Tecnologia

Cientistas revelam traje espacial que transforma urina em água potável

| 15/07/24 - 15h07
| Foto: Foto: Reprodução/Sofia Etlin et al.

Uma maravilha da franquia de filmes de ficção científica “Duna” é o traje de sobrevivência usado pelos Fremen, habitantes do deserto — os “trajes destiladores” que reciclam todos os fluidos corporais em água potável. Agora, tal tecnologia parece estar no horizonte, com cientistas revelando um protótipo de sistema de traje espacial que transforma urina em água potável.

Os astronautas podem passar uma quantidade considerável de tempo fora de seu habitat espacial realizando atividades extraveiculares, ou EVAs. Houve 37 caminhadas espaciais realizadas entre 2021 e 2023 para experimentos científicos ou para realizar reparos na Estação Espacial Internacional (ISS), e elas duraram em média 6 horas e 26 minutos, de acordo com um estudo de cientistas da Universidade Cornell publicado na sexta-feira (12) na revista Frontiers in Space Technology. As caminhadas espaciais podem durar mais de 8 horas.

Ao passar esses longos períodos em caminhadas espaciais, os astronautas atualmente usam os conhecidos trajes EVA brancos e fofos, que contêm uma vestimenta de máxima absorção. Essas vestimentas descartáveis são essencialmente fraldas que coletam urina e fezes. Elas devem ser capazes de conter até um litro de urina e 75 gramas de matéria fecal por dia para cada membro da tripulação.

No entanto, esses trajes EVA foram projetados há mais de 40 anos, e a Nasa (agência espacial dos Estados Unidos) atualmente não tem planos concretos para renová-los ou substituí-los. A agência espacial anunciou em junho que estava cancelando contratos no valor de mais de 100 bilhões de dólares com a Collins Aerospace para criar trajes espaciais de última geração, embora pelo menos duas outras empresas dos EUA estejam atualmente trabalhando em trajes para caminhadas espaciais e a Nasa possa solicitar contratantes adicionais, confirmou a agência espacial à CNN.

“Você pensaria que no século 21, os astronautas não estariam usando fraldas”, disse à CNN na sexta-feira Sofia Etlin, autora principal do estudo, astrobióloga e membro da equipe de pesquisa do Mason Lab do Weill Cornell Medical College em Nova York.

Embora as fraldas possam absorver eficazmente os resíduos, elas podem prejudicar a saúde dos astronautas e causar desconforto. Os astronautas relataram vazamentos nas fraldas, tornando-os incapazes de distinguir entre sua urina e suor, e reclamaram de erupções cutâneas e problemas de odor. Os membros da tripulação enfrentam riscos médicos, como contaminação cruzada com matéria fecal, infecções do trato urinário e problemas gastrointestinais, que são agravados pelo acesso reduzido que os astronautas têm aos cuidados médicos.

Alguns até reduziram suas refeições vários dias antes de uma EVA para evitar ter que usar uma, o que poderia impactar seu desempenho em caminhadas espaciais extenuantes, de acordo com os pesquisadores.

Simplesmente estar no espaço causa desidratação, e caminhadas espaciais fisicamente exigentes causam mais desidratação, o que prejudica o desempenho dos astronautas. No entanto, a bolsa de bebida no traje, que atualmente fornece aos astronautas cerca de 900 gramas de água e uma pequena dose de glicose, também tem “problemas significativos”, incluindo ser demorada para preparar, contribuindo para a redução da eficiência do trabalho, de acordo com os pesquisadores. Os astronautas disseram que a quantidade atual de água fornecida não é suficiente.

Sistema “Duna”

Para “promover o bem-estar dos astronautas”, os pesquisadores projetaram um novo sistema de coleta e filtragem de urina no traje, ou sistema “Duna”, disse Etlin.

O sistema reciclaria a urina usando osmose direta e reversa, um modelo usado pelo sistema de tratamento de águas residuais atual a bordo da estação espacial, para remover contaminantes da urina e filtrá-la em água potável.

Um aspecto do sistema é um dispositivo de coleta de urina, que apresentaria um copo de silicone, moldado de maneira diferente para homens e mulheres. O dispositivo teria várias camadas de tecido, incluindo um tecido antimicrobiano, para permitir que a urina seja afastada do corpo rapidamente para a superfície externa, onde pode ser bombeada, reduzindo o risco à saúde causado pela exposição prolongada à urina.

O líquido então entraria no sistema de filtração, um aparelho de dois estágios que remove a água da urina em uma solução salina, com uma bomba separando a água pura do sal.

Os autores do estudo propuseram que um volume de 500 mililitros de urina poderia ser processado em menos de cinco minutos, com a reciclagem efetiva de mais de 86,8% dela em água potável.

A água seria então bombeada para a bolsa de bebida no traje, onde seria reabastecida com eletrólitos e, potencialmente, carboidratos, para atender às necessidades nutricionais e energéticas.

Todo o aparelho ficaria em uma bolsa que poderia ser montada nas costas de um traje EVA, adicionando 8 quilogramas (17,6 libras) ao seu peso total.

Embora o “peso seja certamente uma preocupação para as próximas missões lunares, acreditamos que o conforto aumentado e a eficiência dos recursos proporcionados pelo sistema mais do que compensarão o ligeiro aumento de volume”, disseram os autores do estudo.

Trajes espaciais reinventados

Etlin disse que este é um “momento ideal” para desenvolver essa tecnologia, já que “os trajes espaciais, como os conhecemos, estão sendo reinventados”.

Embora a Nasa tenha cancelado seu contrato com a Collins Aerospace para trajes espaciais a serem usados na ISS, ainda possui um contrato de quase US$ 230 milhões para desenvolver trajes lunares com a empresa Axiom Space, com sede em Houston.

Projetados para ter melhor flexibilidade e mobilidade, fornecer mais visibilidade e isolamento, e ter um sistema portátil de suporte à vida, os trajes poderiam desempenhar um papel crucial na missão Artemis III da Nasa, que busca retornar astronautas à Lua no final desta década, para ir mais longe do que nunca antes.

No entanto, mesmo esses novos designs de trajes ainda possuem o estilo antigo de fralda, segundo Etlin. A Axiom não respondeu imediatamente a um pedido de comentário sobre o design de seu traje espacial.

“Nas missões Artemis, os astronautas podem ficar lá fora por horas e horas a fio, ou podem haver cenários de emergência onde precisam retornar à base, mas seu rover quebrou. Você tem todos os tipos de cenários de contingência onde precisa de água e de um sistema de resíduos que não seja limitado ao que uma fralda pode conter”, disse ela.

Além do programa Artemis, que busca levar uma mulher e uma pessoa de cor à Lua pela primeira vez, a corrida está em direção a Marte, onde água potável seria um luxo.