Folhapress
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"Estão entre as espécies invasoras mais problemáticas do mundo", "tiveram efeito destrutivo em muitos dos ecossistemas em que foram introduzidos", "levaram muitas espécies à extinção": as frases, vindas de um estudo que acaba de ser publicado, referem-se ao singelo gato doméstico (Felis catus). O trabalho mapeou pela primeira vez o impacto global dos bichanos quando atuam como predadores, e o resultado não é nada bonito: eles caçam pelo menos 2.084 espécies de animais, das quais 347 correm algum risco de extinção.
Em certo sentido, os números apocalípticos são esperados: pesquisas anteriores, feitas em escala regional ou continental, já tinham mostrado que os gatos são capazes de causar um estrago considerável na biodiversidade dos lugares onde vivem. Só em território americano, cálculos anteriores tinham apontado que os bichos matam alguns bilhões de aves todos os anos.
A equipe liderada por Christopher Lepczyk, da Faculdade de Ciências Florestais, Vida Selvagem e Ambiente da Universidade de Auburn (EUA), reuniu e analisou mais de 500 estudos anteriores sobre a ameaça felina, dando preferência aos que identificavam com mais precisão as espécies predadas pelos animais domésticos. Mais da metade dos dados veem de pesquisas feitas na Austrália e na América do Norte -em regiões tropicais, como a América do Sul e a África ao sul do Saara, estudos sobre o tema ainda são relativamente raros.
Quase metade das espécies normalmente capturadas e devoradas pelos felinos domésticos são aves (981, no total). Isso significa que quase 1 em cada 10 das aves existentes hoje é comida pelos bichos. Depois vêm os répteis (22,22% dos animais predados) e mamíferos (20,68% das espécies da lista), seguidos por insetos e anfíbios, afirma a pesquisa, que acaba de sair na revista especializada Nature Communications.
De um lado, boa parte dos estudos listam espécies vistas como pragas entre as presas dos gatos, provavelmente o motivo pelo qual eles foram domesticados há milhares de anos. Entre os suspeitos de sempre estão os camundongos (Mus musculus) e dois tipos de ratos (Rattus rattus e Rattus norvegicus), bem como os pardais (Passer domesticus) e os coelhos-europeus (Oryctolagus cuniculus). Esses últimos também são uma espécie invasora que se multiplicou além de qualquer controle em lugares como a Austrália.
O problema é que o cardápio dos felinos nem de longe se restringe a esses bichos muito comuns. Entre as outras presas consumidas por eles estão 7% das aves ameaçadas de extinção no planeta, bem como 5% dos mamíferos na mesma situação. Aliás, há registros de gatos devorando 11 espécies que hoje são classificadas como extintas ou extintas na natureza (ou seja, hoje só existem em cativeiro), entre as quais o corvo-havaiano (Corvus hawaiiensis).
Como seria de imaginar, os animais capturados pelos gatos normalmente são de pequeno porte (pesando, em média, 50 gramas), mas há registros de predação de bichos bem maiores, como o sapo-boi-americano (Lithobates catesbeianus), que chega a pesar meio quilo.
O estrago causado pelos bichanos na maioria dos ecossistemas mundo afora deriva, em grande parte, do fato de eles serem uma espécie recém-chegada (já que evoluíram originalmente no norte da África e no Oriente Médio antes de serem domesticados). Isso significa que, em muitos lugares, suas presas não desenvolveram defesas naturais contra ele. Isso é especialmente verdade no caso de ilhas e arquipélagos em que não existia uma fauna nativa de mamíferos terrestres, ou onde havia apenas marsupiais e monotremados (como os cangurus e ornitorrincos, respectivamente) -esse último é o caso da Austrália.
Minimizar o problema é possível com algumas medidas simples. Os tutores de gatos devem evitar que seus animais saiam de casa sem supervisão, por exemplo. Também é importante incentivar a castração para evitar o nascimento de filhotes indesejados, que podem acabar vivendo soltos e multiplicando ainda mais a população de felinos.
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