Folhapress
O STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria para manter a decisão do ministro Gilmar Mendes de permitir que estados e municípios proíbam a realização de celebrações religiosas presenciais como forma de conter o avanço da pandemia da Covid-19.
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Com isso, na prática, o plenário da corte derruba a decisão do ministro Kassio Nunes Marques que liberava missas e cultos e afirmava que o veto de governadores e prefeitos a esses eventos era inconstitucional.
Ao votar nesta quinta-feira (8), Kassio informou que irá ajustar sua decisão ao entendimento firmado pelo plenário. Os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber e Cármen Lúcia votaram para que prevaleça a decisão de Gilmar. O ministro Dias Toffoli, por sua vez, acompanhou a posição de Kassio. O voto dele foi considerado uma surpresa.
O julgamento deve ser concluído ainda nesta quinta. No sábado, Kassio atendeu um pedido da Anajure (Associação Nacional de Juristas Evangélicos) e invalidou decretos de alguns municípios que vetavam a realização de atividades religiosas coletivas. O ministro estendeu sua decisão a todo o país.
Dois dias depois, porém, Gilmar rejeitou ação do PSD contra decreto de São Paulo com o mesmo teor e mandou duros recados ao colega que liberou os eventos religiosos.
"Quer me parecer que apenas uma postura negacionista autorizaria resposta em sentido afirmativo", disse.
O presidente da corte, Luiz Fux, então, remeteu o tema ao plenário. O julgamento foi iniciado na quarta-feira (7) e retomado nesta quinta (8).
Antes de Kassio, primeiro a votar hoje, começar a falar, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a palavra e tentou apaziguar a relação com Gilmar, que criticou o fato de a Procuradoria ter afirmado que ele não poderia ter tomado a decisão sobre o tema porque não deveria ser o responsável pelo caso.
Aras anunciou a retirada da questão de ordem que visava discutir qual magistrado teria atribuição de relatar o tema.
Logo depois, Kassio defendeu a realização de missas e cultos com regras de distanciamento e disse que o veto a esses eventos viola a Constituição. O magistrado reclamou das críticas recebidas pela liberação de eventos religiosos e disse que foi chamado por parte de mídia, de maneira injusta, de "negacionista, insensível e até mesmo genocida".
Kassio afirmou que o vírus se espalha em bares e festas e que as celebrações religiosas não são culpadas pelo alastramento da Covid-19.
O ministro questionou se prefeitos e governadores poderiam determinar o fechamento de veículos de imprensa e disse que a liberdade religiosa dever ter o mesmo tratamento.
"Não é constitucionalmente tolerável o fechamento total das igrejas e templos", afirmou. O ministro disse que, quando tomou a decisão, 22 estados e 19 capitais estaduais tinham normas permitindo celebrações religiosas.
"Em momento algum, mesmo estando convicto de estar protegendo a Constituição, o fiz remando contra o bom senso dos gestores brasileiros".
Alexandre de Moraes divergiu do colega, citou os números da pandemia no Brasil e disse que parece que "algumas pessoas não conseguem entender o momento gravíssimo" que o país vive.
O magistrado também criticou a atuação de advogados após o representante da Associação Centro Dom Bosco da Fé e Cultura, Taiguara Souza, pedir a palavra para fazer um desagravo a Kassio Nunes Marques.
"O respeito ao tribunal vem faltando desde ontem. Os advogados têm todo o respeito do tribunal, nós ouvimos com atenção as sustentações orais, agora espero que aguardem o julgamento. Porque isso não é jogo de futebol para se falar no momento que queira".
Moraes defendeu a constitucionalidade do fechamento das igrejas e templos como medida excepcional para conter a Covid-19 e disse que o "Estado não se mete na fé e a fé não se mete no Estado".
"Onde está a empatia e a solidariedade de todos nesse momento? A liberdade religiosa tem dupla função: proteger todas as fés e afastar o Estado laico de ter de levar em conta dogmas religiosos para tomar decisões fundamentais para a sobrevivência de seus cidadãos", afirmou.
O magistrado elogiou a atuação de Araraquara (SP) no combate à pandemia e citou o município como prova de que o lockdown é eficiente. "Há três dias não há uma morte em Araraquara. O isolamento social completo salvou a cidade".
Fachin, por sua vez, aproveitou o voto para mandar recados ao presidente Jair Bolsonaro. "Inconstitucional não é o decreto que na prática limita-se a reconhecer a gravidade da situação. Inconstitucional é não promover meios para que as pessoas fiquem em casa, com o respeito ao mínimo existencial. Inconstitucional é recusar as vacinas que teriam evitado o colapso de hoje", disse.
Barroso foi na mesma linha e afirmou que o Brasil parece enfrentar a pandemia com "improviso, retórica e dificuldade de lidar com a realidade".
O ministro se disse impressionado com o fato de o governo federal não ter montado um comitê com os principais especialistas na área do país para elaborar medidas de enfrentamento à doença.
"Ciência e medicina são, nesse caso particular, a salvação. O espírito, ao menos nessa dimensão da vida, não existe onde não haja corpo. Salvar vidas é nossa prioridade".
Já Rosa Weber afirmou que decretos que vetam os cultos e missas são aceitáveis no "específico contexto" atual são aceitáveis. A magistrada afirmou que "negar a pandemia ou a sua gravidade não fará com que ela magicamente desapareça".
"Não é possível brincar de faz de conta em momento de tamanha gravidade", disse. "A nefasta consequência do negacionismo é o prolongamento da via crucis que a nação está a trilhar, com o aumento incontido e devastador do número de vítimas e o indesejável adiamento das condições necessárias para recuperação econômica", disse.
Na primeira sessão, as partes do processo, entidades religiosas, a AGU (Advocacia-Geral da União) e a PGR (Procuradoria-Geral da República) usaram a palavra e apenas Gilmar expôs sua posição.
O voto de Gilmar foi marcado por críticas às sustentações orais aos chefes da AGU, André Mendonça, e da PGR, Augusto Aras. O ministro afirmou que Mendonça parecia ter chegado de uma viagem a Marte por ter citado lotações no transporte público como se não tivesse nenhuma responsabilidade sobre o tema.
Em relação a Aras, o magistrado afirmou que sua atuação beirou a "litigância de má-fé" por ter afirmado que o responsável pelo caso deveria ser Kassio Nunes Marques.
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