Justiça torna réus policiais que mataram três jovens negros na Gamboa, em Salvador

Publicado em 24/11/2023, às 20h31
Divulgação / PMBA -

João Pedro Pitombo / Folhapress

A Justiça da Bahia acatou denúncia do Ministério Público e tornou réus os policiais que mataram três jovens negros, um deles menor de idade, em uma operação em março de 2022 na Gamboa, comunidade em Salvador às margens da baía de Todos-os-Santos.

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A ação policial realizada em 1º de março, uma terça-feira de Carnaval, resultou nas mortes de Alexandre Santos dos Reis, 20, Cléverson Guimarães Cruz, 22, e Patrick Sousa Sapucaia, 16.

Foram denunciados os policiais Tárcio Oliveira Nascimento, Thiago Leon Pereira Santos e Lucas dos Anjos Bacelar, que ainda não têm advogado. Procurada, a Polícia Militar disse apenas que a apuração da Corregedoria foi concluída e remetida ao Ministério Público.

Os PMs foram denunciados por homicídio qualificado cometido por motivo torpe. A denúncia foi recebida pela Justiça, que determinou o afastamento dos agentes das atividades de policiamento ostensivo por 180 dias.

Eles também estão proibidos frequentar a comunidade da Gamboa e de manter contato com testemunhas e familiares da vítima no período em que durar a instrução processual.

A denúncia da Promotoria aponta que os policiais abordaram, perseguiram as vítimas e atiraram com uma submetralhadora contra os jovens que participavam de uma festa na comunidade, "sem que houvesse qualquer conflito armado no local no momento dos fatos".

Na época, os policiais relataram que houve confronto e que os jovens foram atingidos pelos tiros dentro de uma casa abandonada na comunidade. Os três foram levados para o Hospital Geral do Estado, onde já chegaram sem vida.

A perícia técnica, contudo, apontou que dois deles foram atingidos em via pública e arrastados para dentro do imóvel, onde foi morto o terceiro jovem. As poças de sangue deixadas pelas vítimas baleadas na escadaria da Gamboa teriam sido lavadas para esconder os vestígios.

Na denúncia, a Promotoria afirma que os policiais teriam forjado a cena do crime, introduzindo no local armas de fogo "com a evidente finalidade de sustentar a existência de confronto armado, como motivador da intervenção policial".

No entanto, para o Ministério Público, essa versão não encontra respaldo nas provas testemunhais e periciais do inquérito. Foram realizadas perícias nas mãos das três vítimas e não foram identificados resíduos de disparos de arma de fogo em nenhum delas.

As armas que os policiais alegaram ter encontrado na cena do crime com as vítimas também foram periciadas e estavam com defeito, sem condições seguras para produzir disparos.

Na avaliação da Promotoria, as mortes ocorreram "por motivo torpe, pelo fato de os policiais presumirem que todas as vítimas seriam criminosos da localidade de Gamboa de Baixo e que poderiam agir ofensivamente para matá-los, diante do desvalor de suas vidas, mesmo sem que houvesse qualquer reação armada ou resistência".

As mortes de Alexandre, Cléverson e Patrick geraram comoção na comunidade, que na época realizou protestos e bloqueou a avenida Lafayete Coutinho, via que circunda a Gamboa e que dá acesso a bairros ricos de Salvador.

Em depoimento, testemunhas afirmam os jovens gritaram e pediram socorro antes de serem baleados pelos policiais, o que chamou a atenção dos moradores vizinhos. A denúncia do Ministério Público diz ainda que a mãe de uma das vítimas foi obrigada a se afastar do local, sob a mira de uma arma de fogo, mesmo escutando seu filho clamando por socorro.

A Gamboa fica próxima a bairros ricos de Salvador e de áreas turísticas como o Solar do União e o Museu de Arte Moderna da Bahia. Tem se destacado no turismo pela culinária regional, grafites e praias, onde as cantoras Anitta e Iza já gravaram produções.

Há um mês, operação conjunta da Polícia Federal e Polícia Militar da Bahia na comunidade terminou com dois homens mortos pelas forças policiais.

Em 2022, a Bahia foi o estado com maior número absoluto de mortes decorrentes de intervenção policial, com 1.464 ocorrências, superando o Rio de Janeiro. Desde 2015, o número de mortes registradas como autos de resistência quadruplicou no estado.

O estado governado por Jerônimo Rodrigues (PT) enfrenta uma crise na segurança pública com o acirramento da guerra entre facções, chacinas e escalada da letalidade policial com epicentro nas periferias das cidades.

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