João Victor Souza, com informações do MPAL
Após quase oito anos, o caso Joana Mendes, nomenclatura dada para o processo sobre a morte da professora vítima de mais de 30 facadas dentro de um carro no Conjunto Santo Eduardo, em Maceió, chegou ao fim com a condenação do réu, o ex-marido dela Arnóbio Henrique Cavalcante Melo, na madrugada desta terça-feira (2). A advogada Júlia Mendes, irmã de Joana, comentou o resultado do júri e comemorou a pena de mais de 37 anos de reclusão definida para o ex-cunhado.
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"Um ciclo que se fecha, havia a expectativa desse dia chegar. Foram quase oito anos de espera para que a Justiça fosse feita. E como nós sempre acreditamos, a justiça foi efetivamente feita", iniciou a irmã da vítima, ainda emocionada com o fim da audiência no Fórum do Barro Duro.
"A família fica com o coração confortado. Nada vai trazer a Joana de volta. Ela hoje é luz, sempre foi vida, mas hoje é luz. E nós cumprimos a nossa missão", acrescentou a familiar.
Assista ao momento em que família e amigos receberam a sentença:
Com a faixa com a frase "Feminicídio é crime, não é loucura", parentes e amigos da professora se concentraram no Tribunal do Júri e acompanharam as mais de 15 horas de julgamento. A sentença foi prolatada pelo juiz Yulli Rotter, titular da 7ª Vara Criminal da Capital, com a condenação de Arnóbio a 37 anos, dois meses e sete dias de prisão, além de mais R$ 150 mil de indenização por danos morais.
Para o promotor de Justiça, Antônio Villas Boas, a sensação para o Ministério Público, depois da sentença, foi de dever cumprido. "O processo foi se arrastando há quase oito anos, e hoje chegamos ao veredicto. Há toda evidência de que a vida de Joana não retornará, mas de certa forma a decisão foi um refrigério para os corações dos familiares", afirmou.
Veja mais imagens do fim do julgamento:
Relatos dos declarantes
Ao todo, foram ouvidos cinco declarantes da acusação: Hudson Cavalcante – tio do réu, Danielle Paiva – melhor amiga de Joana, Wolfran Cerqueira – primo da vítima, Damiana Gouveia – empregada doméstica da família de Arnóbio, e, por fim, Júlia Mendes, irmã de Joana Mendes. Já os declarantes da defesa foram todos dispensados.
O primeiro declarante ouvido foi Hudson Cavalcante Ferreira, 53 anos, tio do réu. Ele informou que, no dia do crime, havia recebido uma ligação de Pedro, irmão de Arnóbio. Ele teria entrado em contato com Hudson para informar que o denunciante teria feito algo contra Joana, mas não sabia o que havia acontecido.
Segundo o tio, Pedro saiu para procurar Joana e encontrou seu carro parado em uma rua. Ele teria retornado à casa dos avós, onde se encontrou com Hudson. Os dois se dirigiram ao local onde estava o automóvel, acionando o Samu. “Eu sabia que era o carro dela, mas não sabia quem estava lá dentro”, detalhou.
Relacionamento abusivo
Em seguida, o promotor de Justiça passou a ouvir Daniele Elizabete Franco, amiga de infância da vítima. Ela informou que logo após iniciar o relacionamento com o réu, Joana mudou os seus hábitos e comportamentos, agindo de forma mais contida. Daniele destacou que a vítima chegou a expressar a sua insatisfação com a relação. “Ela disse que não aguentava mais e iria esperar o filho deles nascer para deixar o marido”, relatou.
Daniele disse que chegou a presenciar a forma agressiva como Arnóbio tratava a vítima. Ao subir ao apartamento do casal, antes de um passeio entre amigas, a testemunha ouviu o réu proferir xingamentos contra a esposa e as suas amigas. “Ele disse que nós éramos vadias e que estávamos atrás de macho na rua”, relembrou Daniele.
