Erik Maia
“Ao retornar para casa, me deparei com os relatos bárbaros de que este homem que está aqui, o ex-coronel Cavalcante, ainda com a farda da Polícia Militar suja do sangue do meu irmão, foi ao velório, numa casa da nossa família para agredir o corpo do meu irmão, morto, e ainda puxou a arma para minha irmã, sendo contido por um dos militares que o acompanharam”.
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A forte declaração foi feita pela primeira testemunha a ser ouvida durante o julgamento do ex-militar Manoel Cavalcante, e do seu irmão, Marcos Antônio Cavalcante, acusados de participar do assassinato de José Gonçalves da Silva Filho, o cabo Gonçalves, em maio de 1996. A testemunha é a irmã da vítima, Ana Maria Pereira Valença, que falou no Tribunal do Júri, no Fórum do Barro Duro, nesta quinta (22).
“No dia que meu irmão morreu, ele falou comigo uns 30 minutos antes do crime, onde me pediu para ficar uns três dias na minha casa para regularizar a compra de um carro. Quado cheguei a minha casa, fui informada da morte dele e fui ao local”, relatou.
Ana Maria seguiu explicando que chegou a ir ao lugar errado, no bairro do Benedito Bentes, e quando chegou ao Posto Veloz, onde o crime aconteceu, o espaço já estava sendo lavado e o corpo já havia sido recolhido, mesmo sem a perícia ter acontecido.
“Então eu me dirigi ao IML. O corpo já não estava mais no posto. Fui obrigada a reconhecer o que restou do corpo do meu irmão, sem olho, já quase sem pescoço… Só aí eu acreditei que ele tinha morrido”, revelou.
Ela seguiu argumentando que acredita que a motivação do crime teria sido a negativa do cabo Gonçalves em assassinar o então prefeito de Coruripe, no Litoral Sul de Alagoas. “Ele disse que não iria, e seguiu normalmente com a vida dele, quando foi traído”, diz.
Manoel Cavalcante está sendo julgado pelo crime ocorrido em 1996. Foto: Erik Maia |
Outros atentados
A irmã afirmou ainda que antes do atentado que terminou com a morte do cabo Gonçalves, o seu irmão teria sofrido outras tentativas de assassinato. “Lembro de um em Murici, um em União dos Palmares e outro no povoado do Pé Leve, em Limoreiro de Anadia, quando foi baleado e perdeu parte do pavilhão auricular. Nessa tentativa de homicídio, ele foi andando, ferido, até o batalhão da Polícia Militar de Arapiraca, de onde precisou ser escoltado para sair”, lembrou.
Ameaças
Em seu depoimento, ela relembrou fatos do dia em que o crime aconteceu, do velório e relatou uma série de ameaças que teria recebido de forma anônima e “em recados dirigidos” de pessoas citadas no processo. “Sempre tinha gente na porta da minha casa quando eu ia depor. Sempre vi dois carros pretos perto da minha casa e de familiares meus. Eu mesma recebi várias ameaças, inclusive dos réus que estão aqui, como recados direcionados", disse enquanto apontava para o ex-coronel e para o irmão dele.
Mandantes
Ana Maria atribuiu o crime a uma trama envolvendo os deputados João Beltrão, o apontando como mandante do crime, Francisco Tenório, que teria dado um vale abastecimento à vítima, usado no dia do crime, e Antônio Albuquerque, que teria participado de uma reunião em uma de suas propriedades na cidade de Limoeiro de Anadia.
“Aqui nesse estado quem tem dinheiro não mata, contrata para matar. Como já disse anteriormente, ele foi morto por se negar a matar uma pessoa por ordem do João Beltrão, para quem ele estava trabalhando […]. Ele foi abastecer o carro no Posto Veloz com um vale dado pelo Francisco Tenório. No posto só havia uma bomba aberta, onde os assassinos estavam a sua espera […]. A reunião ocorreu na fazenda do Antônio Albuquerque, em Limoeiro de Anadia. Tudo isso, quem está dizendo não sou eu, a irmã da vítima. Tudo está no depoimento do seu cliente aos juízes da 17ª Vara Criminal de Maceió, está tudo nos autos”, disse ela em resposta ao advogado Givan Lisboa, que defende os irmãos Cavalcante.
Em outubro de 2017, o Pleno do TJAL absolveu o deputado João Beltrão por falta de provas de sua participação no crime. Os desembargadores concordaram que o único indício contra o réu foi desfeito quando o ex-tenente-coronel Manoel Cavalcante mudou sua versão. Já sobre o deputado Antônio Albuquerque, o Tribunal de Justiça decidiu por impronunciá-lo na denúncia.
O hoje deputado estadual Francisco Tenório chegou a ser preso pelo crime em 2011, um dia após seu mandato como deputado federal expirar. No momento da prisão, ele estava em Brasília e foi preso por agentes da Polícia Federal por determinação da Justiça de Alagoas. Ele foi solto cerca de um ano depois e ainda não foi julgado.
A reportagem não conseguiu contato com os parlamentares.
A advogado dos réus afirmou mais cedo ao TNH1 que uma das teses da defesa é o pedido de clemência, tese semelhante à apresentada pela defesa do ex-coronel em outro processo onde acabou absolvido.
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