Opinião: "O verdadeiro responsável pela crise do Pix"

Publicado em 22/01/2025, às 18h00

Flávio Gomes de Barros

"É impossível entender a crise da semana passada em torno do PIX, o programa eletrônico de transferência de fundos que funciona desde 2020 no Brasil e é considerada a maior inovação do sistema financeiro mundial neste século, sem identificar o grande causador da confusão. Não! Quem gerou o abalo não foi o jovem deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), que, com a publicação de um vídeo despretensioso nas redes sociais, forçou o alto escalão do governo a recuar de uma medida essencialmente técnica. A culpa foi do hábito de um dos mais importantes órgãos da administração pública, a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, de tomar decisões sem medir as consequências.

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Antes de prosseguir, um aviso: já passou da hora da equipe do presidente Luíz Inácio Lula da Silva rever sua reação habitual às críticas que recebe. Tentar reduzir as manifestações da oposição a fake news ou à ação deliberada da 'extrema direita' para tentar conter os “avanços sociais” perseguidos pelo governo não ajudará o Planalto a recuperar a popularidade perdida. Popularidade que, por sinal, perde pontos preciosos na medida em que o governo dá à Receita Federal poderes absolutos para apertar o torniquete fiscal em torno do pescoço da sociedade para, com isso, sustentar uma máquina estatal inchada, ineficiente e incapaz de proporcionar ao povo um serviço à altura do que custa.

A Receita é uma ilha de eficiência no oceano de inoperância do serviço público nacional. Com uma equipe qualificada, bem paga e selecionada em concursos públicos rigorosos, é equipada com o que há de mais avançado em termos de tecnologia da informação. Por tudo isso está, sem favor algum, no ponto mais alto da elite das instituições do Estado brasileiro.

Aliás, se o conjunto do serviço público tivesse a mesma eficiência, á máquina estatal seria mais produtiva e a Receita, talvez não precisasse de tanto rigor para tirar mais dinheiro do contribuinte. No entanto, a necessidade crescente de recursos por parte do governo — sem que isso se traduza na melhoria do sistema público de saúde, educação e segurança — deu à Receita poderes praticamente ilimitados. O problema é que a sociedade, pelo que se na semana passada, não está mais disposta a aceitar essa situação sem reagir.

Nos últimos anos, a Receita tem endurecido o jogo contra quem burla o fisco. Até aí, tudo bem: perseguir sonegadores ajuda a aliviar a conta para o cidadão. O problema é que, a pretexto de conter a evasão fiscal, o órgão acaba indo atrás de contribuintes honestos.

Todo santo dia, o cidadão é surpreendido por uma Instrução Normativa, uma Portaria, uma Nota Técnica ou qualquer outra decisão que endurece suas obrigações fiscais. A impressão que se tem é a de que, aos olhos da Secretaria, todo contribuinte é um sonegador em potencial, que precisa ficar o tempo todo provando sua honestidade e suas boas intenções... Isso consome energia e acaba irritando o contribuinte.

 

É essa irritação que, no final das contas, ajuda a explicar a reação do contribuinte ao vídeo de Nikolas Ferreira. O deputado se referia à Instrução Normativa 2219, baixada em setembro de 2024 com o objetivo de atualizar os procedimentos de monitoramento das movimentações financeiras existentes no Brasil há quase duas décadas. E, também, determinar as obrigações dos bancos, dos fundos de pensão, dos fundos de investimento e das seguradoras, que devem informar ao fisco sobre o dinheiro que seus clientes movimentam.

A Instrução era um cartapácio com 32 artigos, distribuídos por sete capítulos. O texto era repleto de remissões a outros documentos, revogações de medidas anteriores e menções a procedimentos que mesmo um especialista em direito fiscal e tributário teria dificuldades de acompanhar. Lá pelas tantas, o documento determinava que as instituições financeiras são obrigadas a prestar informações sobre ''ransações eletrônicas efetuadas por intermédio do Sistema de Pagamentos Instantâneos” do Banco Central quando 'o montante global movimentado no mês' for superior a R$ 5.000 para pessoas físicas ou R$ 15.000 para pessoas jurídicas. Como já ficou mais do que claro desde que a confusão começou, o texto em nenhum momento falava em tributar essas movimentações.

O certo é que nunca antes na história deste país um documento essencialmente técnico baixado pela Receita causou tanta confusão. E a causa da indignação, por mais que o governo e a imprensa aliada insistam em dizer isso, não foi provocada por fake news disseminadas a partir do vídeo de Nikolas Ferreira. A causa do bafafá foi a falta de credibilidade do governo ao jurar que não pretende aumentar impostos.

O que ministro da Fazenda Fernando Haddad, o secretário da Receita Robinson Barreirinhas e o advogado geral da União Jorge Messias deveriam saber é que a sociedade está cansada de pagar impostos sem ver o esforço se reverter em seu benefício. E que as empresas e os cidadãos atingiram o limite da capacidade contributiva. Na entrevista da quarta-feira passada, em que anunciaram a revogação da Instrução Normativa 2219, todos eles lançaram ameaças sobre os disseminadores de fake news e os golpistas que tentaram se aproveitar da confusão para arrancar dinheiro de cidadãos desavisados.

Trataram o cidadão como um idiota, capaz de acreditar na primeira lorota que alguém venha espalhar contra o governo, sem considerar que todo brasileiro tem motivos de sobra para desconfiar do apetite fiscal da Receita!..."

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