Folhapress
Diferentemente de políticos que se valem dos economistas de Chicago para referendar suas duras críticas ao Estado, Lars Hansen prefere a ponderação: o importante é sempre questionar se o governo pode resolver aquele problema melhor do que o setor privado.
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"Há situações, como as mudanças climáticas, que o mercado por si só não consegue resolver e é preciso algum tipo de intervenção. Há outras em que os governos tentam fazer coisas que o setor privado pode executar melhor", reforça o acadêmico.
Em 2013, ao lado de Eugene Fama e Robert Shiller, o professor da Universidade de Chicago conquistou o Prêmio Sveriges Riksbank em Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel (conhecido popularmente como Nobel de Economia), em reconhecimento a estudos de análise sobre preços de ativos, como ações e títulos.
Em meados de maio, o norte-americano participou, por videoconferência, de uma homenagem organizada pelo Insper a José Alexandre Scheinkman, economista brasileiro e professor da Universidade Columbia, em Nova York. Os dois têm estudado o potencial da amazônia para alavancar o crescimento sustentável.
Eles cooperaram, por exemplo, com o professor da PUC-Rio Juliano Assunção em um estudo que calcula quanto o Brasil ganharia ao deixar a floresta se regenerar. "O que descobrimos é que os custos econômicos são bastante modestos para mudar a orientação da amazônia. Agora é preciso encontrar maneiras de fazer com que esses custos sejam compartilhados com outros países", diz.
Pergunta - Como o sr. vê os discursos de alguns políticos ultraliberais, que dizem se inspirar na Escola de Chicago para questionar a função e o tamanho do Estado?
Lars Hansen - A história da economia de Chicago tem sido muito impressionante. Quando era mais novo, em um curto intervalo de tempo, creio que de seis anos, quatro dos meus colegas ganharam o Prêmio Nobel.
Os economistas de Chicago levam a economia a sério, no sentido de que ela deveria ajudar-nos a resolver os problemas. Problemas reais.
É claro que há situações, como as mudanças climáticas, que o mercado por si só não consegue resolver e é preciso algum tipo de intervenção. Há outras em que os governos tentam fazer coisas que o setor privado pode executar melhor.
Então, acho que, do ponto de vista de Chicago, sempre é preciso perguntar se o governo pode realmente fazer determinada coisa melhor do que o setor privado. Se a resposta for não, então talvez seja necessário descobrir formas de encorajar o setor privado a ajudar a resolver o problema.
P. - Os economistas acabam pagando a conta de certos discursos vazios?
L. H. - Não estou dizendo que os economistas de Chicago sempre acertam nos cálculos. Há situações em que é muito importante que haja alguma forma de intervenção governamental, mas você quer entender o porquê disso.
Portanto, a influência de Chicago nem sempre funciona exatamente da maneira correta. Mas creio que é importante tentar garantir que se compreenda o que o privado pode fazer melhor e quando os governos são realmente necessários.
P. - Há uma enorme quantidade de dados disponíveis atualmente para os pesquisadores, isso mudou a forma de fazer estudos em economia?
L. H. - O ambiente para estudar economia mudou dramaticamente ao longo dos anos. Surgiram diversos conjuntos de ferramentas e métodos para analisar dados, e tudo isso foi positivo. Mas também acho que é muito importante ter bases conceituais para compreender o mundo, que vai além dos dados.
A própria Universidade de Chicago era uma espécie de referência em construir pontes entre uma área e outra, mas as áreas [da economia] tornaram-se cada vez mais especializadas, e tem sido difícil encontrar pessoas com experiência em múltiplos campos.
P. - O pós-pandemia trouxe alguma mudança permanente no funcionamento da sociedade, como se chegou a cogitar durante a crise sanitária?
L. H. - A pandemia pegou as pessoas de surpresa pela sua magnitude, e ainda há muito aprendizado importante a ser feito, questões que terão consequências de longo prazo, sobretudo se pensarmos no mercado de trabalho.
Antigamente, as pessoas saíam para trabalhar todos os dias, algumas delas viajavam longas distâncias para chegar ao trabalho, e isso era apenas visto como parte da rotina. A crise ensinou o trabalhador a ser produtivo mesmo sem estar o tempo todo no escritório.
Parece que cada vez mais empresas e instituições acadêmicas abriram opções flexíveis de trabalho em casa. Durante a pandemia, tivemos de fazer isso, e acredito que as consequências disso são permanentes, mesmo agora, na busca por um emprego.
P. - O sr. fez alguns trabalhos em parceria com o economista brasileiro José Scheinkman, da Universidade Columbia. Como vocês se aproximaram?
L. H. - José rapidamente se tornou um dos meus melhores colegas (se ele não tiver sido o melhor), quando estava na Universidade de Chicago. Era possível conversar com ele sobre diversos assuntos. Se observarmos seu trabalho, veremos que as áreas nas quais ele contribuiu são realmente impressionantes.
