Redação
A morte do ex-jogador César, alagoano que brilhou no CRB por muitos anos e teve efêmera passagem pelo poderoso Corinthians, repercutiu nacionalmente.
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Aqui em Alagoas, nem tanto: nenhum dirigente de clube ou de entidade esportiva compareceu ao seu sepultamento, que terminou restrito aos familiares, amigos e alguns companheiros da época em que esteve em atividade.
O site do clube paulista, abriu grande espaço para registrar o seu falecimento, que mereceu também no portal UOL um texto-depoimento de Valter Casagrande, hoje comentarista esportivo, que conviveu com César quando também atuava no Corinthians.
Escreveu Casagrande:
“César era um goleiro do CRB de Alagoas e foi contratado em 1981, num momento muito ruim do Corinthians, onde vários jogadores foram contratados para se fazer uma reformulação no elenco. Muitos não deram certo naquele momento, apesar de serem grandes jogadores.
Quando começaram os treinamentos para a temporada 1982, o treinador era o saudoso Mário Travaglini, que foi moldando uma nova equipe e começou com o César como titular, o que causou um grande problema com o goleiro reserva, naquele momento, Rafael.
Na minha estreia, que foi na terceira partida do campeonato, quando vencemos o Guará de Brasília por 5 x 1 (eu fiz 4 gols), no dia seguinte à reapresentação, ele foi um dos caras que mais fizeram festa para mim no vestiário. Depois disso, na concentração, eu costumava ficar junto com outro centroavante, o experiente Mário, e ele ficava com Rafael. Mas não era fácil para ele essa convivência.
Por quê?
Porque o Rafael, por ser mais experiente, havia nascido no Corinthians no final dos anos 60 e depois jogou em grandes equipes da época, como a Ponte Preta, e não aceitava ficar no banco de forma alguma. Era desclassificado e diminuído constantemente pelo rival de posição, o único a ter algum tipo de inimizade com ele, que era querido pelo resto do grupo. Naquela época, não se falava em xenofobia, mas vendo o mundo hoje, imagino como o César se sentia sendo um nordestino jogando no Corinthians, vindo de uma grande equipe do estado de Alagoas, mas pequena no cenário nacional.
Em uma dessas concentrações em Belo Horizonte, quando iríamos enfrentar o Atlético-MG, a situação do seu quarto ficou insustentável. Tivemos que fazer uma mudança sem avisar ninguém para evitar uma possível crise, porque o Rafael estava para agredi-lo. Ele veio para o meu quarto e o Mário foi para o do Rafael, e isso durou o primeiro semestre inteiro de 1982.
Vamos para as suas qualidades, que eram muitas, mesmo com baixa estatura. Era muito ágil e rápido nos movimentos. Foram poucos goleiros que vi pegar tanto em uma só partida como ele fez na nossa vitória por 1 x 0 com gol do ponta Eduardo (Eduardo Amorim), contra o Internacional, no Morumbi. Ali ele mostrou tantas qualidades que até estampou a capa da conceituada revista Placar.
Naquele Campeonato Brasileiro, ele foi passando aos poucos muita segurança e tranquilidade ao time. Fomos até a semifinal do campeonato e jogamos contra o Grêmio, e aí surgiu um problema sério, consequência da péssima relação entre ele e o Rafael. A primeira partida foi no Morumbi e perdemos por 2 x 1, mas o primeiro gol que tomamos foi muito estranho e completamente contrário à segurança que ele havia conquistado durante os jogos.
Num chute despretensioso do lateral Paulo Roberto, meu amigo, quase do meio-campo, César foi pegar a bola tranquilamente e não conseguiu segurar. Era bola simples, fácil, principalmente porque a maior virtude dele como goleiro era a precisão em segurar a bola com as mãos. No segundo jogo, lá em Porto Alegre, no antigo estádio Olímpico, perdemos por 3 x 1 e a final foi Flamengo x Grêmio, com o rubro-negro sendo campeão.
Mas o que aconteceu com César naquele gol?
Pois bem, ele havia luxado o dedo da mão e, com receio de não poder jogar e pelo sofrimento que sentia naquela pressão toda do Rafael, resolveu não falar para ninguém e foi para o jogo. A bola bateu exatamente no dedo machucado e a dor que sentiu não deixou que ele segurasse a bola. Depois disso, houve uma bela reformulação do elenco, e ele, assim como o Rafael e outros jogadores, saíram em definitivo ou em empréstimo.
César foi para o Juventus, mas não foi mais o mesmo depois de tudo isso que aconteceu e, apesar de ter feito um campeonato brilhante, foi responsabilizado pela eliminação não pelo gol que tomou, mas por ter omitido a contusão. Depois disso, ainda tivemos contato até antes da pandemia, e o César sempre foi um cara meio calado, mas que treinava muito e poderia, sim, ter continuado em alguns clubes da região sudeste ou sul do país. Não tenho dúvida de que a xenofobia daquela época foi muito cruel com ele, porque fico imaginando se tivesse sido um jogador daqui que tivesse cometido o mesmo erro, se as consequências teriam sido as mesmas.
O pequeno grande goleiro César morreu nesta quinta-feira (20) aos 69 anos e, quando recebi a notícia, me bateu uma forte tristeza porque vi de perto o seu sofrimento e o seu sucesso dentro do Corinthians. Um goleiro pouco lembrado por aqui, mas poucos sabem o que ele passou para conseguir ser titular do Corinthians, mesmo com muito mérito. Era atacado constantemente dentro do vestiário por Rafael, desclassificado, ofendido, e mesmo assim conseguiu suportar sem reagir, treinando muito e jogando demais.
A recordação que tenho dele é a incrível partida que fez contra o Inter em 1982, sendo um dos grandes jogos que vi um goleiro fazer de dentro do campo, defendendo o mesmo time que eu.”
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