Folhapress
Os tribunais brasileiros não definiram quando o uso do ChatGPT pode ser caso de Justiça. Há apenas seis precedentes no site JusBrasil que citam a inteligência artificial geradora de texto criada pela OpenAI. No caso que teve maior repercussão, o ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Bento Gonçalves multou um advogado por usar a ferramenta para fazer uma petição.
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A plataforma também é citada como "desafio para o mundo do trabalho" em decisões da Justiça do Trabalho e como exemplo negativo pela vaguidão de argumentos de quatro petições assinadas por advogados.
As autoridades judiciais brasileiras não trataram de acusações de plágio, difamação e violação de privacidade pelas quais a OpenAI já responde em outros países.
No Brasil, não há definição clara nem de como a IA pode ser usada nos tribunais. O mesmo advogado multado pelo ministro Gonçalves, Fábio de Oliveira Ribeiro, recorre ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) desde janeiro para impedir que juízes usem o ChatGPT para proferir ou fundamentar decisões.
O pedido de antecipação de tutela feito pelo advogado foi negado no mês seguinte, por não haver evidências desse uso. O caso aguarda julgamento. As ações judiciais contra a IA geradora de texto ao redor do mundo também seguem sem desfecho, enquanto juristas discutem quem deve ser responsabilizado por possíveis erros dos novos sistemas de IA e qual a melhor forma de fazer isso. Há casos, por exemplo, em que o ChatGPT "alucina" e inventa calúnias sobre pessoas.
A reportagem separou episódios para explicar quem é responsável pelos erros da inteligência artificial, já que a tecnologia não tem personalidade jurídica para ser levada aos tribunais. Alvo dos processos, a OpenAI não respondeu aos pedidos de comentário da reportagem.
ACUSAÇÕES DE CALÚNIA E DIFAMAÇÃO
No Brasil, não há processos de difamação contra a OpenAI ou outra plataforma de inteligência artificial tramitando sem segredo de justiça, de acordo com a plataforma JusBrasil. A pedido da reportagem, o TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) também consultou, sem resultados, certidões na Justiça paulista citando a startup.
Nos EUA, um radialista da Geórgia processou a OpenAI por calúnia, com alegações de que o ChatGPT inventou uma ação judicial com falsas acusações de apropriação indevida de recursos e manipulação de registros financeiros enquanto era executivo de uma organização. O profissional de rádio, na verdade, nunca teve relações com tal empresa.
Em documento apresentado ao tribunal pedindo que a ação fosse rejeitada, a OpenAI disse que "existe um consenso quase universal de que o uso responsável de IA inclui a verificação da veracidade de informações apresentadas pela IA antes de usar ou compartilhá-las".
A OpenAI se negou a comentar casos específicos. Porém, em nota ao jornal Washington Post, afirmou que é transparente durante o processo de registro de novos usuários e que melhorar a precisão factual dos modelos de linguagem é um dos principais focos da empresa. "Estamos fazendo progressos."
Um professor americano de direito e um prefeito australiano passaram por situações semelhantes. Segundo o professor da Universidade de Minnesota Alan Rozenshtein, quem se sentir difamado pelo ChatGPT deve peticionar contra a OpenAI por disponibilizar um produto que atribui declarações falsas a terceiros de maneira sistemática. "É uma ação complicada que precisa mostrar a negligência da empresa no desenvolvimento da tecnologia", disse à Folha.
VIOLAÇÃO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL
Um grupo de artistas da Califórnia acionou a Justiça americana para pedir reparação à OpenAI, sob a alegação de terem seus estilos copiados pelo Dall-E —inteligência artificial geradora de imagens.
Os artistas querem ser procurados para autorizar ou rechaçar que suas obras sejam usadas no treinamento dessas tecnologias.
Na mesma direção, o jornal Wall Street Journal e a rede de TV CNN veicularam artigos afirmando que a OpenAI usou textos de seus sites e de outros 18 veículos para treinar o ChatGPT —a informação teria sido revelada pela própria IA, em resposta a uma pergunta.
O algoritmo do ChatGPT foi alimentado com mais de 45 terabytes de textos, colhidos na internet sem autorização dos autores. As fontes estão especificadas no artigo de lançamento do motor GPT-3, por trás do ChatGPT. Na divulgação da versão mais recente desse modelo, o GPT-4, a OpenAI não publicou os dados usados no desenvolvimento.
o dia 11 de agosto, o site especializado Ars Technica mostrou que a OpenAI acrescentou detalhes sobre o funcionamento do robô raspador usado para alimentar suas inteligências artificias, o GPTBot. Com essas informações, é possível bloquear a mineração de dados da criadora do ChatGPT.
A política de propriedade intelectual para treinamento de IAs varia a cada país, de acordo com a coordenadora de cultura e conhecimento do InternetLab, Alice Lana. O Brasil ainda não definiu suas normas. O projeto de lei dos direitos autorais que tramita no Congresso inclui remuneração de autores por conteúdos usados pela inteligência artificial.
"Estados Unidos, Japão e Singapura e alguns países da União Europeia já fizeram alterações legislativas que permitem que a mineração de dados e textos aconteça em bancos de dados, sem haver violação de direitos autorais", afirma Lana.
Isso garante segurança jurídica no desenvolvimento de inteligências artificiais geradoras. "A ideia é que o conteúdo não foi aproveitado por uma pessoa, e sim processado por máquinas", diz a pesquisadora.
Nos EUA, essa exceção à lei de propriedade intelectual vale apenas para pesquisa. Autoridades americanas não decidiram se aplicações de IA desenvolvidas por empresas com fins lucrativos se enquadram nesse entendimento.
OBRAS CRIADAS POR IA SÃO PROPRIEDADE INTELECTUAL?
Autoridades também discutem se os conteúdos gerados por inteligência artificial são protegidos por propriedade intelectual. Existem processos em curso sobre esse tema nos EUA e na Austrália.
Embora a elaboração de textos e artes com inteligência artificial requeira participação humana na produção das instruções (prompt, na linguagem técnica), essa criação é possível apenas pelo treinamento com dados disponíveis na internet.
De acordo com Lana, a maior parte dos teóricos da área defende que qualquer conteúdo gerado por IA deve entrar, de forma automática, em domínio público, como ocorre com livros e músicas após determinado tempo desde a morte do autor.
"Não faz sentido afirmar que a dona daquela obra é a inteligência artificial. Seria como se, no início da computação, disséssemos que um poema digitado no computador pertencesse ao computador", diz Lana.
O Escritório de Direitos Autorais dos EUA definiu em março que as imagens criadas pela IA geradora Midjouney e depois usadas em uma novela gráfica não poderiam ser protegidas, segundo reportagem da agência Reuters. Essa plataforma ficou conhecida por ter criado a foto falsa do papa Francisco de casaco branco.
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