Fiquei triste quando ele decidiu sair de Chicago, mas mantivemos contato desde então. O fato de ele ser do Brasil é ainda melhor. Não consigo pensar em um economista brasileiro mais importante do que ele neste momento.
P. - Vocês estudaram, por exemplo, os impactos positivos do reflorestamento da amazônia, em lugar de expandir a fronteira do agronegócio. A floresta pode ajudar a financiar a transição verde?
L. H. - A amazônia é fascinante. O que descobrimos é que os custos econômicos são bastante modestos para que se altere a orientação da floresta.
A agricultura praticada na amazônia brasileira não é tão produtiva em comparação com a performance do setor, em geral. No Brasil e no mundo. Isso faz com que o custo econômico da transição para atividades alternativas que preservem a floresta tropical não seja alto para a sociedade. É claro que existem desafios importantes em termos de implementação.
É preciso descobrir maneiras de fazer com que esses custos sejam antes de tudo compartilhados com outros países além do Brasil. Temos esperança de descobrir formas de encorajar investimentos externos para ajudar a preservar a floresta tropical. Isso não só ajudará o Brasil mas também o resto do mundo.
P. - O Rio Grande do Sul está enfrentando uma catástrofe climática agora. Como os países podem se preparar para outros eventos assim?
L. H. - Em termos gerais, acredito realmente que a melhor saída para essa situação é tecnológica. Desenvolver novas tecnologias que sejam muito mais limpas e produtivas, mas isso leva tempo.
Conseguimos algumas melhorias marginais, mas, se quisermos pensar em mudanças maiores, como a fusão nuclear ou a geoengenharia solar [também chamada de modificação da radiação solar], teremos de começar a fazer coisas agora.
A questão é saber como podemos nos colocar em uma posição em que esse tipo de alternativa tenha maiores chances de sucesso. Esse é um problema no qual estou muito interessado e certamente requer continuar a pensar na redução de emissões.
Os governos nem sempre alocam recursos da maneira mais eficiente. É muito importante que os países mais desenvolvidos invistam em pesquisas e que continuem a descobrir formas de reduzir as emissões, para dar ao progresso tecnológico uma maior oportunidade de sucesso.
P. - Salvar o planeta é o grande desafio que temos hoje?
L. H. - É um enorme desafio que estamos enfrentando. Suponha que a gente consiga descobrir como lidar com a floresta tropical no Brasil. Isso certamente poderia ser parte da solução, mas há países como a China que ainda estão fortemente envolvidos com a produção de carvão, embora eles estejam fazendo esforços para fabricar carros elétricos.
A Índia tem uma população enorme e, no futuro, poderá também constituir um desafio importante para as alterações climáticas. E economias avançadas, como a dos Estados Unidos, estão envolvidas no consumo de combustíveis fósseis há muito tempo.
Então, como podemos ajudar a incentivar um país a tomar atitudes que sejam do interesse de todos? É um enorme problema, e certamente espero que possamos fazer mais progressos para resolvê-lo. Para mim, uma fonte de otimismo é a nossa capacidade de criar tecnologias novas e melhores.
P. - As universidades americanas têm sido palco de protestos contra a ação de Israel em Gaza, e as imagens dos estudantes repercutiram mundialmente. Como esse movimento é visto por dentro?
L. H. - Quando eu era jovem, o grande problema era a Guerra do Vietnã. Houve protestos estudantis massivos. Alguns deles não foram muito produtivos, outros até terminaram em violência. Mas, na verdade, os estudantes provaram estar, em muitos aspectos, do lado certo na história. Tudo o que aprendemos nas últimas décadas foi que o Vietnã foi uma aventura militar imprudente dos Estados Unidos.
Na situação atual, o problema é muito complexo e quero dizer que o que acontece aos cidadãos de Gaza é incrivelmente triste, mas todas as partes têm de assumir alguma culpa nisso. Existem tantas complexidades aqui. E também tem uma perspectiva histórica. Ao sair da Segunda Guerra Mundial, não está claro se havia uma forma muito prudente de resolver esse problema, e alguns aspectos disso nunca foram realmente resolvidos muito bem.
Creio que os campi universitários lidaram com isso de maneiras diferentes. Em Columbia, as coisas explodiram, infelizmente. Acho que Chicago lidou muito bem: deixou os protestos continuarem até que eles começaram a atrapalhar aspectos da vida acadêmica. A universidade cobrou uma resolução, e tudo caminhou pacificamente.
P. - Esse movimento pode ter impactos que vão além da causa palestina?
L. H. - Temo agora que haja um grupo de jovens, eleitores em potencial [já que nos Estados Unidos o voto não é obrigatório], que estão tão irritados com toda essa situação que não irão votar nas eleições deste ano. Acho que seria tremendamente triste se isso acontecesse.
RAIO-X - Lars Hansen, 71
Economista norte-americano, é professor da Universidade de Chicago (EUA) e uns dos ganhadores do Nobel de Economia de 2013, por estudos de análise sobre preços de ativos. Nos últimos anos, tem pesquisado os impactos positivos da preservação do meio ambiente para a economia
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