Redação
O trabalhador autônomo, normalmente atuando em atividades precarizadas, sonha em ter a carteira profissional assinada, com todos os direitos decorrentes disso.
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É o que aponta levantamento da Fundação Getúlio Vargas.
Não dá para considerar alguém nessa situação como empreendedor, como explica o jornalista Leonardo Sakamoto:
“Sete em cada dez trabalhadores autônomos desejam os direitos e proteções da carteira assinada, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. Num país que empurra trabalhadores para atividades precarizadas e que ganham pouco, convencendo-os de que são empreendedores, o dado da FGV-Ibre lembra que esse discurso não cola com todo mundo.
Uma coisa é empreender, criar o próprio negócio e prosperar, com a possibilidade de crescer, contratar empregados e melhorar a própria vida e a de sua comunidade. Com independência de verdade para escolher o horário e a jornada. Isso é fundamental e precisa ser incentivado, pois a criação de empresas leva ao desenvolvimento. Para tanto, a iniciativa privada precisa dar seu apoio, bancos garantirem financiamento barato e microcrédito, instituições de ensino e sociedade civil prestarem orientações técnicas e o poder público fomentar e prover suporte.
Outra coisa são pessoas que, no desespero da sobrevivência, acabam aceitando exercer atividades precarizadas que remuneram pouco e não contam com proteção alguma de seguridade e previdência social. São trabalhadores de empresas com muita tecnologia, muitos lobistas e muitos advogados que espalharam a narrativa de que eles são empresários individuais que atuam por conta própria. Gabam-se de fazer seu próprio horário, mesmo que ele ultrapasse as 14 horas diárias, roubando tempo de si e da família para enriquecer os outros.
Em momentos de eleição, em que há candidatos que misturam o importante empreendedorismo de fato com a precarização vestida de empreendedorismo, mostrar que há muita gente que trocaria a vida autônoma por um emprego decente com carteira é relevante. Aponta que o empreendedorismo de fato precisa ser incentivado e o outro, combativo. E que disputa pelo sentido do trabalho ainda não acabou, como desejariam alguns que defendem que a Justiça do Trabalho deveria dar lugar à Justiça comum.
A pesquisa da FGV ocorre sete anos após a Reforma Trabalhista ser aprovada, em 2017. O governo Michel Temer, sua base no Congresso Nacional e associações empresariais prometeram que ela removeria os ‘entraves’ para que rios de leite e mel corressem pelas ruas das cidades brasileiras. E que brilhantes unicórnios vomitariam arco-íris perfumados sobre as contas bancárias dos mais pobres.
Claro que era cascata e, hoje, trabalhadores sentem na pele os resultados da precarização de proteções à sua saúde, segurança e dignidade feitas à toque de caixa e sem a devida discussão democrática.
Durante as eleições presidenciais de 2022, a simples menção à necessidade de rever parte dos pontos negativos da reforma gerava apreensão no mercado. Após Lula ressaltar, na campanha, a importância da contrarreforma que vem sendo tocada pelo governo espanhol para reverter a precarização das regras trabalhistas ocorrida por lá, em 2012, muita gente bonita crescida no leite de pera quase infartou em público.
É fascinante que algo gere apreensão no mercado após Bolsonaro (que ele ajudou a eleger) ter aloprado a economia em nome de seu projeto de poder. Ele pedalou com precatório se gastou desenfreadamente para tentar se reeleger e a maioria da Faria Lima só disse amém.
Acompanhei, no Congresso, um rolo-compressor de interesses econômicos atropelar a necessária discussão sobre a atualização na legislação em nome de um projeto que facilitou a precarização da proteção aos trabalhadores em 2017. Tentativas de aprofundar a discussão eram abortadas.
Propostas para realizar uma Reforma Sindical, que fortalecesse os bons representantes e desidratasse os picaretas antes da Reforma Trabalhista, por exemplo, eram vistas com desdém. Por outro lado, o projeto para enfraquecer as representações de trabalhadores passou com distinção e louvor. A mídia, por outro lado, ajudou a demonizar os sindicatos, nivelando os honestos com os picaretas.
Não havia espaço para o diálogo, apenas a pressa. Tanto que o Senado abriu mão de seu papel de casa revisora, aceitando aprovar o texto que veio da Câmara sem modificações. Engoliu a mentira de que o governo se empenharia para retirar pontos com os quais os senadores não concordavam.
Claro que toda legislação trabalhista precisa de revisão para se adaptar aos novos tempos. A própria CLT passou por várias desde que foi instituída – aquela história de que é o mesmo texto desde Getúlio Vargas é conversa para boi dormir. Mas o que aconteceu no Brasil não foi um diálogo tripartite, entre patrões, empregados e governo, buscando a atualização e a simplificação das regras. Foi a entrega de uma encomenda, pagamento pelo apoio de parte do empresariado à troca de comando na República.
Tanto não foi uma atualização que os legisladores de 2017 se furtaram a aprovar medidas eficazes para garantir proteções à saúde e segurança de entregadores e motoristas por aplicativos, uma das mais vulneráveis categorias. Hoje, políticos dizem que não era possível prever que esse novo proletariado urbano explodiria em número. Mentira. O Congresso e o governo foram alertados, mas ignoraram. Porque o objetivo era outro. Agora, a batalha para garantir isso esbarra no lobby das plataformas.
Ao analisar o DNA da Reforma Trabalhista, vemos que ela nasceu baseada em demandas apresentadas por confederações empresariais e grandes empresas junto com posições derrotadas em julgamentos no Tribunal Superior do Trabalho que significaram perdas a empresários e ganhos a trabalhadores. A esse pacote inicial, somaram-se dezenas de propostas de parlamentares e de seus patrocinadores.
No final, houve algumas boas alterações, outras inócuas e um pacotão de maldades…”
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