Nesse momento, ela disse que sentiu vontade de adentar no apartamento para defender a amiga, mas se conteve. “Eu esperei a Joana sair. Ela desceu aos prantos, não parava de chorar e disse que não merecia isso”, afirmou Daniele. Além desse episódio, ela informou que a vítima sempre aparecia com manchas roxas pelo corpo e dizia que tinha sido algum acidente doméstico.
Primo confirma relação tóxica
Wolfran Cerqueira Mendes, prima da vítima, também acompanhou o relacionamento conturbado entre o casal. Ele informou que, no segundo semestre de 2015, Antonio Jorge, pai de Joana, tinha-o convidado para ir até a residência do casal buscar Joana, pois ela estaria decidida a sair de casa e cortar os laços com Arnóbio. Na época, a família cogitou fazer uma denúncia na Delegacia da Mulher, mas a ideia foi descartada por conta do filho do casal.
“Olhando para a criança, pensei: ‘vamos esperar para ver se o assunto encerra’. Depois desse dia, no fim do ano, ele abordou Joana na orla de forma incisiva. Ela ligou para o meu tio e, aí, fomos à Delegacia da Mulher pedir medidas protetivas. E assim foi feito”, relatou Wolfran.
Tempo depois, Joana havia entrado em contato com Arnóbio para oficializar a situação referente à guarda da criança, pois ela estava pensando em se mudar para o estado de Minas Gerais. De acordo com Wolfran, tudo indicava que a questão iria se resolver pacificamente. Joana, inclusive, havia informado a ele que iria se encontrar com a advogada do réu para assinar o acordo. Dois dias depois, ocorreu o assassinato.
“Percebi depois que minha prima tinha caído em uma cilada. Eu estava em casa quando, no começo da noite, recebi uma ligação do celular do meu tio. Fiquei preocupado. Era o enteado dele, que me disse: ‘Joana foi a óbito’. Na hora, só me veio na cabeça que ela tinha sido assassinada. Quando cheguei lá, deparei-me com a tragédia. Você tem ideia do que é ver uma criança que coloquei no braço esfaqueada?”, emocionou-se o primo.
Foi Wolfran, inclusive, que sugeriu à família que o velório fosse com o caixão fechado por conta das facadas que levaram a vítima à morte.
Na sequência, foi ouvida Damiana Gouveia que, à época, trabalhava como secretária do lar na cada da avô de Arnóbio Cavalcante. Foi ela quem achou a faca suja de sangue na garagem da residência da família do réu. “Eu passei pela garagem e vi uma caixa que me chamou atenção. Quando abri, a faca estava lá, completamente ensaguentada. De imediato, chamei um tio dele, que me mandou deixar o objeto lá e não mexer nele. Pouco tempo depois, chegou o Arnóbio com a mão sangrando”, disse ela.
Os interrogatórios foram encerrados com o depoimento de Júlia Mendes. Ela relembrou a alegria da irmã, contou que o réu manipulava a vítima e praticava todos os tipos de violência contra Joana, a exemplo da física, da patrimonial e da psicológica. “Ele é tão do mal que, para surpresa nossa, expulsou a Joana do apartamento que o meu pai pagava para eles morarem. Inclusive, botou a Joana pra fora de casa com o bebê no colo”, explicou a irmã da vítima.
Quando questionada sobre a saúde mental dos filhos de Joana, ela se emocionou: “O Matheus, que é tão lindo por dentro e por fora, passou a se isolar, foi perdendo o seu brilho. E, desde a morte da mãe, está recebendo tratamento psicológico para poder conviver com essa dor. O Antônio, filho do casal, também faz terapia. É preciso assistir a eles dois para que possamos minimizar os efeitos dessa tragédia”, completou.
Defesa buscou elementos para adiar o júri
Quando começou o interrogatório, o réu alegou que não queria mais ser representado pelo advogado Jacob Filho. Ele também se recusou a responder os questionamentos tanto da acuação quanto da defesa.
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