Cirurgiã dentista revela que perdeu a mão após ter infecção urinária

Publicado em 07/11/2024, às 14h20 - Atualizado às 14h21
O caso aconteceu em Santos, no Litoral de SP - Foto: Arquivo Pessoal

Marie Clarie

A cirurgiã dentista Thais Nogueira, de 40 anos, teve a mão esquerda amputada após uma infecção urinária que causou uma sepse. Atualmente, a moradora de Santos (SP) está treinando para usar uma mão robótica e voltar a viver o sonho de cuidar dos sorrisos das pessoas.

Nogueira relata que tudo começou quando descobriu um câncer de colo de útero avançado, em 2021. “O diagnóstico veio como uma bomba na minha cabeça porque eu não entendia como podia estar com a doença se todos os anos fazia exames preventivos”, reflete.

A cirurgiã dentista submeteu-se a 14 sessões de quimioterapia, 34 de radioterapia e 4 de braquiterapia. O médico optou por não operá-la. Após o extenso tratamento, Nogueira acreditava que sua batalha havia terminado.

As consequências do tratamento para o câncer

“Eu sabia que tinha feito uma radioterapia muito agressiva. Uma das sequelas foi entrar na menopausa precocemente. Sabia que a radiação também poderia queimar outros órgãos e foi o que aconteceu. Tive a bexiga queimada”, relata.

O prejuízo do órgão fez com que a cirurgiã dentista desenvolvesse cistite actínica — condição que acarreta em dor ao urinar, presença de sangue na urina, incontinência urinária e aumento da propensão de infecções no local.

“Na tentativa de cessar o sangramento na urina, que não era pouco, foi proposto um tratamento chamado de embolização da bexiga para diminuir a circulação sanguínea no órgão. Só que algo não deu certo, e a minha situação, piorou”, relata.

Nogueira voltou com dores insuportáveis do procedimento minimamente invasivo. Foi medicada e mandada para casa. Só que o sangramento continuou, assim como o incômodo para urinar.

Ao procurar pela opinião de um segundo urologista, a cirurgiã dentista foi internada para fazer uma cistoscopia — exame endoscópico das vias urinárias. Descobriu-se que uma parte da sua bexiga necrosou devido a embolização realizada nela.

“Na tentativa de salvar o órgão, o médico prescreveu o uso de sonda aliado à câmara hiperbárica (30 sessões). Após isso, ele faria um procedimento para retirar a parte necrosada e o útero que estava colado na bexiga pelo efeito da radioterapia. Mas, infelizmente, não deu tempo, tive um choque séptico”, relata.

Minha trajetória foram sucessões de avalanches de situações que eu não consigo entender o porquê e, a essa altura, não faz muita diferença também
— Thais Nogueira, cirurgiã dentista
 
A infecção generalizada e a perda da mão esquerda
 
Nogueira estava em casa quando começou a se sentir indisposta e dormiu. Ao acordar, sua mãe percebeu que a filha estava com febre alta e confusa. A cirurgiã dentista deu entrada no hospital com quadro de sepse devido a infecção urinária.
 
“Eles notaram que meus rins não estavam funcionando e me levaram para o centro cirúrgico, onde tive dois choques. Tive um acesso no braço esquerdo, que causou a oclusão da artéria radial. Ao longo dos dias, a mão esquerda necrosou por falta de oxigenação”, detalha.
 
A urologista Mariana Toda, do Hospital Santa Paula, explica que a infecção urinária costuma piorar rapidamente se não se restringe à bexiga, subindo para os rins.
 
“Quando não se dá atenção aos sintomas de piora como cansaço, abatimento, febre que não responde às medicações, dor intratável, confusão neurológica e o paciente fica sem avaliação e cuidado, a infecção toma rapidamente o organismo. O rim é um grande filtro do corpo, cheio de pequenos vasos que, durante uma infecção, permitem a passagem fácil das bactérias da urina para o sangue, deixando que elas circulem livremente”, explica Toda.

Já a necrose de membros como mãos e pés, quando há uma infecção intensa no corpo, se dá porque o organismo automaticamente protege os órgãos que são vitais para que ele sobreviva, como coração e pulmões.

“Em contrapartida, o organismo reconhece que dedos, mãos e pernas não são indispensáveis à sobrevivência. Consequentemente, os vasos que levam sangue a essas regiões começam a se fechar para garantir que todo o líquido chegue apenas aos órgãos vitais. Conclusão: se não chega sangue às mãos, aos braços e às pernas, eles entram em gangrena, morrem e sofrem a amputação”, esclarece Toda.

Nogueira ficou 67 dias internada na Unidade de Terapia Intensiva, sendo sete em coma, lutando pela vida. Quando acordou, sentia dor no braço e pediu para retirarem a faixa dele porque acreditava que o incômodo era por isso. “Quando vi minha mão, sendo da área da saúde, sabia que, muito provavelmente, ela seria amputada”, lembra.

O médico informou à cirurgiã dentista que ela perderia todo seu braço esquerdo. Desolada, procurou uma segunda opinião médica. Esse outro especialista conseguiu preservar o antebraço de Nogueira.

“Dez dias após perder a mão, perdi a bexiga também e fiquei com uma bolsinha, o que afeta muito a autoestima da mulher. Mas não teve jeito de manter o órgão porque a chance de uma nova infecção urinária era muito grande. Então, segui em frente”, conta.

O recomeço

Após receber alta, a cirurgiã dentista começou a adaptação em casa e, com 15 dias, retornou ao trabalho. Suas amigas abriram uma vaquinha para arrecadar dinheiro para uma mão biônica.

Ao mesmo tempo, Nogueira entrou em contato com uma advogada que entrou com uma ação para que o plano de saúde cobrisse os custos da prótese e a juíza foi a favor da santista.

“A empresa de saúde forneceu a melhor mão biônica que eu poderia ter, com custo de 300 mil reais. Com essa conquista, eu gostaria de mostrar para as pessoas que não é o fim. A vida ainda tem muita coisa boa para nós”, reflete

A cirurgiã dentista ainda não está com a mão biônica, pois está realizando o treinamento necessário para usá-la. Mas a expectativa é alta.

Eu espero, assim que eu pegar minha mão biônica, seguir minha carreira sem grandes dificuldades, inspirar pessoas e viver bem, sem ser olhando pela janela de um hospital, como em 2021
— Thais Nogueira, cirurgiã dentista
 
O dinheiro arrecadado na vaquinha aberta pelas amigas foi destinado a comprar uma outra prótese de reserva quando a principal for para a manutenção. Nogueira afirma que se negou a usar o valor para qualquer outro objetivo que não fosse o que realmente levou a abertura do arrecadamento.

 

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