas constantemente ouço de pessoas que moram perto de mim que é possível sentir cheiro de gás”, pontuou.

No mesmo ambiente, um jovem disse que o seu pai havia participado de um treinamento. “A gente trabalha aqui há uns dois anos e meu pai fez um treinamento dentro da fábrica, mas eu mesmo não sei o que fazer, ou para onde ir no caso de um acidente”, explicou o jovem.

Já próximo Porto de Maceió, uma funcionária de uma loja de fardamentos, que também não quis se identificar, disse que sabe o que deve fazer no caso de um acidente porque trabalhou em uma fábrica onde esses testes eram realizados frequentemente, mas que nunca soube de nenhum teste simulado que envolvesse a comunidade.

Outros moradores da região do porto também desconhecem orientações sobre acidentes.

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