Folhapress
É verdade que são imagens de radar com baixa resolução produzidas por uma velha espaçonave há mais de 30 anos. Mas uma nova olhada nelas revelou o que pode ser a primeira evidência de atividade vulcânica corrente na superfície de Vênus.
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O trabalho foi realizado por Robert Herrick, da Universidade do Alasca em Fairbanks, e Scott Hensley, do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, ambos nos EUA. As conclusões foram apresentadas durante a 54ª Conferência de Ciência Lunar e Planetária, em The Woodlands, Texas, e figuram em artigo a ser publicado na edição desta semana da revista Science.
O achado é importante por dar algumas balizas à forte discussão existente sobre a dinâmica de vulcanismo venusiana e pode até informar questões recentes levantadas sobre o planeta, como a presença de fosfina na alta atmosfera, molécula que pode ser (ou não) evidência de vida nas nuvens daquele mundo.
Vênus é genericamente reconhecido como um gêmeo da Terra - mais precisamente como um gêmeo "mau". É nosso vizinho planetário mais próximo, tem praticamente o mesmo tamanho e a mesma massa da Terra (apenas um tiquinho menos). É o mundo solar que recebe o nível de irradiação mais próximo do terrestre. E, no entanto, guarda marcadas diferenças.
A mais notável para nós, criaturas vivas, é a atmosfera ultradensa dominada por dióxido de carbono, capaz de gerar um efeito estufa tão poderoso que a temperatura na superfície excede os 460°C, comparável à de um forno de pizza. Nada que entendemos por vida pode viver lá.
A alta atmosfera é mais aprazível, com temperatura e pressão similares à que encontramos na Terra ao nível do mar, mas ainda assim extremamente seca. Se houver alguma chance de biologia em Vênus, é só em meio às nuvens, e a maioria dos cientistas acha mesmo isso bem improvável.
Outro contraste importante é a rotação: enquanto a Terra dá uma volta em torno de seu próprio eixo a cada 23h56min, Vênus leva 243 dias (mais que o próprio ano venusiano, 224 dias) para fazer a mesma coisa.
Em 1989, a Nasa lançou a missão Magellan. Batizada em homenagem ao navegador Fernão de Magalhães, primeiro a circunavegar a Terra, ela circularia Vênus múltiplas vezes para realizar um mapeamento tão preciso quanto possível do planeta vizinho.
Não é um desafio trivial, já que a superfície venusiana passa o tempo todo inteiramente recoberta por densas nuvens. Para colher as imagens, a Magellan usou radar, fazendo muitas varreduras em faixas estreitas do planeta, até cobrir o planeta inteiro. A resolução não era lá grande coisa: entre 100 e 300 metros por pixel.
Foi com esses dados, colhidos entre 1990 e 1992, que a dupla de pesquisadores fez sua descoberta. Eles se debruçaram sobre regiões que foram imageadas ao menos duas vezes pela espaçonave e que provavelmente tinham maior chance de exibir atividade vulcânica, em busca de diferenças entre um "antes" e um "depois".
A análise automatizada desse material é contraproducente, porque a mudança de ângulo de observação em cada uma das imagens dificulta o trabalho da máquina. O olho treinado de um geólogo ainda é mais poderoso.
E foi assim que a dupla encontrou em Atla Regio, região onde estão os maiores vulcões venusianos, possíveis evidências de erupção em duas imagens obtidas entre fevereiro e outubro de 1991.
Herrick e Hensley se concentraram em uma chaminé vulcânica localizada perto do grande vulcão Maat Mons, que parece ter se expandido e mudado de forma nos nove meses que se passaram entre uma imagem e outra. "Na imagem do ciclo 1, a chaminé parece quase circular (1,5 x 1,8 km, área de 2,2 km2), com encostas internas íngremes", escreveram os dois. "Na imagem do ciclo 2, a chaminé ficou maior (4 km2) e com forma irregular."
Além disso, os pesquisadores encontraram uma outra região próxima que parecia conter fluxos novos, não aparentes na primeira das imagens.
Para se certificar de que não se tratava de uma ilusão causada pelos ângulos diferentes em que as duas imagens foram produzidas, a dupla conduziu uma simulação de computador de como a imagem mudaria de ângulo a ângulo, baseada na aparência inicial da chaminé. Com isso, constataram que não era mesmo ilusão de óptica -a chaminé parece ter mudado de forma mesmo.
Quanto aos fluxos, não foi possível fazer essa corroboração por simulação. Ainda assim, os cientistas se sentem seguros em dizer que há evidências de que uma erupção se deu entre fevereiro e outubro de 1991 e que o nível de atividade é comparável ao que se vê, por exemplo, no Havaí.
O debate do vulcanismo venusiano - Não é surpreendente que haja vulcões ativos por lá. Em contraste com Marte, planeta menor e que parece a essa altura estar geologicamente quase completamente inativo, Vênus se assemelha mais à Terra em sua composição interna e na presença de elementos radioativos que possam gerar calor e manter vulcanismo ativo no planeta.
Além disso, a superfície venusiana parece geologicamente recente (renovada entre centenas e dezenas de milhões de anos atrás), com poucas crateras de impacto, o que remete mais à Terra que a Marte.
Porém Vênus não possui um sistema de placas tectônicas como o da Terra, que por aqui dita como e onde os vulcões surgem e se mantêm ativos. Isso deve produzir marcadas diferenças no nível de atividade vulcânica dos dois planetas.
Os cientistas planetários já conceberam muitos modelos possíveis da dinâmica geológica de Vênus, indo de uma intensidade bem inferior à da Terra a uma bem superior - mas só observações diretas do nível de atividade poderão discriminar entre esses diferentes modelos.
O achado da dupla dos EUA é um primeiro passo, mas com uma única ocorrência ainda é difícil de fazer uma estimativa. Os pesquisadores já se sentem à vontade para dizer que Vênus é menos ativo que Io, a lua de Júpiter salpicada de vulcões. Mas aí até a Terra sai atrás.
"Nossos resultados tornam improvável que o vulcanismo de Vênus tenha caído para uma pequena fração do da Terra nos últimos poucos centenas de milhões de anos, mas há uma variada gama de cenários possíveis de atividade que são compatíveis com níveis similares aos havaianos de vulcanismo em Atla Regio."
Dependendo do nível de atividade, é possível que a recente detecção de fosfina na atmosfera de Vênus (em si mesma controversa) seja explicável por mecanismos puramente geológicos, dispensando qualquer ação de microrganismos nas nuvens venusianas.
Tudo isso será um prato cheio para as próximas duas missões planejadas pela Nasa para Vênus. Chamadas DaVinci+ e Veritas, elas têm lançamentos marcados para 2029 e 2031, e terão como objetivos analisar a atmosfera e fazer mapeamento em alta resolução do planeta. Serão as primeiras espaçonaves americanas a se concentrar no estudo de Vênus desde o fim da missão Magellan.
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