Ciclo menstrual leva a alterações estruturais no cérebro, diz estudo

Publicado em 03/12/2024, às 20h20
- Foto: Reprodução/Freepik

CNN Brasil

Um estudo recente mostra que os hormônios que guiam o ciclo menstrual podem levar a alterações cerebrais nas pessoas que menstruam. Pesquisadoras da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, nos Estados Unidos, documentaram em detalhes as mudanças estruturais que ocorrem no cérebro à medida que os níveis dos hormônios relacionados à menstruação se alteram.

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Publicado em julho no periódico Human Brain Mapping, o estudo sugere que as mudanças estruturais no cérebro ocorridas durante a menstruação podem não estar limitadas às regiões associadas ao ciclo menstrual. Isso indica que ocorrem alterações em todo o cérebro ao longo da menstruação.

“Esses resultados são os primeiros a relatar mudanças simultâneas em todo o cérebro na microestrutura da substância branca humana e na espessura cortical, coincidindo com os ritmos hormonais impulsionados pelo ciclo menstrual”, escreveram as pesquisadoras no artigo publicado.

“Os fortes efeitos da interação cérebro-hormônio podem não estar limitados às regiões classicamente conhecidas de receptores densos do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal (eixo HPG)”, acrescentam.

O que já se sabe sobre a relação entre cérebro e menstruação?

Ao longo da vida, pessoas que menstruam passam por muitas mudanças hormonais, desde a menarca [primeira menstruação], na adolescência, em alguns casos, na gestação, e, por fim, na menopausa.

“Todas essas fases da vida geram diversas alterações e diversos sintomas que, muitas vezes, podem impactar a vida da pessoa e que ainda não são bem explicados pela ciência. Então, podem acontecer alterações de humor, como irritabilidade, sintomas depressivos e ansiosos, alterações do sono, fadiga, dor e cefaleia”, explica Barbosa, coordenadora da Neurologia do Hospital Sírio-Libanês em Brasília, à CNN.

A especialista explica que algumas pessoas podem sofrer descompensação de condições pré-existentes durante o ciclo menstrual, como de crises de enxaqueca ou de epilepsia catamenial. “As crises podem acontecer ou descompensar em determinadas fases do ciclo, ou no período pré-menstrual, ou no período ovulatório. Tem também casos de enxaqueca que só surgem ou descompensam nessas fases”, afirma.

“Muitos desses sintomas passam sem explicação. Ultimamente, temos começado a estudar melhor e pesquisar mais essas alterações, mas ainda são pesquisas incipientes, que não têm uma resposta clara”, completa.

Segundo Helga Marquesini, ginecologista do Hospital Sírio-Libanês em São Paulo, já existem alguns estudos que mostram que o ciclo menstrual pode influenciar o funcionamento do cérebro, ativando ou desativando áreas que executam tarefas como fala, emoções e memórias.

“Também já se vem estudando que tanto a substância branca, quanto a cinzenta são impactadas por processos hormonais, como a puberdade, gravidez, menopausa, hormonoterapia e contraceptivos”, explica Marquesini. “Desse desdobramento, entendemos cada vez mais sobre a influencia dos hormônios em condições psiquiátricas e neurológicas, nos sintomas de tensão pré-menstrual (TPM) e transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM), nas variações do comportamento e da resposta sexual, dentre outras condições”, completa.

O que o estudo recente descobriu?

Liderado pelas neurocientistas Elizabeth Rizor e Viktoriya Babenko, o estudo acompanhou 30 mulheres que menstruam ao longo de seus ciclos menstruais para documentar as mudanças estruturais que ocorrem no cérebro à medida que hormônios como o estrogênio, a progesterona, o hormônio luteinizante (LH) e o hormônio folículo-estimulante (FSH) são liberados.

Para isso, foram realizados exames de ressonância magnética nas participantes durante a menstruação, na ovulação e na fase lútea média [fase do ciclo menstrual que ocorre após a ovulação e dura em média 14 dias]. No momento desses exames, também foram medidos os níveis hormonais das participantes.

Os resultados mostraram que, à medida que os hormônios flutuam [mudam de concentração], os volumes de substância cinzenta [responsável por interpretar impulsos nervosos] e branca [relacionada com o aprendizado e as funções cerebrais] também mudam, assim como o volume do líquido cefalorraquidiano [fluido corporal que circula pelo sistema nervoso central.

Segundo o estudo, o hormônio folículo-estimulante, que aumenta antes da ovulação, foi associado à massa cinzenta mais espessa. Já a progesterona, que aumenta após a ovulação, foi associada ao aumento do tecido e à diminuição do volume do líquido cefalorraquidiano.

“O estudo viu alterações cerebrais na ressonância magnética, mas não foi feita uma correlação com os sintomas que elas apresentaram. Não foi questionado se elas tinham algum sintoma e quais eram esses sintomas e suas gravidades. Então, é um aspecto que ainda precisamos aprofundar, fazer estudos com maior número de mulheres e tentar entender se isso traz repercussão na prática clínica e no dia a dia das pessoas”, observa Barbosa. Ela não esteve envolvida com o estudo.

Apesar disso, a especialista considera que as descobertas podem ser um caminho para entender sintomas relacionados à menstruação e à menopausa. “O fato é que conseguimos documentar que existem, sim, alterações estruturais e o cérebro é sensível a essas variações hormonais”, afirma Barbosa. “Isso é um caminho para começarmos a entender como esses sintomas todos [da menstruação, da menopausa e, até mesmo, da gestação e do pós-parto] podem ser explicados e para definirmos tratamentos específicos, porque muitos desses sintomas trazem incapacidade”, acrescenta.

“Este estudo traz como inovação o uso de métodos de imagem mais precisos para investigar como os hormônios do ciclo menstrual afetam áreas de interesse no cérebro. Isso impacta positivamente a prática médica, pois aprofundamos o conhecimento sobre os mecanismos hormonais cerebrais e podemos estudar cada vez melhores estratégias terapêuticas e preventivas. Além disso, é o primeiro estudo que avalia a mudança que ocorre na microestrutura da substância branca cerebral frente às oscilações hormonais do ciclo”, complementa Marquesini.

 
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