Folhapress
Intercâmbio, inglês avançado, matrícula em universidades de ponta, experiência prévia. Essas são algumas exigências que dificultam a entrada de estudantes negros no mercado de trabalho -e que estão caindo à medida que empresas passam a priorizar a diversidade nas equipes.
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É o que mostra um levantamento feito pela Cia de Estágios com 3.347 estudantes cadastrados na base de dados da empresa e contratados entre 2018 e 2020. Do início do levantamento até 2020 quase triplicou o número de estagiários negros contratados.
Tiago Mavichian, fundador da Cia de Estágios, acredita que os processos seletivos exclusivos para negros têm um papel importante para esse aumento.
Esse tipo de iniciativa entrou nos holofotes em 2020, com o lançamento de um trainee exclusivo para negros pela Magazine Luiza. O programa, visto com admiração por muitas empresas e grupos preocupados com a inclusão, chegou a ser contestado na Justiça, mas a acusação de que era "excludente para brancos" não foi adiante.
"É difícil ver uma pessoa negra em um lugar de destaque que não seja fruto de uma ação afirmativa", conta Marcos Madeira, 32, estagiário da Ambev. Estudante de engenharia de produção na Universidade Presbiteriana Mackenzie, Marcos trabalhou desde os 14 anos como passeador de cachorros e, com o dinheiro do trabalho, investiu em um cursinho pré-vestibular.
"Era incomum para o meu bairro, não existia a expectativa de se formar, de estudar", conta. Ele fez tanto o cursinho quanto a graduação (com bolsa), no turno da manhã, considerado mais elitizado. "Eu vivia em espaços mais brancos", diz.
Marcos afirma que foi só aos 29 anos, ouvindo um episódio do podcast Mamilos sobre racismo estrutural, que se entendeu como homem negro -e levou a questão para os espaços de trabalho que ocupou desde então.
Ele foi um dos dez estagiários a ingressar na companhia no primeiro programa exclusivo para negros da empresa, lançado em 2019. O processo não não exigia experiência prévia ou inglês nem tinha limite de idade -diferencial para estudantes negros, que muitas vezes entram na universidade mais velhos.
"Quando selecionamos por conhecimento técnico ou bagagem, isso vira um concurso público", diz Mavichian. "A pegada não é essa. É olhar para pessoas, para história de vida, potencial."
Para Marcos, trazer a questão racial para o trabalho era essencial. O assassinato de George Floyd, em maio de 2020, foi um catalisador para que ele propusesse conversas sobre racismo estrutural na empresa.
Incentivado por gestores, ele participou de reuniões com a alta liderança, nas quais discutiu quais deveriam ser os posicionamentos da empresa.
"O mundo lá fora é muito grande e eu não vou conseguir mudar. Agora, esse pequeno mundo que eu vivo aqui, ao qual dedico boa parte do meu tempo, pode gerar um impacto lá fora", conta.
Além da Ambev, empresas de diversos segmentos como Aqua Capital, Falconi e QuintoAndar inauguraram programas de estágio específicos para negros, todos com diferenças nas exigências de processo seletivo.
"Não é uma questão de baixar a régua ou exigir menos das pessoas, mas de entender que algumas coisas que consideramos como regra de contratação podem não contemplar todo mundo", comenta Eduardo Abreu, coordenador da frente de diversidade e inclusão do QuintoAndar.
A valorização da história pessoal e da trajetória individual são traços desse tipo de processo seletivo. Em alguns deles, os candidatos precisam elaborar apresentações de slides ou vídeos contando sobre suas próprias vidas.
Para Mavichian, da Cia de Estágios, as empresas entenderam que a inclusão é um investimento na diversidade de ideias -e que traz retorno financeiro.
"Para isso precisamos atrair essas pessoas", conta Fernanda Garcia, líder de inclusão, diversidade e equidade da empresa agrícola Corteva.
Marcos, estagiário da Ambev, acredita que é necessário "fazer o convite" às pessoas negras: "Por mais que tivesse um programa para universitários negros, eu não me via na Ambev", conta. "É difícil falar que está tudo tranquilo e tentar a vaga. Existe uma visão de não se enxergar nesses lugares."
Para serem atrativas para estudantes negros, as diferenças nesses programas não param no processo seletivo. Algumas empresas, como Ambev e Falconi, oferecem um salário inicial extra no início do trabalho. Outras, caso da QuintoAndar, organizam mentorias específicas para o desenvolvimento dos estudantes contratados. A mentoria está presente também nos estágios da Aqua Capital. As empresas que não exigem inglês oferecem cursos de idioma.
"É um programa de estágio mais formatado que o regular. Exige investimento de tempo e dinheiro", afirma Deborah Araujo, líder de pessoas da Aqua Capital. "Nossa ideia não é formar só para a empresa, mas para a sociedade."
Tiago Mavichian avalia que o impacto social desse tipo de programa, mesmo que não resulte na contratação efetiva ao final, é grande.
"Você está dando oportunidade para um monte de gente ter experiência profissional. Com esse estágio, a vida depois de formado é diferente do que seria sem um estágio", comenta.
Os processos, porém, exigem certos cuidados, como preparo da equipe e dos gestores. "Diversidade a qualquer custo causa o efeito contrário", comenta Mavichian. Ele afirma que é essencial preparar o restante da equipe e alocar os contratados em áreas certas para eles, que não sejam apenas para ter diversidade na empresa.
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